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quarta-feira, 28 de abril de 2021

ACENDERAM-SE OS HOLOFOTES

Ontem, às 10:00 da manhã, acenderam-se os holofotes para a visibilidade de narcisistas e pré-candidatos a governador e reeleição para o Senado. A CPI da Pandemia está instalada, depois de vários embates, inclusive jurídicos.

A julgar pelos dois momentos iniciais, tem-se um dilema. Ela pode ser um circo, com todos querendo falar ao mesmo tempo, um monte de pedidos de ordem e questões de mérito, ou ser algo mais disciplinado que foi o que se viu nas primeiras intervenções do presidente Omar Aziz, que, ao que parece, foi firme nas suas primeiras intervenções.

Digo isto porque, a julgar pelo que já aconteceu nestas duas primeiras horas e pelo que aconteceu nesta CPI e outras CPIs e CPMIs, o que mais se busca é o tempo de exposição na TV. Estranha-me também que nesta foi dada a palavra ao Flávio Bolsonaro para que fizesse a sua peroração, quando nem membro dela ele é. Se quem quiser falar lhe será facultada a palavra, o circo vai pegar fogo!

O uso desta máquina pública e a evidência que esta CPI tem, dado o momento vivido pelo Brasil, será oportunidade ímpar para que cada qual e, especialmente os candidatos, busquem seus minutos de glória com as câmeras ligadas. Os dois do Amazonas, um deles pré-candidato ao governo do Amazonas, não deixarão escapara a oportunidade de se cacifar política e eleitoralmente. O mesmo se dará com os demais pretendentes ao cargo de governador.

A questão levantada sobre a natureza da CPI: ela é julgadora ou investigadora? A definição é fundamental para o transcorrer dos trabalhos e para o veredicto final. Em ambos os casos, haverá dano aos investigados, com o julgamento breve ou mais demorado, a depender do Ministério Público que receberá a conclusão das investigações e da Justiça que, ao longo da história tem-se mostrada leniente e modorrenta no trato das questões relacionadas às personalidades públicas.

Há que notar-se que nenhuma CPI teve tantos dados evidentes e públicos para chegar ao seu ponto fulcral. Gravações, vídeos, notícias, declarações, relatórios do Ministério da Saúde e do Consórcio de Jornais e Meios de Comunicação, a quantidade de mortos, a ilogística das vacinas, as asseverações e retratações sobre que quantidade de vacinas, os enfermos levados para outros estados, a crise do oxigênio, os fura-fila, o desvio de verbas pelo superfaturamento ou compra e pagamento adiantado do que nunca chegou e quando chegou não atendia às necessidades médicas, etc.

São tantas as coisas que, se não houver foco, não se esclarecerá nada. A lógica milenar de que investigar tudo é investigar nada pode ser aplicada a esta CPI. A tentativa de fazer com que também investigue governadores e prefeitos está dentro desta premissa: investiga-se tudo para concluir nada. E nada é o que menos interessa ao povo brasileiro, pois, temos 400.000 mortes que pedem esclarecimentos e justiça.

É papel da CPI fazer justiça? Não! Isto é papel do judiciário. Mas ela tem o dever de trazer à tona os dados claros e inequívocos para que o judiciário faça a sua parte, dia a quem doer, ainda que nesta Brasil, a regra áurea de que “somos todos iguais perante lei” me faz recordar a frase célebre de Orwell em sua obra “Revolução dos Bichos”: todos somos iguais, mas alguns são mais iguais. Recentes decisões me fazem crer que o Orwell está coberto de razões.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 21 de abril de 2021

LENDAS BRASILEIRAS

O Brasil tem várias lendas rurais e urbanas. Aí estão o Saci Pererê, Curupira, Mula sem Cabeça, Lobisomem. Lenda é uma narrativa com forte acento no fantasioso e transmitida oralmente. Combinam a realidade e história com irrealidades, produto da imaginação. A tênue linha demarcatória é, muitas vezes, difícil de ser definida, a depender de quem faz a análise e o seu interesse no enredo e resultado.

Uma das lendas brasileiras é a Constitucional, no artigo 5º.: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade ...” Quem acompanha de perto o judiciário brasileiro e o STF, fica a duvidar de que isto seja verdade. A celeridade com que certas celebridades conseguem chegar ao STF e ter o seu HC julgado, o seu pleito discutido longamente pelo plenário, a sua sentença revisada por filigranas jurídicas (vide o caso Bendine), fica com a impressão de que só chega ao STF quem tem “munu$” para pagar uma banca de advogados. A média de três meses para o julgamento só vale para a massa da população. As “otoridades” conseguem que seu pleito seja julgado em prazo de dias.

Outra lenda é que o pedido de vistas é um procedimento para que o juiz tenha mais tempo para julgar a ação. Percebe-se que é um instrumento protelatório para que a parte interessada tenha mais tempo para acomodar o pleito. Veja o caso do HC que o Lula impetrou e que ficou dois anos na gaveta do Gilmar e que, em função de uma decisão do Fachin, ressuscitou como que por encanto.

Muitas vezes pensei que há juízes que atropelam mínimos requisitos (e o fazem deliberadamente) para que, mais tarde, o julgado possa ser inocentado por erro processual. A esperteza no uso das vírgulas pode ter seu custo e há inúmeros exemplos de juízes, desembargadores e ministros que foram denunciados por “azeitar” o processo.

A terceira lenda é que o Congresso é a casa do povo e, como tal, advoga os interesses da população. Espremo minha memória para encontrar fatos em que, de forma clara, isto foi verdade. O que me vem à mente são votações e decisões que privilegiam as “excelências”. Esta semana fomos agraciados com duas: a que não permite o uso de escuta ambiental por parte da investigação e acusação, mas a habilita para uso da defesa. Ponto para os bandidos. A outra é a aprovação de um orçamento recheado de contabilidade criativa, onde a realidade das verbas parlamentares impera e que se danem a população, a saúde, a educação, a segurança pública.

A terceira lenda é que o presidente tem o poder da caneta. Ele é mais uma marionete atada à cadeira presidencial, fazendo o que interessa o grupo que o apoia. Veja os exemplos dos ministros que foram para a frigideira por conta da “pressão popular”: Moro, Mandeta, Pazuelo, Marcelo Antonio, Decotelli, Araujo e outros. Faça-se constar a capacidade do centrão de manipular decisões, como é o recente caso das verbas destinadas aos deputados, a nomeação da ministra Flávia Arruda por “indicação” do Lira.

A quarta é que o sistema eleitoral brasileiro é democrático, que todos os candidatos estão em igualdade. Mentira! Como competir com a reeleição de vereador, deputado ou senador que têm assessores, verba parlamentar e dinheiro para financiar a campanha? Explica-se assim o baixo índice de renovação do Congresso.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 14 de abril de 2021

DEIXAR FUNDIR O MOTOR

Imagine a seguinte situação: alugo um carro porque quero fazer uma viagem de quatro mil quilômetros. Há todo um regulamento para o uso do veículo e garantias de assistência técnica. Depois de uns setecentos quilômetros, percebo que o carro não era o que eu desejava. Havia contratado um carro com potência e certos confortos e percebo que ele não é lá estas coisas. Mas como tenho que viajar, fui andando com ele, lamentando a distância entre a expectativa e a realidade.

Quando estava lá pelos dois mil quilômetros percebo que o motor estava vazando óleo e o consumo havia aumentado significativamente. Levo o assunto à locadora que culpa o fabricante do carro, o óleo nacional, a gasolina. Pergunto se podia trocar por outro e recebo a resposta que não podia. Pergunto se podia parar em uma oficina para ver o que acontecia e me dizem que só se fosse nas oficinas da própria locadora e a que está mais próxima está a mil quilômetros.

Aciono a ouvidoria da empresa e o assunto vai para a gaveta. Aciono o Procom e este pede que a locadora imediatamente faça um diagnóstico nas condições do carro. Na hora de fazê-lo, sou aconselhado a não mexer agora que estou no meio da viagem e que isto atrapalharia os planos e a imagem da locadora. Pergunto o que faço e ouço a resposta: deixa fundir o motor!

Nesta quarta o STF deve se pronunciar sobre a conveniência ou não de se instalar imediatamente a CPI da Pandemia. Há quem argumente que fazer este diagnóstico para a falta de potência e vazamentos de óleo do motor presidencial e do Ministério da Saúde é complicar o momento que vivemos, que traria estresse ao sistema, que há indevida interferência do Judiciário no Legislativo, que haveria uma crise sistêmica, blá, blá, blá.

O motor do Executivo está perdendo potência a cada quilômetro rodado. Vaza óleo de todo lado e não entrega o que prometeu e contratado foi. Questionado, culpa Deus e todo mundo, mas nunca assume a responsabilidade pelos erros e caos. Prefere se interessar pelo som do carro e não pelo motor que dá sinais de problemas sérios.

Quando se pede para fazer um diagnóstico, vem com a conversa de que seria melhor fazer um checkup completo, ou ele, na marra, manda fazer uma retífica no motor. Tentou dar uma ajeitada na coisa, trocou umas peças, tirou umas daqui e colocou ali, chamou algumas novas, todas do seu bairro, e a coisa não rende, não anda.

Aguardemos a resposta oficial para o problema: ou se faz o diagnóstico ou continua rodando e deixa o motor fundir!

Marco Inhauser

quarta-feira, 7 de abril de 2021

QUASE 70% NOS SEUS 70

Eu a vi pela primeira vez quando ela foi à frente em um culto para participar de um trio feminino. Perguntei à minha mãe quem era a moça do meio: “uma moça que quero que você a conheça”. Naquela hora, abaixei a cabeça e agradeci a Deus a esposa que Ele estava me dando. Foi em dezembro de 1972. Esta convicção nunca mais saiu de mim.

No Natal de 1973, nós nos casamos. Lá se vão mais de 47 anos. Quase 70% da nossa vida vivemos juntos. Muitas coisas em comum nos fazem grudar um no outro, ao ponto de um dia uma pessoa dizer que somos como cangurus: sempre um levando o outro na bolsa. Não há uma música que eu ou ela goste e que o outro também não. Na comida, temos gostos comuns, ainda que eu coma algumas coisas que ela detesta (camarão, bacalhau, ceviche) e outras que ela come e eu não (abobrinha, chuchu, rabada, canja).

Nunca ela usou uma roupa que eu tivesse que fazer algum reparo, ainda que, muitas vezes, tive que trocar a minha porque ela disse que não combinava. Nunca a vi sem estar acima da média em termos de roupa, cabelo e elegância. Ela é uma referência no vestir-se, arrumar-se e tem sua identidade até no perfume que usa.

Companheira de ministério, é mais pastora que eu. Ela tem carisma e energia, sabe ser agregadora, sabe aconselhar, tanto que há mais de 30 anos trabalha com terapia familiar e o faz brilhantemente. Sou meio tímido, ela é extrovertida. Onde chega sabem que ela chegou e já vai fazendo amizades. Tem um dom sobrenatural de “arrancar” coisas das pessoas e, em poucos minutos, já sabe da vida e dos problemas delas. Quando damos palestras ou cursos, é “alugada” por gente que quer conversar com ela.

Nossa vida foi marcada por algumas coisas. Viajamos muito. Chegamos a viajar 24 horas seguidas. Passamos inúmeras noites em viagem (prefiro viajar a noite por uma série de razões). Escutamos horas a fio, nas viagens, músicas que gostamos. No tempo das fitas K7 tínhamos uma caixa com umas 40. No tempo dos CDs era uma pasta com uns 150. Com o advento do Ipod e dos Pendrives, temos mais de 18.000 músicas que escutamos com prazer único. Somos movidos à música.

Boa parte da vida passamos dando risada, ora porque soubemos ver graça em eventos cotidianos, ora porque cutucávamos um ao outro. Ela tem riso mais fácil que eu, mas juntos já choramos de tanto rir.

Ambos temos um lema: ser instrumento de paz e benção para o outro e para os outros. Nossa casa sempre foi aberta e hospitaleira (ela herdou isto da mãe dela). Na minha família não havia festa de aniversário. Não me lembro de nenhuma na minha infância. Quem trouxe isto foi ela. E era festa de Natal, de Páscoa, de Ano Novo. Ela arregimentava a família e nos reuníamos.

Ela me perdoou muito mais vezes que as que eu pedi perdão (segundo ela foram poucas as vezes que eu fiz isto – ela tem memória fraca...kkk). Errei com ela muito mais vezes que ela errou comigo. Nem por isto estamos sem fazer a conciliação de créditos e débitos, porque a generosidade dela sempre foi abundante.

Nos seus 70 anos, completado hoje, ela tem uma multidão de gente que aprendeu algo com ela, que foi ajudado, que foi aconselhado, casamentos salvos ou refeitos. Ela foi e é uma benção. Muita mais na minha vida.

Obrigado Deus por ter-me dado esta graça concreta para viver comigo nestes anos todos!

quarta-feira, 31 de março de 2021

Páscoa, lições da páscoa, serviço, isolamento, medo

O mundo cristão ocidental celebra a Semana Santa, quando faz recordação dos eventos últimos da vida de Jesus, sua morte e ressurreição. Há nos eventos uma velocidade porque, no domingo de Ramos, ele entra em Jerusalém aclamado como rei. Dias depois ele está celebrando a Páscoa com seus discípulos, logo em seguida vai ao Getsêmani e ali sofre todo os sofrimentos ao ponto de suar sangue. Na mesma noite de sexta é preso por causa da traição de um dos seus. É apresentado a Pilatos e Herodes. Os mesmos que o aclamaram estavam agora a pedir sua crucificação.

Da glória à extrema humilhação em poucos dias. Paradigma da vida humana, pois também já tivemos experiências de sair de uma situação de conforto e nos vermos atirados à sarjeta. Muitas lições já foram tiradas destes eventos e trazer alguma novidade sobre ele é tarefa inglória. No entanto quero ressaltar alguns aspectos desta trajetória do Mestre nestes seus momentos derradeiros.

A primeiro é que ele foi traído por um deles. O traidor tinha recebido um voto de confiança do grupo e foi nomeado o tesoureiro. O texto joanino afirma que “era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava” Jo 12:6). A experiência de ser trapaceado por um amigo próximo ou parente é algo tão antigo quanto comum na história. Como diz o ditado “de onde menos se espera é que vem a decepção. Traição só existe quando há entre os traídos e o traidor algum nível de relacionamento e confiança. Levar a rasteira de um amigo ou irmão é algo muito dolorido.

O segundo evento é o da mulher que ungiu os pés de Jesus com o vaso de perfume. Ela quebrou o frasco para ungir os pés do Senhor. Ela se colocou de joelhos à frente do Mestre para servi-lo, símbolo de quebrantamento, de contrição, de serviço e estes elementos são essenciais na vida cristã. Precisamos nos colocar aos pés do Mestre para sermos quebrantados, permitindo exalar o bom perfume de Cristo. É nos despojar-se de coisas em favor do outros, até mesmo as mais valiosas, que mostramos o amor concreto. E quando amamos o irmão ou irmã na concretude de suas necessidades, amamos ao próximo e a Deus. Assim ensina a primeira epístola de João.

O terceiro evento está relacionado à deturpação que havia sido cometida no Templo, onde os mais variados tipos de comércio se davam, cambistas exploravam e sacerdotes vendiam bençãos. Os tempos são outros e a coisa permanece. Templos atuais estão mais para shopping centers da fé, onde “agraciados com o dom de Deus”, vendem benção, cobram por exorcismo fantasiosos, ensinam barbaridades. São Templos ao deus prosperidade. Virou “show da fé”. E estes mercadores da palavra se arvoram em porta-vozes da Igreja e fazem as bajulações para que suas dívidas fiscais sejam perdoadas, como realmente foram.

O quarto evento se refere à atitude dos apóstolos logo depois da crucificação. Por medo, se isolaram e se trancaram dentro de casa. No que pese este comportamento, o Mestre foi até eles e os encontrou e soprou sobre eles o Espírito e disse: “Paz seja convosco”. Estamos em tempos de reclusão, de medo, de isolamento, mas mesmo nestes momentos recebemos a mensagem: “paz seja convosco”. Era o ressurreto. Precisamos de ressurreições nestes tempos que vivemos.

Mais do que nunca ansiamos por esta paz (o sentido de paz no hebraico também é saúde). Queremos a paz de Cristo e não o caos que o Pilatos moderno impõe sobre a população.

Marcos Inhauser

 

 

quarta-feira, 24 de março de 2021

O MAIOR COVEIRO DA HISTÓRIA

Tenho para comigo esta pergunta de forma constante. Lendo e pesquisando livros de história, soube de alguns déspotas que se notabilizaram pela crueldade com que trataram os adversários e inimigos. Muitos fatos históricos não são tão precisos quanto gostaríamos de que fossem. Por exemplo, fala-se de 50 a 100 milhões de mortes com a gripe espanhola. Se considerarmos que ela ocorreu no início do século 20, a imprecisão nos leva a questionar os números de outros massacres perpetrados. Há dois lados na história: a do vencedor que inflou os números para mostrar que era mais cruel e poderoso do que na realidade foi e as dos perdedores que também inflam para execrar o genocida.

Em conversa com chineses sabe-se do massacre perpetrado em Nanjim pelos japoneses, também conhecido como “estupro de Nanjim” que foi o assassinato e estupros cometidos por tropas do Império do Japão durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa. Ele ocorreu durante seis semanas em dezembro de 1937. Dezenas de milhares, se não centenas de milhares de civis chineses e combatentes desarmados foram mortos. Perceba-se outra vez, a imprecisão dos dados.

O mesmo ocorre com a Alemanha nazista. Fala-se em 6 milhões de judeus mortos. O número redondo me mostra que também é impreciso e pode ter sido mais ou menos. Acredito que pode ter sido inflado como para caracterizar o papel de vítimas.

Já assisti a alguns filmes e documentários que tentam reconstruir os fatos históricos. Mais recentemente assisti Operação Final, sobre Eichman, figura poderosa no entorno de Hitler e que fugiu para a Argentina, onde vivia como pacato cidadão, trabalhador em uma empresa alemã. Também vi o filme sobre o médico Mengele e como foi descoberto.

Há na história grande genocidas. Alguns deles: Hitler, Mussolini, Napoleão, Stálin, Pinochet, Saddam Hussein, Idi Amin Dadá, Mao Tse Tung, entre muitos outros. Percebe-se que uma pessoa pode entrar para a história pelos atos positivos que o caracterizaram (Mandela, Churchil, Eisenhower, Lincoln etc.) ou como exemplos a não serem seguidos.

O que me preocupa é que tem gente que, mesmo sabendo quem foram, ainda os venera. É o caso mais explícito dos neonazistas que endeusam o Führer e querem estabelecer governos que retomem as práticas nazistas. Há quem venere o Pinochet e quem queira o retorno da ditadura militar no Brasil. Parece que não aprendem com a história. E quem despreza a história só pode construir barbaridades, porque não aprende lições fundamentais para a vida em sociedade.

Quando vejo estas histórias de mortandade eu me pergunto: quem foi o coveiro destas vítimas? Olhando filmes e documentários onde valas eram abertas, os prisioneiros, inimigos e dissidentes eram colocados dentro e fuzilados, nada se fala sobre quem foram os que jogaram a terra e sepultaram os mortos. Coveiro não entra para a história. Ele é pária, faz o papel menos reconhecido na história: torna invisível as atrocidades cometidas, porque, com seu trabalho, encobre os massacres. O coveiro é um parceiro dos genocidas? Em certa medida sim. Por outro lado, tal como Eichman e os militares argentinos, vão se justificar com a “obediência devida”. Não tinham poder para desobedecer. Se o fizessem seriam sepultaram por outros coveiros obedientes.

Nunca vi alguém se gabar de ter enterrado número significativo de mortos. O que vi foram coveiros lamentando de ter que trabalhar tanto, como é o caso dos que sepultaram corpos em Manaus.

Em tempos fúnebres, uma reflexão sobre coveiros!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 17 de março de 2021

LINGUAGEM E IDENTIDADE

Vi, hoje de manhã, notícia dando conta de um programa desenvolvido pela USP-São Carlos, que “faz correções na redação e dá notas” muito próximas às do ENEM. Lembrei-me que, em 1992, quando vivia nos Estados Unidos e devia escrever minha tese para o mestrado, comprei o Gramatik, que se propunha a me ajudar no inglês, especialmente preocupado que estava com as questões das preposições. Ele me ajudou parcialmente, pois o sistema ainda era precário.

Mais tarde, passei a utilizar alguns outros recursos e, quando tenho que escrever em inglês, utilizo outro programa, que tem me alertado para uma dimensão que não havia me preocupado. Ele refaz minhas frases, inverte a ordem das minhas palavras, para me ajudar a ser mais natural, profissional ou técnico na escrita. Comecei a perceber que o que saia não era eu. Era outro ser dizendo o que eu gostaria de dizer. Mais: comecei a me perguntar se o que “escrevo” ao final destas “correções” não é o estilo médio de todo o mundo e minha identidade se perde?

Jaques Ellul em seu livro A Palavra Humilhada, já alertava para esta dimensão da mesmerização da linguagem. Passei a falar a linguagem que não expressa os meus sentimentos, emoções, minha versão da história. É um discurso escorreito na construção, mas sem identidade. Comecei a me preocupar: estava perdendo minha identidade. Ellul chama a atenção que a TV, ao eliminar o texto escrito, faz perder o rigor das palavras. A profusão das imagens como que assassina o polissêmico das palavras proferidas pelo personagem/autor das histórias.

Ao ser colunista, tenho que expressar o que penso, sinto, entendo, critico e valorizo. Isto deve ter minha identidade. Não posso escrever o que esperam que eu escreva ou que gostariam que escrevesse. Nas reações que recebo ao que escrevi, vejo uma certa simetria nos comentários, especialmente os que me criticam, como se o que dissessem são fruto de uma mesma fonte, sem o toque da individualidade criativa.

Preocupado com isto e, diante de algumas mortes de pessoas de meu círculo de relações, chamou-me a atenção para as mensagens de condolências postadas. Uma profusão de jargões religiosos, repetição do óbvio, coisa sem identidade, sem sentimento explícito. “O discurso religioso só adquire vida quando serve de apoio e de lançamento de uma palavra pronunciada, anunciada, proclamada, atual, viva, porque saída agora das páginas de um livro para voar em direção a um ouvinte” (Ellul, pg 48)

Há outra dimensão. O discurso de todo poder totalitário é justamente silenciar a novidade da linguagem. Ele utiliza a linguagem de baixo nível para se comunicar com quem tem visão reduzida de mundo. Como disse o Wittgenstein: "os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo". Onde a linguagem é obrigada a silenciar, aí encontramos a humanidade diminuída, humilhada. A censura é um estupro comunicacional. O “cala-a-boca” é um ato de assassinato do outro pela imposição do silêncio que o priva da fala identitária.

Estudando a história da Igreja para dar um curso sobre os Pré-reformadores e Reforma, percebi que a palavra na Idade Média é uma fala mecânica, repetitiva, sem nexo com a realidade da vida. A linguagem da Reforma era mais cheia de vida, com densidade emocional e que respondia às angústias dos ouvintes. Não é para menos que Lutero tenha dito, diante da repercussão de suas teses, que os anjos se encarregaram de proclamá-las.

A palavra vai sendo humilhada nas postagens das redes sociais. O Ellul não viveu para ver esta fábrica de mesmices. Se tivesse vivido, teria morrido de infarto.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 10 de março de 2021

LEMBRADO PARA SEMPRE

Uma das necessidades intrínsecas do ser humano é a da realização. Todos precisamos fazer algo para dizer que fomos nós que o fizemos. Em certa medida, somos avaliados pelo que fazemos, mais do que somos ou temos. A crise da meia-idade no homem fica mais acentuada se, ao olhar para trás, ele não fez nada do que possa orgulhar-se.

Esta necessidade é irmã gêmea de outra, a do reconhecimento. Precisamos ser reconhecidos como pessoas que somos, atuantes e fazedoras. Se alguém faz algo sem que ninguém note o que ele está fazendo, deixará de fazê-lo depois de um tempo, salva se for um louco totalmente desligado da realidade. O trabalhado invisível é um mito. Todos, sem exceção (pelo menos na minha ótica) precisamos de alguém que saiba do que fazemos. Isto leva a uma regra do trabalho: toda pessoa que faz qualquer coisa sem ter que reportar a alguém, ou deixará de fazê-lo ou nunca o fará com excelência.

Todos sonhamos em fazer algo que nos perpetue na memória dos outros. Com facilidade incrível dizemos que isto ou aquilo é um “marco histórico”, “algo que vai entrar para a história”, porque necessitamos crer que nossos atos serão lembrados ad eternum.

Estas considerações servem para introduzir minhas reflexões sobre a história da teologia e o seu processo (e)(in)volutivo.

Este processo de pensar o como a teologia foi feita e como ela se consolidou vem tomando minha atenção há muitos anos. Se me lembro bem, ainda estudante de teologia, fiz um curso de teologia patrística, tentando entender como os pais da igreja pensavam a sua fé. Lembro-me que fiquei estupefato ao ler o “Pastor de Hermas” e a “Didaque” e perceber como havia nestes escritos uma grande ênfase nas obras como asseguradora da salvação. Mais do que isto, percebia, ainda que não sei se corretamente, como certas colocações cheiravam à necessidade das obras para a própria salvação.

Desta preocupação nasceu o desejo de ler tudo quanto me foi possível sobre o período patrístico e notadamente sobre as perseguições aos cristãos. Chamou-me a atenção as “Atas dos mártires de Lião”, notadamente a descrição da morte de Blandina. Também a carta enviada por Policarpo aos crentes de Roma, pedindo que não impedissem o seu martírio, porque cria-se que a morte sacrificial por causa do testemunho da fé cristã era forma infalível de garantir a salvação. Mais que tudo, queriam ser lembrados como mártires, e o são.

Recordo que eu me perguntava como o ensino da graça do evangelho de Jesus pode, em tão pouco tempo ser desvirtuado para uma salvação sinérgica, onde trabalho humano e graça divina atuam conjuntamente para a eficácia.

Este processo de desvio se acentuou com as reflexões agostinianas que, ainda que calcada na graça irresistível de Deus, acentuou a obra humana não para a salvação, mas para a santificação. Sou salvo pela graça e isto me capacita para viver atuando de forma a ter uma vida santa. Isto fica evidente no seu livro Confissões, onde o tema do pecado sexual é levado ao paroxismo.

Trago isto à baila porque vejo a quantidade de gente buscando holofotes, querendo ser visto, conhecido e reconhecido, mas que nada vão deixam de se significativo. Não souberam ser benção na vida dos outros, não construíram algo que fosse além de suas vidas. Passaram pela vida em brancas nuvens, a ninguém abençoaram, e deles se esqueceu.

Marcos Inhauser

 

quarta-feira, 3 de março de 2021

OS IDIOTAS ESTÃO PERDENDO A MODÉSTIA

A frase não é minha. É de Nelson Rodrigues, um profeta não templário que o Brasil já teve.

Lembrei-me dele e sua genial frase ao ler alguns comentários postados em blogs de jornalismo de opinião, onde proliferam coisas loucas, com crassos erros de grafia, concordâncias verbal e pronominal, de conjugação verbal (especialmente quando se trata do subjuntivo). Não é necessário dizer que a lógica também é assassinada na grande maioria dos comentários.

Alguém já disse (e não consigo me lembrar quem foi) que as redes sociais abriram os bueiros sociais para que os ratos e baratas saíssem à luz do dia. A proliferação da população opinativa cresceu a taxas geométricas.

Com onze anos idade passei a trabalhar em um jornal. Na adolescência lia três a quatro jornais por dia (e quando do digo “lia” era porque eu lia mesmo). Uma das seções preferidas era a de cartas ao leitor, onde eu via a palavra discordante, o raciocínio bem embasado de pessoas que se preocupavam para escrever ao jornal, mesmo não tendo a certeza de que sua carta seria publicada. Havia até quem reclamava que nunca teve uma carta sua publicada. Sabia disto porque estava dentro da redação.

Naqueles tempos, a opinião era enviada por carta selada e postada, com nome, RG e endereço do missivista. Sem isto, não eram nem consideradas. As cartas eram abertas e previamente selecionadas, e depois o editor do espaço se encarregava de fazer a seleção final e decidir pela publicação ou não. Havia, assim, um filtro. Babaquices, críticas amargas ou azedas, textos confusos não eram publicados, por mais que o missivista enviasse outras tantas reclamando. Ele não tinha “nível” para que sua carta fosse publicada.

Havia quem se especializava em redigir para a seção de “cartas ao leitor”. Li, certa feita, que Carlito Maia (pelo que tenho de informação, era filho de Orosimbo Maia) era a pessoa que, no jornalismo brasileiro, mais teve cartas publicadas e era celebrado pelo conteúdo e qualidade do que escrevia.

O advento das mídias sociais escancarou a coisa. O filtro de um editor foi suprimido e o que se tem é uma avalanche de babaquices, obviedades, coisas sem sentido, teorias conspiratórias, apocalipsismos e milenarismos. Tem-se o cúmulo de alguém defender a volta do AI-5 e pedir a liberdade de opinião, pedir a proteção do STF quando o AI-5 limitou a atuação da corte suprema.

O que se teve foi também a multiplicação de canais “informativos”, onde as notícias são tratadas com viés ideológico de direita ou esquerda, e a verdade sendo tratada ao gosto e interesse de cada um. Surgem os noticiosos de direita, de esquerda, mas o jornalismo investigativo, que publica somente o que é comprovado, é tratado como fábrica de mentiras e distorções. Jornais seculares, com ampla história de serviços prestados, são tratados como se lixo fossem e o encerramento deles é pedido em público.

Na minha experiência, os que tem me atacado nas redes sociais, vou ver o site ou o Facebook deles. A quase totalidade não é de geradores de conteúdo, mas repetidores de memes e reportagens sem lastro na realidade ou em investigações sérias.

Mais: são pertencentes a guetos minoritários de quem se julga dona da verdade, com o direito de ofender. Não raras vezes se escondem no anonimato.

Sinal dos tempos.

Marcos Inhauser

 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

OS ADJETIVOS NÃO O ADJETIVARAM



No sábado dia 13 faleceu Aziz Miguel João, um tio que ganhei por ter me casado com sua sobrinha. Eu o conheci há 48 anos e aprendi a admirá-lo porque ele tinha qualidades que eu não tenho e o invejava por isto. Nunca o vi bravo e nunca soube de alguma vez que ele tivesse ficado bravo. Isto não significa que tivesse sangue de barata, antes, pelo contrário, tinha seus valores e princípios e não claudicava em preservá-los e vivenciá-los.

Conheci sua mãe, seus irmãos, irmã, sobrinhos, alguns cunhados, primos. Nunca ouvi de nenhum deles uma palavra que fosse alguma crítica ao Aziz. Uma única pessoa lhe fazia alguma restrição porque lhe pediu dinheiro emprestado e ele disse que não emprestaria. A pessoa achava que ele tinha a obrigação de emprestar. Assim era ele: sabia posicionar-se e as pessoas não o viam bravo, irritado, mas sabiam sua opinião e decisão.

Comerciante, teve negócios em Jales, onde viveu boa parte de sua vida. A primeira etapa da vida ele a viveu em Urupês, tendo se casado com a Hania. Depois do casamento é que se mudou e radicou em Jales. Pessoa conhecida e respeitada na cidade por sua honestidade e comprometimento com os princípios evangélicos, foi membro atuante na Igreja Batista. Fazia dos carros que possuía um ministério, conduzindo gente das periferias para assistir aos cultos. Durante a semana visitava cidades vizinhas para levar pregadores e começar novos trabalhos. Não me lembro de alguma vez tê-lo visto pregando e nunca soube que o fizesse. Gostava, sim, de cantar. Tinha voz forte e afinada. Também se arriscava a tocar alguma coisa no piano e no teclado.

No seu sepultamento, por concessão do poder público e pela notoriedade dele na cidade, permitiu-se que o corpo fosse velado no templo da igreja que ele frequentou durante todo o tempo que viveu em Jales. Lá estive e fui vendo as pessoas que se acercavam e ouvi muita coisa que elas disseram às filhas, esposa, netas, neto. Todos exaltando a vida e qualidade do falecido. Comecei a pensar que, como nunca havia visto antes, ninguém precisava exagerar ou mentir para falar dele. Ele não ficou santo depois que morreu: ele já era um santo em vida. Ele era tudo o que as pessoas falavam dele e todos os adjetivos usados não conseguiam dimensionar o caráter, a natureza, a índole e a benção que ele foi na vida de muita gente.

Ele nunca leu Dietrich Bonhoeffer, o teólogo alemão que afirmava que “a missão do cristão é ser Cristo para o outro”. Mesmo sem ter lido Bonhoeffer ele encarnou como poucos que eu conheço esta máxima missional: ele foi Cristo para todos os que cruzaram seu caminho.

Deus me deu a benção de conhecê-lo e conviver com ele nas muitas vezes que o visitei. Algumas destas vezes cruzamos a praça que havia em frente à sua casa, no centro comercial da cidade. Atravessá-la era um exercício de paciência, pela muitas vezes que era abordado e as pessoas queriam saudá-lo e contar alguma coisa, quase sempre da família, pois ele se interessava pela vida familiar das pessoas que a ele se acercavam.

Já ouvi muitas vezes pregadores e leigos dizerem que viver a vida cristã é difícil, é um fardo, cheio de abnegações. Conviver com o Aziz era perceber que a vida cristã é uma alegria e felicidade para quem a vive na intensidade do amor ao próximo.

Ele era uma pessoa que irradiava alegria e felicidade. Ele “sorria com os olhos”.

Marcos Inhauser