Ruídos. O vento faz o seu, o mar ruge, os galhos estalam, os
cachorros ladram. Eles vêm de toda a parte. O que os caracteriza é que eles são
sons sem sentido aparente, desconexos, sem mensagem. Para ouvidos mais atentos
um vento pode sinalizar algo, o estalo de um galho pode prever uma tragédia, um
cachorro ladrando pode ser anúncio de algo.
Há os que são harmônicos com os que ocorrem em música
sinfônicas, os produzidos por orquestras, órgãos, pianos, violinos. São sons
com uma delicadeza ou até mesmo certa ênfase, mas que nos indicam que há muito
mais por trás deles. Há uma certa previsibilidade na próxima nota, um
encadeamento sonoro quase que lógico. E como se ficássemos esperando a próxima
nota e, quando ela vem, enche o vazio que estava à sua espera. Há um sentimento
de saciedade quando as notas nos alcançam, como se nossa vida estivesse a
depender delas ara renovar nossas foras ou pensamentos.
Mas há um som que é fundamental para todos nós: o som da
palavra proferida. A palavra dá uma nova dimensão a tudo. A música, quando
cantada, traz a palavra que, aliada à sonoridade e harmonia, nos provoca
pensamentos. Ela é o traço distintivo que faz com que os seres humanos se
relacionem, se amem, se odeiem, construam castelos e façam guerras. A palavra
faz o ser humano ser qualitativamente diferente de tudo.
Nada é mais poderosa no mundo dos sons que a palavra. Nada é
mais efêmero que a palavra. Ela tem curtíssima duração: dura o tempo de ser
enunciada. Ela tem o vigor do instantâneo. Ela morre assim que é pronunciada. E
mesmo assim é poderosíssima! Ela declara amores e pede favores. Ela declara
ódios e tira dos pódios quem se arvora ser grande. Ela entra pelo ouvido e dá
um trabalho imenso aos neurônios, porque semeia sonhos, planos, imaginações.
Ela fomenta sentimentos de raiva, ódio, de vingança. Ela reconstrói pontes. Ela
pede e declara o perdão.
Sem a apalavra o ser humano seria um “quase zero à
esquerda”. Estudos antropológicos tentam reconstruir os caminhos e descaminhos
para que o ser humano criasse uma forma avançada de comunicação, onde conceitos
e sentimentos pudessem ser expressados. Como seriam os mais primitivos que só
conseguiam falar uma meia dúzia de palavras e todas elas relacionadas a coisas
concretas: chuva, água, fogo, comer, beber? Parece que um indicativo disto pode
se ter no hebraico bíblico, bastante pobre em palavras e conceitos O recurso
utilizado foi o uso das metáforas.
Línguas mais completas e onde se produziu boa parte da
filosofia, são línguas ricas em palavras e com flexibilidade para construir
novos vocábulos, como é o grego, o alemão e o francês. O português também tem
sua riqueza, mas peca por certa inflexibilidade. Daí porque, me parece na minha
laicidade, que usa palavrões, expressões regionais, caipirismos, onde há maior
flexibilidade, para dizer o que as palavras não alcançam.
Palavra não é som emitido pelo ser humano. É o espírito
humano que sai como sopro sonoro, é o vento que Deus soprou nas nossas narinas
para que, aos expirá-lo, criássemos mundos. A palavra é muito mais do que
aquilo que se fala e aquilo que se ouve. É algo divino entre os humanos. Por
isto, Jesus nos alertou que seremos cobrados por toda palavra tola saída de
nossa boca. Fala é o uso de um recurso divino em nós. Com ela somos co-criadores
com Deus.
Marcos Inhauser