É verdade que o uso
litúrgico das cinzas como símbolo de arrependimento remonta aos tempos
bíblicos. Podemos ver o uso delas no arrependimento em Ester,
quando Mardoqueu se veste de saco e se cobre de cinzas ao saber do decreto de
Asuero I (Xerxes, 485-464 AC, da Pérsia, que condenou à morte todos os judeus
de seu império Est 4:1). Outro personagem, Jó, mostrou seu arrependimento
vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinzas (Jó
42:6). Daniel afirmou: "Volvi-me para o
Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o
cilício e a cinza" (Dn 9:3). O povo de Nínive proclamou jejum a todos e se vestiram
de saco, inclusive o Rei, que além de tudo levantou-se de seu trono e sentou
sobre cinzas (Jn 3:5-6). São exemplos do Antigo Testamento que mostram a prática
estabelecida de valer-se das cinzas como símbolo de arrependimento.
Jesus fez
referência ao uso das cinzas: "Ai de ti, Corazaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os
milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam se
arrependido sob o cilício e as cinzas. (Mt 11:21).
Por outro
lado, as cinzas também são símbolo de algo que foi destruído, queimado, que
virou pó. Elas são a evidência do aniquilamento. “Tudo virou cinzas” é uma
expressão que denota derrota, impossibilidade de se recuperar ou ressuscitar.
Quando penso
na quarta-feira de cinzas fico entre a cruz e a espada. Não sei se as cinzas,
no caso do brasileiro, seriam símbolo de arrependimento ou de aniquilamento.
Digo isto porque o Carnaval tem sido um evento nacional que vem ganhando
contornos cada vez maiores a cada ano, e se tem explorado comercialmente as
festas que em seu nome se realiza. Muitos cometem excessos de todos os gêneros
e pode ser que, ao voltar à vida de trabalho e estudos, se arrependam dos
excessos cometidos e por eles peçam perdão.
Por outro
lado, talvez se deva pensar na quarta de cinzas como sinal de aniquilamento,
vez que, a grande maioria que se esfalfou nos cinco dias, chega à quarta em
frangalhos, feito cinza, porque a energia, a vitalidade e parte da saúde estão
acabadas.
Mas o que
realmente a nação gostaria de ver é uma confissão de pecado e arrependimentos
dos políticos brasileiros, por atos de comissão e de omissão. Gente confessando
que errou, que roubou, que montou esquemas e que viesse à luz, não numa delação
premiada, mas em ato genuíno de arrependimento.
Gostaria de
ver também os que, mesmo não tendo participado ativamente, mas que sabiam dos
atos e nunca fizeram nada para impedi-los. Pecaram pela omissão!
Mas há mais
um aspecto: a delação premiada. Para os que negociaram propinas, contratos,
maracutaias, vantagens, esquemas, reeleições, na Delação Premiada continuam a
fazer seus acordos espúrios: trocam a informação pela propina de uma sentença
mais branda e curta, trocam a cela pela tornozeleira, pagam causídicos que, tal
como os lavadores de dinheiro, somem com os rastros das suas operações.
Advogados especializados em apagar rastros e trazer vantagens para os clientes,
sendo a maior delas a liberdade o mais breve possível para que possam desfrutar
do que amealharam.
A sentença
reduzida é a propina para corruptos que fingem passar por uma cerimônia de
arrependimento vestindo-se de cinzas!
Marcos Inhauser