Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021
ILOGICIDADES DA FÉ
Como eram inscritos em alguns grupos de WhatsApp onde compartilhavam coisas relacionadas à fé (tais como memes de versículos bíblicos, mensagens de pregadores famosos, música gospel), uma das filhas avisou nos grupos que a mãe e o pai foram hospitalizados. A coisa começou a ferver com gente dizendo estar orando. Começaram a chover jargões religiosos de cunho motivacional: “Deus está no controle”, “mesmo no vale da morte Ele está conosco”, “tudo podemos em Deus”, “praga nenhuma alcança quem tem fé”, “tudo o que dois ou três concordarem em pedir em Meu Nome, será concedido”, e uma infinidade de outras frases de mesmo sentido: “quem crê tá livre do mal.”
Diariamente, a filha municiava os grupos com informações sobre a saúde dos pais. Repetiam-se os ícones de mão juntas (em sinal de oração), carinhas tristes e outras mais. Os jargões se repetiam.
O quadro de saúde de ambos se deteriorou e a mãe veio a óbito. Nos grupos de WhatsApp proliferaram as mensagens de luto, todas clássicas: “Deus a chamou”, “agora ela está melhor que nós”, “Ela era um anjo aqui na terra e Deus a chamou ao Seu lado”, etc. Nenhuma palavra sobre o fato de que as muitas orações não tenham sido respondidas, nem sobre a falácia dos jargões motivacionais.
O pai continuava internado, UTI, prona, intubação, sedação. A cada dia, a filha postava notícias sobre ele. Os jargões se repetiam. Parece que ninguém se dava conta de que eles não funcionaram com a mãe.
Uns dez dias depois, o pai apresentou quadro de leve melhora e saiu da UTI. Houve celebração: “Deus ouviu nossas preces” era o mais comum. “Vamos orar forte pela saúde dele que Deus vai nos dar a vitória”. No dia ele teve alta, houve uma explosão de “Glórias”, “Aleluias”, “louvado seja Deus”, “nossas orações foram ouvidas” e coisas parecidas.
Uma das participantes escreveu algo mais ou menos assim: “O Fulano é um guerreiro, Deus deu a ele a vitória sobre esta enfermidade. Nós oramos juntos em uma batalha de oração, vencemos e agora celebramos a vitória da fé”.
Ninguém se perguntou: se ele é um guerreiro porque teve alta hospitalar, significa que a esposa era fraca? A fé do marido é maior que a da esposa, por isto ele foi curado e ela morreu? As orações feitas pelo marido foram mais fortes que as que foram feitas pela esposa? Em que medida a oração muda os planos de Deus para a vida de uma pessoa? O pai era mais importante para a saúde emocional dos filhos que a presença da mãe?
Perguntar não é pecado. Se analiso as atitudes da fé neste caso específico não sou herege. Não tenho resposta para as questões que eu mesmo levanto, mas de uma coisa sei: há uma fé enfermiça nos arraiais da religiosidade. Também não quero dizer que a fé mais racional seja mais fé que outra. Entendo e aceito que a fé tem forte componente emocional e certo nível de crença no impossível, o que, pode ser, em alguns casos, sinal de certa irracionalidade. O que critico é a banalização da fé via jargões motivacionais sem sentido, sem prática comprovada e sem análise avaliativa das vezes em que foi empregado e o resultado que produziu.
Como pastor que lida com expressões de fé cotidianamente, muitas vezes me perguntei em que falhava ao ver que muitas das minhas ovelhas eram verdadeiros bonsais: ficam velhas e não cresciam. Pareciam maduras, mas era ingênuas e infantis. Tenho para comigo que o método educacional mais usado nas igrejas, notadamente as denominadas evangélicas, é o da pregação. Pesquisas por mim feitas e por alguns de meus colegas, constatam que a maioria não se lembra na segundo qual foi o sermão do domingo.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
HE IS A LOOSER
Quando morei em Chicago, ouvi a expressão algumas vezes. Sempre a tomei como adjetivo inofensivo. Estranhava a facilidade com que se dizia que o outro era um “idiot”. Isto, para mim, era pegar pesado.
Com o tempo
percebi que o termo “idiot” não tem o mesmo peso e negatividade que tem
no português. Da mesma forma a palavra “estupid”. Virou famosa a frase
de James Carville em 1992, dirigida aos trabalhadores da campanha de Clinton.
Um dia,
conversando com um executivo eu o ouvi, irado, chamar de looser a pessoa
que ele estava detonando. Meio embasbacado com a expressão, pedi a ele que a
refraseasse, para que eu a entendesse melhor e ele me disse: não há outra
melhor “looser, looser, looser.”, reiterou enfaticamente.
Percebi que
não tinha entendido o peso da expressão. Ao invés de pegar o sentido no
original, estava traduzindo. Mais tarde vi duas pessoas discutindo. Quando uma
delas se referiu à outra como looser, a ofendida partiu para as vias de
fato.
Nestes dias
ouvi a expressão aplicada ao Trump: ele perdeu a eleição, todas as ações
judiciais que impetrou, o apoio de parte do seu partido, a presidência, a pose,
o discurso, o Facebook, o Instagram, Twitter, o Parler, a votação do segundo
impeachment, vai perder no Congresso, perdeu a casa onde morava porque
despejado pelo voto, vai perder os holofotes e terá que enfrentar a enxurrada
de ações, algumas criminais
Ele é um looser.
Sem dar o
mesmo peso que a palavra tem no inglês, acho que a nosso Trump tupiniquim também
é um colecionador de derrotas. Disse que montaria um ministério de notáveis e
perdeu as estrelas da Justiça (Moro), da Saúde (Mandetta) e a outra (Guedes)
até agora não mostrou a que veio. Se notáveis são o das Relações Exteriores, do
Meio Ambiente, os três da Educação, o atual da Saúde, que me perdoe o idioma,
não sei o que é notável. Só se ela se refere à notabilidade pelos desatinos que
cometem.
Elencar as
perdas sofridas no embate com o STF é fazer lista parecida à do supermercado,
pela quantidade de itens. A investigação sobre a interferência na PF, a não
nomeação do Ramagem, o depoimento oral no caso da PF, e por aí vai. Perdeu ao
querer a possibilidade de reeleição do Alcolumbre. Viu seus apoiadores serem
investigados e com as contas escrutinadas (Luciano Hang é um exemplo), a
investigação do Gabinete do ódio está batendo à porta. Alguns bolsonaristas
ativistas virtuais foram presos, o Godoy também, o Wassef está enrolado, o
filho não explica as rachadinhas e ele não tem explicação para os depósitos na
conta de esposa.
Na
política, perdeu o apoio do Maia, não foi o responsável pela Reforma da
Previdência, não conseguiu emplacar o Major Hugo como líder na Câmara, está
tendo problemas para emplacar seu candidato à presidência da Câmara. Diante de
tantas perdas teve que mudar o discurso, se aliar ao Centrão e fazer o
fisiologismo que tanto atacou.
No caso das
vacinas, perdeu todas. E quem vai salvar a lavoura será a vacina chinesa do
Dória que ele execrou e disse que nunca a compraria. É a China, malhada por
alguns ministros e pelos filhos, quem veio dar um oxigênio a um governo
destrambelhado. Aquilo que era “vacina chinesa do Dória” agora “é vacina do
Brasil e não de algum governador”. Uma coisa ele tem: muda de posição a cada
troca de cueca, no que é imitado pelo Ministro da Saúde.
Marcos
Inhauser
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021
EU SOU A VERDADE
Tanto quanto eu, a julgar pelas mensagens e e-mails que recebo, tem muito mais gente intoxicada com os “donos da verdade”. Este sentimento foi fertilizado pela reação do Donald Trump ao insucesso e derrota que sofreu. Na sua visão, no que pese todos quantos o aconselharam, o que é verdade é o que ele acredita.
A ele se aplica o ditado atribuído a Joseph
Goebbels, ministro da propaganda de Hitler: “uma mentira repetida mil vezes se
torna verdade”. De tanto repetir que a eleição foi fraudulenta e que a vitória
lhe foi roubada, isto passou a ser verdade. O que estranha é que uns 20%
acreditam piamente no que ele diz. O problema é que esta estratégia foi
anunciada com antecedência, tentou-se provar a veracidade dela com factoides e
insinuações de que mortos votaram, teve mais votos que eleitores, que os votos
por correio eram uma forma de fraudar etc. Votos foram recontados, a justiça
escrutinou tudo e sentenciou: não houve fraude!
Não foi o
suficiente. Ele insuflou a horda que acredita em teorias da conspiração para
invadir o Capitólio e tentar um golpe de Estado. Não deu certo. Ainda vai
tentar alguma loucura, porque continuar acreditando em fraudes, depois de tudo
o que se fez em averiguação, só pode ser loucura.
Ontem me
mandaram um áudio de uma mulher não identificada, que teria ido a uma
ginecologista não identificada, que lhe teria dito que a Coronavac tem elementos
que permitem rastrear as pessoas e que isto vai habilitar a Inteligência
Artificial a nos manipular. Para desatino maior, informa que quem patrocina
isto é o Bill Gates. Quem enviou a mensagem dizia que por isto não tomaria a
vacina. Perguntei à pessoa por que não usavam o paracetamol, a dipirona, que
todo mundo toma como analgésico, para infiltrar o tal rastreador que permite a
manipulação. Estou aguardando resposta.
Tenho chegado
à conclusão de que é mais fácil lidar com o diferente do que com o ignorante.
Contra a ignorância perde-se tempo usando argumentos. Como disse uma pessoa
acerca de seu pai: “ele só ouve quem diz sim a tudo o que ele fala”.
Um
dos líderes da invasão do Capitólio é Jake Angeli, também conhecido como Q-Shaman,
ativista do grupo que divulga teorias
conspiratórias, entre eles o QAnon. Este grupo dissemina e acredita que o Trump
está salvando o mundo de uma rede internacional de pedofilia e um dos
manifestantes no topo da escada do Capitólio empunhava um cartaz que afirmava
que o Biden é pedófilo. A imprensa séria americana tem chamado a estes
manifestantes de milicianos e terroristas domésticos.
Como brasileiros, não
estamos livres desta praga. Tem gente disposta a ficar retuitando e disseminado
estas teorias sem-pé-nem-cabeça, especialmente contra as vacinas para a Covid,
mas nada falam dos feminicídios, das rachadinhas, não explicam cheques
depositados na conta de esposa, afirmam ter havido fraude nas eleições com voto
eletrônico, sem apresentar provas e documentos. Só ouvem o que querem ouvir.
Vivemos tempos de
colher os frutos de uma educação onde precisava só preencher quadrinhos com um
X, em múltipla escolha. Contrariando a premissa de que a explicação mais
simples tem maior probabilidade de ser a correta, preferem optar pela mais
extensa, porque lhes parece que a verdade é feita de muitos argumentos, mesmo
que desconexos ou ilógicos.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
ÓCULOS PARA CEGOS
Guimarães Rosa, no seu conto Manuelzão e Miguelim, traz uma história paradigmática. Nele, o doutor José Lourenço apareceu na fazenda onde Miguilim vivia que o saudou e passou a fixá-lo com insistência, apertando os olhos, porque “era curto de vista”. O visitante foi até à casa onde o menino morava, conversou com a mãe e passou a fazer uns testes, mostrando a certa distância os dedos da mão e pedindo que dissesse quantos havia a cada novo gesto. Ele não enxergava. Foi quando o doutor tirou seus óculos e os colocou em Miguilim que ficou pasmo: era tudo novidade. As coisas ganharam luz, vida, cores, o que não conseguia ver agora apareciam à sua frente. Ele que nunca tinha visto um grão de areia, agora podia vê-los.
Miguilim
começou a descrever as coisas que viu, as belezas nunca vistas. Saiu correndo e
contou para todos quantos achou à sua frente. Quando voltou à sua casa, o
doutor já tinha ido embora e Miguilim ficou profundamente triste. A experiência
de ver se acabara.
A mãe disse
que o doutor foi lá para as bandas dos caçadores, que voltaria. Se Miguilim
quisesse, ele podia levá-lo para a cidade e fazer óculos para ele, entrava na
escola e aprendia um ofício. O coração do menino disparava. Despediu-se de
todos, com lágrimas nos olhos. Foi para uma nova vida para uma nova visão.
Digo que
esta história é paradigmática porque ela é a história de muita gente curta de
visão. Os óculos são o estudo, a leitura de bons livros, a leitura de notícias
várias, a abertura da mente, a compreensão de que as coisas não se resumem a
uma única causa, que os problemas complexos não se resolvem com chá de
camomila, que as mudanças culturais tomam duas ou três décadas para acontecer.
O
radicalismo, o fundamentalismo, o racismo, o sexismo, o machismo tem raízes
fortes. Não acabam por passe de mágica, mas pelo constante e contínuo vigilar e
trocar as informações mentais que se tem e trabalhar para mudar o que é
conhecimento arquétipo e socializado. Há a necessidade de trocar a visão curta
de um Miguilim por outra propiciada pelas novas lentes, pelo estudo, por ver
coisas que a visão míope nunca permitiu.
Enquanto
escrevo estas coisas não me sai da cabeça as notícias que li e ouvi ontem e
esta madrugada sobre a resistência do Trump em aceitar a derrota. Para um
sujeito de visão míope, que cresceu e montou um conglomerado de hotéis e campos
de golf e que são questionados quanto à solidez da sua estrutura, o maior
exemplar de Narciso que já, perder é algo acachapante. Ele nunca mostrou ou deu
a entender que leu algum livro, que estudou além do básico (nos EUA o College)
ou que aceita conselhos ou opiniões divergentes.
Ele perdeu
excelente oportunidade de ganhar óculos para ver as coisas com mais detalhes e
precisão, de perder a visão míope. Plagiando o poeta pantaneiro Manoel de
Barros (“tudo o que não invento é falso”), o lema trumpiano é: “tudo o que não
afirmo é falso”.
Lembrei-me
da primeira leitura em voz alta, na frente da classe, que fiz na escola, assim
que fui alfabetizado. Era a de um cego que também teve um médico que o operou e
passou a ver, mas que continuou agindo como se cego continuasse a ser. A máxima
era: “o pior cego é o que não quer ver”.
Marcos
Inhauser
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
DÁ PARA CANTAR E SONHAR?
Há como celebrar Natal e Ano Novo nesta terra
deixada à sorte por incúria e imperícia dos babilônicos governantes? Há como
ter esperança, quando a única esperança que é a vacina nos é negada e a cada
nova manifestação é dada uma nova data para início da vacinação? Há como ter
esperança quando o babilônico mór diz que não “não dá bola” para a demora no
início da vacinação?
O Salmo citado termina de uma forma arrepiante
e trágica: “Ah!
filha de Babilônia, devastadora; feliz
aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós; feliz aquele que pegar em
teus pequeninos e der com eles nas pedras.” Poderíamos atualizar o texto e dizer: “quando um
dos seus filhos morrer pela Covid haverá esperança e felicidade para o povo?”
Celebrar um novo ano? Só se
fizermos o que Abraão fez: “esperou contra toda esperança”. Em outras palavras,
esperar contra a esperança. Se atentarmos para os fatos e decisões babilônicas,
morreremos de depressão e tristeza. Os fatos nos levam a sentar e esperar a
chegada da infecção.
A autoridade dos babilônicos federais,
estaduais e municipais anda tão baixa quanto a sola do sapato: decretam
lockdown nas praias e comércios, mas eles se fazem de surdos e atuam como
querem. Os jovens se reúnem em baladas e festas nem tão clandestinas. O
babilônico mor incentiva, pelo exemplo, a não usar máscara e a não se vacinar,
quando e se esta chegar às terras tupiniquins.
Há que ressaltar-se que a Babilônia vem da Babel, a torre construída para ser o
referencial de um povo empreendedor e que acabou sendo símbolo da confusão de
línguas e comunicacional. Ninguém se entendia no reino de babel. Seria isto o
paradigma da babilônia moderna, onde as mensagens são modificadas cada vez que
os babilônicos falam, as datas são imprecisas ou revistas a cada nova alocução,
o exercício de falar A e depois dizer B é a constante nesta Babel?
Nabucodonozor foi castigado e
literalmente pastou, por causa da sua soberba e vaidade. Necropolítico, não se
intimidava com as mortes que produzia, mas media seu poderio pela quantidade de
armas que havia no reino. Reinou por 43 anos. Quanto tempo reinará o
Nabolsodonozor?
Marcos Inhauser
quarta-feira, 23 de dezembro de 2020
VIDA EM MEIOS ÀS MORTES
A Palestina no período pré-advento estava sofrendo a “pandemia romana”, que assolava a quase totalidade do mundo então conhecido. Ela enviava seus vírus fardados a toda parte e estes, com o poder das armas, asfixiavam o povo, tirando-lhes o oxigênio via pesados tributos, arrancados, muitas vezes, à força e com a morte do infectado.
Todo o corpo da nação de Israel estava contaminado e havia quem,
no subterrâneo, buscava destruir os vírus-soldados, criando até exércitos
pequenos (zelotes).
Neste contexto de pandemia, com a sufocação de toda a nação,
sem nenhuma UTI para recuperação, havia quem, de outro lado, se aliava ao vírus,
numa atitude de negacionismo e desconsideração com as muitas mortes que estava
provocando. Coletores, religiosos/políticos, elite egoísta, formavam a corte
negacionista e desdenhavam as notícias que vinham das ruas e dos povos
distantes. Perguntados, respondiam: “E daí? Que os mortos enterrem seus mortos;
não somos coveiros”.
Havia, no fundo da alma dos sofridos, uma esperança: “vai
acabar, isto passa, Deus vai levantar uma vacina para nós.”
Sem convocar a mídia, sem estardalhaço, na privacidade de
uma virgem, o anúncio foi feito: você vai ficar grávida da vacina que salvará a
este povo e todos os outros”. O anúncio não se enquadrou nos protocolos e não
passaria nos testes de confrontação das fake News. A virgem e o noivo alegavam
que tinha sido um anjo, que só eles viram. Talvez, por isto mesmo, os dois guardaram
estas coisas nos seus corações.
Mais tarde, contra recomendações para gravidezes, o casal
foi visitar uns parentes: Isabel e Zacarias. O que os visitantes não sabiam era
que o casal que visitavam também haviam recebido uma notícia por meios não
usuais: Izabel seria a mãe de quem anunciaria publicamente a vacina salvadora.
A coisa andava tão polarizada que Izabel, depois de ter dado à luz, escondeu o
bebê por cinco meses. Era o medo da execração nas redes sociais das fofocas.
Quando Izabel viu Maria, ela sentiu o rebento no ventre se
mover e exclamou: “Bendita
és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre!”. Sabe-se que, mais tarde, o ditador de plantão, preocupado com
as repercussões políticas que a vacina que vinha da periferia poderia trazer de
estrago político, pediu à agência reguladora que matasse a vacina. A decisão
não deu certo e ela, depois de 30 anos, apareceu dando sinais de eficácia e
segurança, curando a muitos e prometendo o Reino sem pandemias.
O plano de vacinação não passaria pelos
critérios científicos e nem mesmo pela ansiedade do povo querendo a vacina.
Tentaram aclamá-lo como Rei e até fizeram uma jumentada, forrando o chão com
palmas. O processo vacinal foi outro: lento, face-a-face, na base da persuasão,
pelo arrependimento e nova vida e comportamentos. Quando menos esperavam, a
vacina estava nos palácios e na sede do império, até ser reconhecida como a
vacina oficial do Império.
Até hoje ela não foi promulgada como
obrigatória por nenhum Supremo Tribunal, ainda que haja quem, como soldado
vacinal, use do terrorismo do inferno para quem não se vacinar. Outros,
aproveitando da vacina, extorquem o povo via ofertas, dízimo, contribuições
para a construção do templo ou manutenção do programa de televisão.
A celebração do nascimento desta vida que
traz salvação à pandemia do pecado, em um contexto de mortes mil (provavelmente
190.000 quando você estiver lendo esta coluna), é sinal de esperança e vida que
há mais de dois mil anos se repete. Que venha a vida e ela em sua plenitude!
Marcos Inhauser
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020
OLHANDO NO RETROVISOR
Já vivi, talvez, mais de dois terços da vida. Tenho chegado à conclusão de que, depois de certa idade que não é a mesma para todos, nós nos especializamos a olhar para trás. Deste exercício há os que vivem de recordações, os que querem repetir os que viveram e os que buscam no passado lições para enfrentar o futuro. Esta última, tecnicamente, se chama “ante-retro-oculatra”: o que tenho “ante” mim eu olho (oculatra) para trás para aprender a viver o presente.
Os que olham para o retrovisor da vida para viver de recordações,
são bons contadores de histórias onde o sujeito central, quase sempre, são eles
mesmos. São tentados a abrilhantar e heroicizar suas participações para dar
significado mais positivo à vida que tiveram, quase sempre insossa. Via de
regra têm um álbum de fotos onde exibem este ou aquele que hoje é famoso para
mostrar como estiveram no passado com eles, ou como eles foram seus alunos, ou
vizinho, ou colegas de pelada. Vivem do passado e estão mortos para o presente.
O segundo grupo, é formado pelos que querem reviver o
passado, padecem de um romantismo infantil e enfermiço. Acham que as coisas
podem ser como eram. Míopes para as mudanças históricas e sociais, acreditam
que reunir os amigos na mesma churrascaria onde se reuniram há trinta anos,
trará as mesmas energias que se teve quando o fato ocorreu por vez primeira. Há
os que buscam antigos amores querendo ressuscitar algo que está enterrado há
muito. Tive um amigo que queria ressuscitar um projeto abortado e, na visão dele,
seria agora muito melhor que antes.
O grupo da “ante-retro-oculatra” olha frequentemente para o
retrovisor da vida, não para repetir coisas, mas para, avaliando o que fizeram
e viveram, seguir adiante com a sabedoria do aprendizado existencial. Continuam
ávidos no aprendizado, têm amigos que são semeadores de novas ideias e
conhecimentos, lê o que pode, se sentem desafiados a enfrentar os monstros da
tecnologia, dedicam tempo a aprender mexer com PCs, notebooks e celulares.
Quando conseguem enviar o primeiro e-mail, vídeo ou postar a mensagem, celebram
como se fosse o primeiro gol que marcaram na vida.
Sabem que têm limitações, que o corpo já não tem a mesma
flexibilidade e dinamismo de outrora e buscam agora novas atividades que se
harmonizam com seu estado presente. Mais que tudo, aprendem a viver com a
incerteza. As certezas do passado agora são obnubiladas pelas muitas lições que
aprendeu, pela certeza da brevidade da vida, pela mudança de paradigmas e pela
mudança do foco: mais que ganhar uma discussão e provar que está certo,
preferem a benção do relacionamento amistoso.
Há, no entanto, um risco: cercar-se de pessoas que têm o
mesmo padrão de análise dos fatos. Porque evitam confrontos de ideias, acabam
se cercando de quem pensa como eles, para que a vida seja mais pacífica. Ledo
engano. A visão do futuro será obtusa, porque vista com olhos míopes que só veem
quem pensa como eles. Acabam se filiando ao clube dos “apoiadores de fulano ou
cicrano”. Saber categorizar comportamentos e grupos é algo inteligente, mas se
torna patológico quando as categorias usadas se tornam verdade absoluta.
Daí que, a incerteza, o talvez, o pode ser, há grande chance
de ser assim, devem passar a ser as palavras mais pronunciadas por quem já
viveu dois terços da vida.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 9 de dezembro de 2020
SETENTAREI
Dios mediante, no próximo dia 14 completo 70 anos de vida. Com ele também tenho 48 anos de namoro e noivado, 47 de casamento, 48 de ministério como pastor. Certa feita, ouvindo a música do seriado Carga Pesada, fiquei a pensar na letra e como ela poderia ser adaptada para a minha vida: “Eu conheço muitos palmos de cada religião / é só me mostrar qual a direção. / Quantas idas e vindas, meu Deus, quantas voltas / viajar é preciso, é preciso / Com a teologia sobre as costas / vou testando a fé, cortando o estradão. / Eu conheço todos os sotaques / dessas igrejas, as miragens / dos “milagres” as verdades / das ovelhas as vontades / Eu conheço as minhas debilidades / pois o pensar não me cobra o frete. / Por onde andei fiquei com saudades / a poeira é minha doutrina / Nunca misturei cifrão com missão / mas não nego que tive meus apertos / Coisas da vocação e do meu jeito / sou profeta no caminho e acho muito bom!
No tacógrafo da vida já registrei coisas
que me arrepiaram por ter me maravilhado e emocionado, como também por ter
ficado estarrecido ou decepcionado. O nascimento dos filhos, o crescer fazendo
bagunça com eles e com o lema de ser sempre um pai e avô presentes. A perda de
amigos queridos que se foram antes da hora, a perda do pai, mãe, sogra e sogro
mexeram muito comigo.
Decidi que seria pai dos meus filhos e não
pastor deles (daqueles que cobram comportamento exemplar dos filhos para não
prejudicar o ministério do pai). Quando
acho que já vi tudo, fico pasmo com mais uma novidade. Alegria quíntupla foi
acompanhar as gravidezes de cada neto e neta, e estar lá na hora do parto
(exceção a um porque foi na China e ele decidiu vir um pouco antes da hora).
Alegria permanente é poder acompanhar o desenvolvimento de cada um deles.
Chegar aos setenta não é mérito, nem opção.
É uma contingência da vida e manifestação da graça de Deus. Foram mais de
25.500 vezes que a graça de Deus se renovou a cada manhã e me permitiu viver. A
graça não só se manifestou a cada dia, ao me despertar. Ela se fez concreta na
companheira que Deus me deu nestes anos todos. A Suely foi a coisa mais
maravilhosa que Deus me deu e a cada dia me surpreendo com suas qualidades,
dedicação a mim, aos filhos e netos. Juntos caminhamos e juntos estamos.
Por muitas vezes ela e eu conversamos
relembrando o que já vivemos, experimentamos e viajamos e a constatação sempre
aparece: não dá para explicar tudo o que na vida experimentamos. Só a graça de
Deus.
Acredito que uma vida significativa se mede
pela quantidade de vezes que ela foi benção na vida de outras pessoas. Tenho
isto como lema de vida: ser graça na vida dos outros. Nem sempre consigo e
avalio que poderia ter sido benção muito mais vezes. Surpreendo-me quando alguém que há muito
tempo não via ou não tinha notícia, me acha neste mundo das redes sociais e se
comunica comigo relembrando algo que ensinei ou fiz. Cada vez que isto acontece
me encho de coragem e digo para mim mesmo: valeu ter vivido! E valeu ter vivido
a vida que vivi. E valerá a vida que Deus, na sua bondade, ainda me permitir
viver!
Marcos Inhauser
quarta-feira, 2 de dezembro de 2020
PÓS TUDO
Já disse aqui, mais de uma vez, que sou viciado em notícias. Só conheci um cara mais viciado que eu. Ele assinava 17 noticiosos que ficavam rodando no rodapé da tela do seu computador, que ele o levava para a cama e acordava no meio da noite para ler o que havia de novo.
Comecei no mundo das notícias com o saudoso Gabino,
diretor-proprietário da Tribuna de Indaiá, que me contratou para “desempastelar
tipos”, a tarefa de separar os tipos segundo o tamanho, a fonte e a letra e
devolvê-los aos seus lugares nas caixas. Disto saltei para o “componidor”,
compondo os textos que iriam para o jornal. Depois para a revisão dos textos.
Na adolescência juventude lia todos os dias dois jornais: o Jornal da Tarde, o
Estadão. E o Diário de São Paulo.
Lançaram a revista Realidade e eu lá estava para comprar e
devorar. Noticioso na televisão só o Repórter Esso. Veio neste tempo o Pasquim
(que eu devorava) e a revista Fatos e Fotos. A televisão entrou com mais força
no mundo das notícias e passei a ser assíduo telespectador dos noticiários.
Nunca deixei de ler o jornal impresso, porque sou dos que acham que há uma
mística em ler um jornal impresso e um livro no papel. Não consigo me adaptar
aos e-books.
Nesta trajetória aprendi a amar e respeitar algumas pessoas
que nunca conheci. Entre o jornalismo informativo e o opinativo, o segundo me
fascinava. O jornalismo investigativo me seduzia, mas nunca tive a chance, nem
a estrutura para ir adiante com esta paixão. Aprendi muito com as colunas do
velho Frias, na Folha de São Paulo. Neste jornal também fui fã do Gilberto
Dimenstein e Clovis Rossi. Lia Zózimo Barrozo do Amaral, Artur da Távola,
Noblat, que escreviam nos jornais do Rio. No tempo em que, nos voos, se
entregava jornal para a viagem, eu pedia exemplares de dois ou três jornais.
Penso que vivi uma época áurea do jornalismo, pela qualidade
dos que escreviam e comentavam. A coisa, me parece, foi definhando e perdendo a
vigência que teve. Lembro-me do Programa do Jô, no tempo da SBT e do
impeachment do Collor, quando os políticos não podiam dormir sem saber o que
aconteceu e aconteceria no próximo dia.
Estamos vivendo a era do pós. Fala-se em pós-modernidade,
pós-verdade, pós-história, pós-especialização. Hoje todo mundo se julga com
capacidade e no direito de emitir sua opinião, por mais esdrúxula que seja. Um
bom divertimento é ler os comentários feitos às postagens. Há momentos em que
penso que voltamos à primitiva escrita, quando se praticava a scripto continua, quando ainda não haviam inventado o ponto
final, a vírgula, a exclamação e a interrogação.
Dá-me um sentimento de pré
mortem saber que jornalistas capazes e reconhecidos estão morrendo ou sendo
demitidos de suas funções nos veículos em que trabalharam por anos a fio. A
cada dia fico sabendo de mais um que foi demitido e que decidiu fazer carreira
solo em algum blog. Sou dos que acreditam que o verdadeiro jornalismo se faz na
redação, na troca de ideias, nos cafés e na fumaça dos cigarros, ainda que eu
mesmo não fume. Jornalismo de carreira solo é algo que não entra na minha
cabeça. O furo jornalístico é um evento de cumplicidade e solidariedade.
Se é verdade que em 2025 se imprimirá o último jornal em
papel no mundo, tenho certeza de que, parte de mim morrerá com ele.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 25 de novembro de 2020
JUSTIÇA COM IGNORÂNCIA
Texto Fábio Blanco:
“Ser justo é bom. No entanto, não existe justiça sem amor,
como não existe justiça sem coerência. Amor e coerência são como que a balança
que permite que a justiça seja aplicada com equilíbrio.
No entanto, as pessoas estão sofrendo uma demasiada pressão
social por serem justas, sem que lhes seja exigido, da mesma maneira, que
tenham amor e coerência.
É uma pressão por estar do “lado certo” da sociedade, o que
significa participar de julgamentos coletivos, de justiçamentos sociais, de
determinar que certas atitudes, grupos, crenças e convicções, apenas por não se
encaixarem nas novas concepções desta nova geração, são condenáveis.
Assim, estar do lado certo tornou-se o objetivo e a
necessidade de muita gente, pois colocar-se fora dele é como viver um
ostracismo em meio à multidão. Pior, é como ser marcado por uma letra
escarlate.
Isso gera nas pessoas um anseio por parecerem boas, por
parecerem corretas. Antes de qualquer coisa, elas querem ter certeza que estão
sendo vistas como defensoras da causa certa. Querem ter a consciência limpa,
levantando as bandeiras que disseram para elas que são as mais justas.
O problema é que a maior parte dessas bandeiras são
hipócritas. São, na verdade, julgamentos prévios que, longe de fazer justiça,
criam ainda mais preconceitos. O resultado não poderia ser outro: enquanto os
justiceiros sociais defendem liberdades, agem como censuradores, enquanto falam
em igualdade, promovem a segregação, enquanto gritam por tolerância, são os primeiros
a não respeitar a opinião alheia. No fim das contas, se há algo que caracteriza
todos esses movimentos é a incoerência.
No entanto, convenhamos, ninguém quer ser considerado
incoerente. Mesmo esses justiceiros sociais possuem, como todo ser humano, uma
necessidade intrínseca de serem vistos como pessoas que fazem aquilo que falam
e agem de acordo com o que pregam.
Isso significa que se elas são incoerentes não é porque
querem, mas porque não percebem. E se elas não percebem é porque lhes falta
habilidade cognitiva para tanto. Resumindo: a incoerência das causas modernas
é, antes de tudo, um efeito do baixíssimo nível intelectual geral.
Fica evidente que muito dos erros cometidos hoje em dia, sob
os pretextos de moralidade, bondade e justiça, são efeitos de falhas de
pensamento, da inabilidade de construir raciocínios corretamente e da
incapacidade de perceber esses erros. Claro que tudo isso está aliado a uma
falta de sensibilidade para perceber as injustiças que cometem e até uma certa
hipocrisia.
Porém, parece-me que menos do que perversidade, é a burrice
que está por trás de quase todos esses movimentos. Sem esquecer, é claro, que a
ignorância, como se diz, “é vizinha da maldade.”
Completo: para quem há quase vinte anos escreve uma coluna
semanal em um jornal com expressão, sente-se na pele estas injustiças de quem,
lendo não entende o que se escreveu ou quem lê e acha que eu disse o que eu não
disse. E quando reagem aos que escrevi, fico pasmo porque me parece que estão
voltando às eras primitivas da escrita: o uso da scripto continua, quando não havia ponto final, nem vírgula, nem
exclamação.
A ignorância das verdades absolutas tem sido mato a grassar
o ambiente ecológico das relações humanas, separando uns e outros.
Marcos Inhauser