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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

SONS E BARULHO


Ruídos. O vento faz o seu, o mar ruge, os galhos estalam, os cachorros ladram. Eles vêm de toda a parte. O que os caracteriza é que eles são sons sem sentido aparente, desconexos, sem mensagem. Para ouvidos mais atentos um vento pode sinalizar algo, o estalo de um galho pode prever uma tragédia, um cachorro ladrando pode ser anúncio de algo.
Há os que são harmônicos com os que ocorrem em música sinfônicas, os produzidos por orquestras, órgãos, pianos, violinos. São sons com uma delicadeza ou até mesmo certa ênfase, mas que nos indicam que há muito mais por trás deles. Há uma certa previsibilidade na próxima nota, um encadeamento sonoro quase que lógico. E como se ficássemos esperando a próxima nota e, quando ela vem, enche o vazio que estava à sua espera. Há um sentimento de saciedade quando as notas nos alcançam, como se nossa vida estivesse a depender delas ara renovar nossas foras ou pensamentos.
Mas há um som que é fundamental para todos nós: o som da palavra proferida. A palavra dá uma nova dimensão a tudo. A música, quando cantada, traz a palavra que, aliada à sonoridade e harmonia, nos provoca pensamentos. Ela é o traço distintivo que faz com que os seres humanos se relacionem, se amem, se odeiem, construam castelos e façam guerras. A palavra faz o ser humano ser qualitativamente diferente de tudo.
Nada é mais poderosa no mundo dos sons que a palavra. Nada é mais efêmero que a palavra. Ela tem curtíssima duração: dura o tempo de ser enunciada. Ela tem o vigor do instantâneo. Ela morre assim que é pronunciada. E mesmo assim é poderosíssima! Ela declara amores e pede favores. Ela declara ódios e tira dos pódios quem se arvora ser grande. Ela entra pelo ouvido e dá um trabalho imenso aos neurônios, porque semeia sonhos, planos, imaginações. Ela fomenta sentimentos de raiva, ódio, de vingança. Ela reconstrói pontes. Ela pede e declara o perdão.
Sem a apalavra o ser humano seria um “quase zero à esquerda”. Estudos antropológicos tentam reconstruir os caminhos e descaminhos para que o ser humano criasse uma forma avançada de comunicação, onde conceitos e sentimentos pudessem ser expressados. Como seriam os mais primitivos que só conseguiam falar uma meia dúzia de palavras e todas elas relacionadas a coisas concretas: chuva, água, fogo, comer, beber? Parece que um indicativo disto pode se ter no hebraico bíblico, bastante pobre em palavras e conceitos O recurso utilizado foi o uso das metáforas.
Línguas mais completas e onde se produziu boa parte da filosofia, são línguas ricas em palavras e com flexibilidade para construir novos vocábulos, como é o grego, o alemão e o francês. O português também tem sua riqueza, mas peca por certa inflexibilidade. Daí porque, me parece na minha laicidade, que usa palavrões, expressões regionais, caipirismos, onde há maior flexibilidade, para dizer o que as palavras não alcançam.
Palavra não é som emitido pelo ser humano. É o espírito humano que sai como sopro sonoro, é o vento que Deus soprou nas nossas narinas para que, aos expirá-lo, criássemos mundos. A palavra é muito mais do que aquilo que se fala e aquilo que se ouve. É algo divino entre os humanos. Por isto, Jesus nos alertou que seremos cobrados por toda palavra tola saída de nossa boca. Fala é o uso de um recurso divino em nós. Com ela somos co-criadores com Deus.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

CAPITAL RELACIONAL


Há certo modismo em falar sobre o futuro das profissões, apontando para as que mais não existirão em pouco tempo. Entre elas são citadas todas as que fazem trabalho repetitivo: cartórarios, advogados, bancários, operadores de máquinas, etc.
Nesta esteira há estudos que apontam as habilidades profissionais que serão valorizadas: controle emocional, capacidade relacional e habilidade comunicacional. Privilegiar-se-á a capacidade de trabalhar em equipe multidisciplinar, com características inclusivas, onde o diálogo entre as diferenças e a busca do consenso será o objetivo.
A tomar-se estes dois elementos como norteadores (desaparecimento de profissões e ênfase em habilidades antes não tanto valorizadas), preocupa-me o futuro de muita gente, especialmente das gerações dos caras-pintadas, globalizados e colaborativos (tomo por empréstimo terminologia do Volney Faustini). Para eles, o tipo de relacionamento preferencial é o das redes sociais, onde o contato face-a-face é trocado pelo virtual, o diálogo é substituído pela discussão, o consenso pelo acirramento das posições pessoais. É um tempo em que as pessoas se medem pelos likes que recebe, onde o chamar a atenção, gerar comentários e ter seguidores é mais importante que ser ético. Um mundo onde o vocabulário é exíguo, as frases são clichês, a profundidade dos conceitos tem a profundidade de uma capa asfáltica feita por construtora da lava-jato.
A informação é feita pelos titulares das notícias e não pela leitura do conteúdo. O jornalismo sério é trocado pelas “notícias do Face, Instagram e Twiter”, a verdade é o que pensa e acredita. Os jornalismos opinativo e investigativo, as matérias de fundo, com substância e conceituais são desvalorizadas e ridicularizadas. Os conceitos cabem nos memes com frases feitas e de conteúdo questionável. Só leem o que cabe nos 140 caracteres do Twiter. Mais que isto dá nó nos neurônios! Quando veem alguém lendo um livro de 300 páginas, assustados, perguntam se vai ler tudo! Para prender a atenção deles por mais de 10 minutos o orador tem que usar palavras de baixo calão.
Porque não leem, não desenvolvem o vocabulário, não conhecem conceitos, não sabem se expressar, a fala deles é um interminável repetir de “tipo assim”, “veja bem”, “na verdade”, “mano”, ”realmente”, e quejandas. Não é para menos que, no recente exame do Enem, a redação tenha sido o bicho-papão. Ela exige mais que 140 caracteres!
Palavras menos comuns como consonância, sincronia, distonia, entropia, beneplácito são grego para eles (cito exemplos de coisas que já experienciei). Porque o vocabulário é curto, não conseguem acompanhar o raciocínio mais elaborado. Na terceira frase mais elaborada já se perderam e não há GPS para achar o caminho da rota a ser seguida. Eles não têm cabine pressurizada: se levantar o voo, têm dor de cabeça e falta de ar. A função da comunicação oral passou a ser digital: é melhor escrever que falar! Ao escrever não demonstram conhecimento de pontuação e escrevem à maneira antiga: scripto continua.
Para estas gerações, quem concorda é amigo. Quem discorda, ainda que seja de uma vírgula, é inimigo. Cria-se a atmosfera de beligerância. Equipe é o grupo de trabalho de gente que concorda com o que pensa. Qualquer dissonância é disruptiva e a equipe vai para o brejo. Mais vale o que pensa e crê que o que se pode fazer em conjunto. A equipe passa a ser “eu mais eu”. Isto redunda no muito falar e no pouco produzir. Talvez isto explique a alta rotatividade destas gerações em seus trabalhos, com níveis de permanência média de dois anos.
Parece que quem quiser se dá bem no futuro terá que se desconectar das redes e se conectar nas bibliotecas; terá que consultar dicionários mais que Instagram; terá que aumentar o vocabulário e praticar o diálogo; terá que perceber e concluir que há gente que pensa diferente e que é tão ou mais capacitada; terá que trocar o virtual pelo real; terá que aumentar o seu capital relacional. Mais vale 10 amigos reais que milhares virtuais!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de maio de 2018

CONVENCER E “COM+VENCER”


Estava eu dando um curso para uma empresa. Ali estava a equipe de vendas e eu, não sendo um vendedor, estava mostrando algumas características da comunicação. A certa altura entrei no estudo da etimologia e significado corrente da palavra “convencer”. Dizia eu que a palavra, strictu sensu, significa “com+vencer” ou “vencer com”, implicando, desde o ponto de vista meramente etimológico, duas ou mais pessoas vencendo uma batalha ou uma disputa.
Em seguida mencionei que este sentido, ainda que próprio e afeito à origem da palavra, não era empregado no dia-a-dia. Comecei mostrando que, quando se “convence alguém”, se “vence este alguém”. Se há um vitorioso (o que venceu), há um derrotado (o que foi vencido).
Ampliando o conceito, dizia que o “com+vencimento” é a vitória pela qualidade dos argumentos que se mostraram superiores aos argumentos do outro. O que “convence” cala o oponente por ser mais hábil na argumentação. Se se trabalha com convencimento, o que se tem é gente derrotada à volta. Elas buscarão formas e meios para provar que os argumentos que a derrotaram, eram falhos ou equivocados. Farão de tudo para mostrar isto. Quem “com+vence” cria inimigos.
A esta altura, um dos participantes pediu a palavra e disse que havia feito um curso com o Doutor Bambam, PhD em Comunicação e Semiótica, e que ele havia ensinado que o que se deve fazer é convencer, usando argumentos fortes e irrefutáveis. Era a palavra do Dr. Bamban contra a minha. Se eu tentasse provar que eu não aceitava isto porque acredito errado, estaria tentando convencer o meu interlocutor. Fiquei em uma saia justa. Para sorte minha era horário de almoço e eu disse: voltamos ao assunto quando na parte da tarde.
Saí dali com a cabeça fervendo. Não sabia como sair da enroscada.
Ao voltar do almoço, ainda não sabia como sair do beco sem saída. Nesta hora me lembrei de uma palavra de Jesus: “vos entregarão aos tribunais e às sinagogas; sereis açoitados, e vos farão comparecer à presença de governadores e reis ...  Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo.” Tirei o texto do contexto e apliquei àquela situação (Deus que me perdoe por este pecado hermenêutico!).
Assim que recomecei eu perguntei ao que me questionava: Você já ouviu a expressão que os 11 jogadores de futebol convenceram o time contra o qual jogaram? O sujeito pensou e meio acabrunhado disse que não. Ninguém no grupo havia ouvido a frase. Perguntei mais: Vocês já ouviram a frase que o time tal venceu, mas não convenceu? Todos haviam ouvido, inclusive o que me questionava. Perguntei o que a frase queria dizer. Houve quase unanimidade (um só silêncio, previsível): quer dizer que ganharam o jogo, mas que a qualidade do futebol apresentado não foi a melhor. Venceram o jogo, mas não convenceram.
Pelo exposto, entendo que há gente que pode ser “com+vencida”, mas não ficar convencida. Daí porque, entendo, antes de se atirar à inglória tarefa de derrotar o outro pela qualidade dos argumentos, deve-se preferir a persuasão (fica para outra oportunidade o tema), que é a arte de seduzir o outro para apoiar o que se propõe.
Espero ter “com+vencido” com meus argumentos e que você esteja concencido da validade deles... Se isto acontecer, serei um sujeito convencido de minhas habilidades...
Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de julho de 2017

COMUNICAÇÃO CANSATIVA


Ouvi hoje a entrevista do ex-jogador são-paulino que volta ao time, o Hernanes. Em quinze segundos de fala ele repetiu três vezes o advérbio “realmente”. Irritante!

Cada vez que ouço alguém falando e usa um dos cacoetes (serão mesmo cacoetes?) como “realmente”, “na verdade”, “neste momento”, “ entendeu?”, “né” passo a contar quantas vezes a pessoa vai repetir o irritante cacoete. Tem gente que diz que sofro de Transtorno Obsessivo Compulsivo, mas acho que é implicância com coisas que só fazem irritar.

Dou alguns exemplos: um repórter da CBN Campinas, quando do acidente com o barco na Lagoa do Taquaral e que lá estava para reportar o que estavam fazendo, falou em sua intervenção (que durou uns dois minutos) mais de quinze vezes a expressão “neste momento”. Uma repórter da mesma rádio, em uma fala de 30 segundos mais ou menos, repetiu o “realmente” sete vezes. Uma psicóloga dando uma entrevista na televisão, repetiu nada menos que 28 vezes o “realmente”.

Quando uma pessoa começa a frase com o “na verdade” eu me ponho na defensiva: ele quer me convencer de que está falando a verdade e que o que ele fala não pode ser questionado. Se ele começa com “na verdade” como posso duvidar do que diz? Como posso questionar? A melhor atitude para os que usam o “na verdade” é ficar quieto e engolir o que falam, mesmo que seja asneira. Digo isto porque já tentei questionar e me dei mal e quase perco um amigo.

Dependendo do que a pessoa fala, o “neste momento” é desnecessário. A descrição feita pelo repórter era feita em cima dos fatos e dizer “neste momento” era redundante. Só podia ser naquele momento. E pela redundância e pela repetição tornou-se cansativo. Já ouvi muitas vezes em igrejas esta expressão: “neste momento” vamos ter uma oração ... Desnecessário!

Mas o que me irrita e me coloca na defensiva é a repetição do “entendeu”. Para mim, o que a pessoa está me comunicando é que o que ela está dizendo é tão complicado ou profundo que ela precisa se certificar de que estou entendendo a sua colocação. No fundo, é uma forma de me depreciar. Se você disser para sacanear: “não, não estou entendendo” a pessoa se perde na sua fala ou, o que é pior, vai tentar explicar o óbvio que está dizendo. Mesmo porque, todas as vezes que vi alguém empregando com insistência o “entendeu” não estava dizendo nada mais que obviedades.

Acho que esta minha implicância e o contar as vezes que as coisas se repetem se deve a uma experiência da juventude. Tive um professor de química que abusava do “né”. Os alunos faziam um bingo para ver quem mais próximo chegava da quantidade de “né” que ele proferia em uma hora de aula. Três estavam encarregados de contar e se tirava a média das contagens porque a gente às vezes perdia um ou outro. Quem mais próximo chegasse do número aferido, ganhava a bolada das apostas feitas. A média era de 250 por hora!

Para mim o “né” é manipulador: é uma contração do “não e?” e o uso dele implica em me fazer concordar com o que a pessoa está falando, sem ter chances de questionar.

Na verdade, realmente fui chato neste momento, né? Perdão!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O EU E O TU

Todos somos o produto da relação de um “eu” e um “tu”.
Cada um de nós aprendemos a ser gente na relação mínima com dois “tus”: pai e mãe. Todos somos frutos de uma relação de diálogo, de sentimentos, de emoções, de corpos que se relacionavam com corpos que nos fizeram. Daí porque a base da nossa vida é o fato de que há um homem e uma mulher que se relacionaram e como fruto disso nasceu alguém.
Não há ninguém nesse mundo, com exceção de Adão, Eva, Jesus Cristo e os inseminados, que não seja fruto desta relação. Não dá para pensar no ser humano como uma ilha, isolado dos outros, da sociedade, do contexto em que vive.
Para que possamos nos conhecer mais profundamente, é necessário que conheçamos as relações que mantemos com as outras pessoas que formam o nosso sistema relacional. Em outras palavras, o “eu” é conhecido na medida em que se conhece os “tus” com os quais este “eu” se relaciona.
O namoro é um “eu” que se relaciona com um “tu” procurando conhecer os “tus” do outro “tu”. Quando alguém começa a conversar com uma outra pessoa, quer saber quem é. Como se faz isto? Perguntando.
Cada vez que encontramos alguém e entabulamos uma conversar, procuramos explorar, conhecer as relações que esta pessoa tem, o que ela faz, com quem trabalha, o que estudou, o que gosta ou não de fazer. É o desejo de conhecer as relações que tem, de conhecer o sistema onde está inserida.
Quando alguém sai à procura de outra pessoa para namorar, existe na sua cabeça, inconscientemente, um cheiro (não tenho outro jeito de dizer), que ela vai se sentir atraída por quem que tem mais ou menos o mesmo modelo de relação familiar. Isso é mais do que lógico e normal. Se você vai constituir uma família, que família você conhece para servir de modelo? Se você foi acostumado a dormir em colchão de mola, na primeira noite que você dormir em um colchão de espuma vai se sentir mal, pois você está fora do seu ninho. Você vai buscar alguém para casar-se que tenha um “ninho” mais ou menos igual ao seu.
Isto é tão inconsciente, tão simbólico, tão invisível que não dá para explicar. Por exemplo: bati o olho em alguém, gostei e pergunto alguma coisa. A maneira como me responde, o tom de voz se foi mais ou menos parecido ao tom que estou acostumado a ouvir, entro em sintonia com a pessoa e vou procurando saber mais sobre ela.
No fundo, no fundo, buscamos pessoas segundo o comichão dos nossos ouvidos, parecidas a nós, para nos entender e apoiar. É dose ficar ao lado de alguém que é tão diferente que é um estranho no nosso ninho.