Duas grandes ameaças pesavam sobre a Igreja primitiva: o poder
imperial e líderes heréticos. A primeira tinha conotações políticas, porque o
poder central percebeu que estava ameaçado por um grupo de fanáticos que se
recusavam a dizer “César é Senhor.”
Infiltraram espiões e
concluiram que os cristãos celebravam o ágape ou “festa do amor”, que se
chamavam de irmãos e irmãs e que comiam do corpo e bebiam do sangue de Jesus
Cristo. Do alto de sua sabedoria político-filosófica concluíram que os cristãos
promoviam orgias sexuais em suas festas do amor, praticavam o incesto porque se
chamavam de irmãos e irmãs nestes banquetes orgiásticos e praticavam a
antropofagia, porque comiam do corpo e bebiam do sangue de Jesus.
O império alertou a todos
e divulgou o perigo que esta nova seita representava para os projetos políticos
do César. Cabeças rolaram, gente inocente foi crucificada, comida pelos leões,
queimada, serradas ao meio.
A segunda ameaça era
interna e tinha elementos político-teológicos. A igreja tinha sido fundada
pelos alunos do “Seminário Teológico
de Jesus, um curso teológico e prático de três anos, receberam a ordenação
ministerial pela descida do Espírito Santo e houve alguém que se extraviou e
traiu a causa do evangelho. Zelosos que eram da sã doutrina, procuravam
transmitir as coisas com fidelidade, tal qual haviam aprendido do Mestre.
Mas, eis que surge, lá não
se sabe de onde, nem como, outro apóstolo, nascido fora de tempo. Paulo era o seu nome.
Ele ensinava a graça que
liberta da escravidão da lei. Os alunos do Seminário, por terem recebido aulas
do próprio Mestre e por terem um background judeu, viram com restrição os
ensinos deste também judeu, só que renegador das tradições da religiosidade
judaico/cristã. A coisa esquentou a tal ponto que fizeram um concílio em
Jerusalém para decidir se Paulo era ou não verdadeiro apóstolo. Depois de muita
saliva, chegaram a um acordo salomônico: Paulo é apóstolo, prega a verdade, mas
deve ensinar algumas coisas como não comer sangue, não ter relações sexuais
ilícitas, etc. e tal.
Ocorre que Paulo não foi o
único “herege” que surgiu. Começaram
a aparecer aqui e ali profetas, profetisas, apóstolos, mestres, sábios,
ex-qualquer-coisa e todos se julgavam donos da verdade. A quase totalidade
deles não se sabia com quem havia aprendido.
Havia os que negavam
partes da Bíblia, como era o caso de Marcião que desprezava o Antigo
Testamento, havia os que enfatizavam os dons, como era o caso de Apolo que
criou uma tremenda confusão em Corinto, havia os profetizadores, os que se
perdiam em discussões genealógicas, outros que falavam mais de demônios que de
anjos, outros que fabricavam uma lista interminável de “pode” e “não pode”. Havia também os
milagreiros, os mercadores da palavra, os que no dizer de Pedro, “faziam
comércio dos crentes”, os que negavam a humanidade de Jesus e os que
sustentavam o adocionismo. Era um supermercado de doutrinas, uma para cada
gosto e para cada comichão de ouvidos.
É neste contexto que
alguns dos escritores neo-testamentários escreveram suas epístolas, preocupados
que estavam com o futuro da Igreja. É o caso de Judas que alertava a igreja
quanto aos que “se introduziram no nosso meio, que convertem em dissolução a
graça de Deus... que contaminam a carne, rejeitam as autoridades, que são como
manchas em vossas festas de amor, pastores que a si mesmos se apascentam”. É o
caso de I João alertando quanto aos que diziam que não mais pecavam.
É o caso de Pedro em suas duas epístolas. Pedro, um dos alunos
do Seminário de Jesus, preocupado com a desaparição precoce de seus colegas de
turma, quase todos eles martirizados, e também preocupado com a investida, de
verdadeiras fábricas de heresia, pessoas que surgiam de não se sabe onde, que
não haviam estudado com ninguém, mestres de si mesmos.
Parece que as coisas não
mudaram. Dois mil anos de eterna
repetição das mesmas heresias.
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