Estou no pastorado há 44 anos. Já vi muita coisa, conheci
pastores exemplares como foram o Joás Dias de Araujo, o Nephtali Vieira Junior,
Naor Garcia entre outros. Há no pastorado, no dizer do Rev. Joás, um mistério.
Eu acrescentava que é um mistério místico. Há uma mística na vocação, na
imposição das mãos para a ordenação e no próprio desenvolver do ministério
pastoral.
O pastorado é a vocação para o trabalho com pessoas, com tal
intensidade e autoridade que pode e muitas vezes entra nos detalhes da vida
pessoal e até íntima da vida dos fiéis. Não é só o pregar. Este é um dos
trabalhos e talvez o de menos importância e de resultados comprovadamente
baixos. Pergunte a uma pessoa na segunda-feira qual foi o tema do sermão
pregado na igreja e certamente você escutará com muita frequência: “não
lembro”. OO aconselhamento pessoal,
familiar, conjugal, a orientação de jovens e adolescentes, o ensino de valores
éticos e morais, a confissão espontânea de pecados, a conversa onde as dúvidas
bíblica e teológica surgem, o visitar enfermos, famílias, estar presente nos
momentos marcantes da família e nos ritos de passagem, são alguns dos aspectos
que diziam/dizem respeito ao trabalho pastoral.
Acontece que os tempos mudaram e a sociedade também. Já não
é tão fácil visitar as famílias em suas casas, uma vez que muitas delas se
encontram fechadas a maior parte do tempo. Lembro-me da primeira igreja que
pastoreei nos Estados Unidos e que, ligando para os telefones dos membros,
fazia um pastorado de secretária eletrônica. O que era uma celebração para
muitos, hoje, o receber o pastor para uma visita pode ser um incômodo por ser o
horário quando a família, que esteve separada durante todo o dia, tem agora
para se reunir e conversar.
O trabalho do pastor como conselheiro foi cedendo espaço
para os psicólogos, psicanalistas e outros profissionais. Antes não se exigia
do pastor conhecimentos mais profundos sobre o ser humano e suas relações. Hoje
precisa estudar várias linhas para poder fazer um trabalho significativo.
Os pastores pastoreavam comunidades onde ele conhecia a
todos pelo nome. Era o pastor que sabia da vida de cada ovelha. Com o advento
das mega-igrejas, os pastores perderam o contato pessoal com a membresia. De pastores
passaram a ser animadores de auditórios, as suas congregações se transformaram
em plateia, de doutrinadores passaram a ser motivadores. O evangelho do “cada
um tome a sua cruz” foi banalizado, para um evangelho da graça barata, da vida
cristã anônima, individualista, solitária. É a comunhão comigo mesmo. A
membresia e fidelidade a uma congregação foi substituída pelo turismo
eclesiástico. A participação fiel a uma congregação local foi trocada pelas
igrejas de grife.
De doutrinadores, hoje muitos são apeladores (no mais
negativo sentido da palavra). Vivem de fazer apelos para que os presentes
contribuam acima do que haviam se disposto a fazer. Deixam de dar com alegria
para serem contribuidores constrangido. Inventam símbolos, eventos, programas
com o fim de “motivar” a contribuir.
O servo da comunidade se transformou e ganhou títulos
pomposos de apóstolos e quejandas. O serviço anônimo ao próximo cedeu espaço ao
tempo televisivo pago a peso de outro. O mistério místico do pastorado virou
narcisismo midiático.
Faltam pastores. Sobram animadores de plateia,
arrecadadores, show-men.
Marcos Inhauser