Já vivi, talvez, mais de dois terços da vida. Tenho chegado à conclusão de que, depois de certa idade que não é a mesma para todos, nós nos especializamos a olhar para trás. Deste exercício há os que vivem de recordações, os que querem repetir os que viveram e os que buscam no passado lições para enfrentar o futuro. Esta última, tecnicamente, se chama “ante-retro-oculatra”: o que tenho “ante” mim eu olho (oculatra) para trás para aprender a viver o presente.
Os que olham para o retrovisor da vida para viver de recordações,
são bons contadores de histórias onde o sujeito central, quase sempre, são eles
mesmos. São tentados a abrilhantar e heroicizar suas participações para dar
significado mais positivo à vida que tiveram, quase sempre insossa. Via de
regra têm um álbum de fotos onde exibem este ou aquele que hoje é famoso para
mostrar como estiveram no passado com eles, ou como eles foram seus alunos, ou
vizinho, ou colegas de pelada. Vivem do passado e estão mortos para o presente.
O segundo grupo, é formado pelos que querem reviver o
passado, padecem de um romantismo infantil e enfermiço. Acham que as coisas
podem ser como eram. Míopes para as mudanças históricas e sociais, acreditam
que reunir os amigos na mesma churrascaria onde se reuniram há trinta anos,
trará as mesmas energias que se teve quando o fato ocorreu por vez primeira. Há
os que buscam antigos amores querendo ressuscitar algo que está enterrado há
muito. Tive um amigo que queria ressuscitar um projeto abortado e, na visão dele,
seria agora muito melhor que antes.
O grupo da “ante-retro-oculatra” olha frequentemente para o
retrovisor da vida, não para repetir coisas, mas para, avaliando o que fizeram
e viveram, seguir adiante com a sabedoria do aprendizado existencial. Continuam
ávidos no aprendizado, têm amigos que são semeadores de novas ideias e
conhecimentos, lê o que pode, se sentem desafiados a enfrentar os monstros da
tecnologia, dedicam tempo a aprender mexer com PCs, notebooks e celulares.
Quando conseguem enviar o primeiro e-mail, vídeo ou postar a mensagem, celebram
como se fosse o primeiro gol que marcaram na vida.
Sabem que têm limitações, que o corpo já não tem a mesma
flexibilidade e dinamismo de outrora e buscam agora novas atividades que se
harmonizam com seu estado presente. Mais que tudo, aprendem a viver com a
incerteza. As certezas do passado agora são obnubiladas pelas muitas lições que
aprendeu, pela certeza da brevidade da vida, pela mudança de paradigmas e pela
mudança do foco: mais que ganhar uma discussão e provar que está certo,
preferem a benção do relacionamento amistoso.
Há, no entanto, um risco: cercar-se de pessoas que têm o
mesmo padrão de análise dos fatos. Porque evitam confrontos de ideias, acabam
se cercando de quem pensa como eles, para que a vida seja mais pacífica. Ledo
engano. A visão do futuro será obtusa, porque vista com olhos míopes que só veem
quem pensa como eles. Acabam se filiando ao clube dos “apoiadores de fulano ou
cicrano”. Saber categorizar comportamentos e grupos é algo inteligente, mas se
torna patológico quando as categorias usadas se tornam verdade absoluta.
Daí que, a incerteza, o talvez, o pode ser, há grande chance
de ser assim, devem passar a ser as palavras mais pronunciadas por quem já
viveu dois terços da vida.
Marcos Inhauser
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