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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

OLHANDO NO RETROVISOR

Já vivi, talvez, mais de dois terços da vida. Tenho chegado à conclusão de que, depois de certa idade que não é a mesma para todos, nós nos especializamos a olhar para trás. Deste exercício há os que vivem de recordações, os que querem repetir os que viveram e os que buscam no passado lições para enfrentar o futuro. Esta última, tecnicamente, se chama “ante-retro-oculatra”: o que tenho “ante” mim eu olho (oculatra) para trás para aprender a viver o presente.

Os que olham para o retrovisor da vida para viver de recordações, são bons contadores de histórias onde o sujeito central, quase sempre, são eles mesmos. São tentados a abrilhantar e heroicizar suas participações para dar significado mais positivo à vida que tiveram, quase sempre insossa. Via de regra têm um álbum de fotos onde exibem este ou aquele que hoje é famoso para mostrar como estiveram no passado com eles, ou como eles foram seus alunos, ou vizinho, ou colegas de pelada. Vivem do passado e estão mortos para o presente.

O segundo grupo, é formado pelos que querem reviver o passado, padecem de um romantismo infantil e enfermiço. Acham que as coisas podem ser como eram. Míopes para as mudanças históricas e sociais, acreditam que reunir os amigos na mesma churrascaria onde se reuniram há trinta anos, trará as mesmas energias que se teve quando o fato ocorreu por vez primeira. Há os que buscam antigos amores querendo ressuscitar algo que está enterrado há muito. Tive um amigo que queria ressuscitar um projeto abortado e, na visão dele, seria agora muito melhor que antes.

O grupo da “ante-retro-oculatra” olha frequentemente para o retrovisor da vida, não para repetir coisas, mas para, avaliando o que fizeram e viveram, seguir adiante com a sabedoria do aprendizado existencial. Continuam ávidos no aprendizado, têm amigos que são semeadores de novas ideias e conhecimentos, lê o que pode, se sentem desafiados a enfrentar os monstros da tecnologia, dedicam tempo a aprender mexer com PCs, notebooks e celulares. Quando conseguem enviar o primeiro e-mail, vídeo ou postar a mensagem, celebram como se fosse o primeiro gol que marcaram na vida.

Sabem que têm limitações, que o corpo já não tem a mesma flexibilidade e dinamismo de outrora e buscam agora novas atividades que se harmonizam com seu estado presente. Mais que tudo, aprendem a viver com a incerteza. As certezas do passado agora são obnubiladas pelas muitas lições que aprendeu, pela certeza da brevidade da vida, pela mudança de paradigmas e pela mudança do foco: mais que ganhar uma discussão e provar que está certo, preferem a benção do relacionamento amistoso.

Há, no entanto, um risco: cercar-se de pessoas que têm o mesmo padrão de análise dos fatos. Porque evitam confrontos de ideias, acabam se cercando de quem pensa como eles, para que a vida seja mais pacífica. Ledo engano. A visão do futuro será obtusa, porque vista com olhos míopes que só veem quem pensa como eles. Acabam se filiando ao clube dos “apoiadores de fulano ou cicrano”. Saber categorizar comportamentos e grupos é algo inteligente, mas se torna patológico quando as categorias usadas se tornam verdade absoluta.

Daí que, a incerteza, o talvez, o pode ser, há grande chance de ser assim, devem passar a ser as palavras mais pronunciadas por quem já viveu dois terços da vida.

Marcos Inhauser