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quinta-feira, 7 de novembro de 2019

HIENAS E SUAS HISTÓRIAS


Elas entraram na história não é de hoje. Também não é de agora que elas estão envoltas em projetos de poder político com roupagem religiosa.
Conta história que, no informe Albuquerque de 1514, antes mesmo que os descobrimentos continentais feitos por espanholes e portugueses tivessem atraído a maior parte dos colonos, Espanha destinou um milhar de espanhóis quando só restavam 29.000 indígenas, demonstrando que os anos primeiros foram terríveis na mortandade dos nativos. Georg Friederici em seu livro “Caracter del Descubrimiento y la Conquista de America” (Fondo de Cultura Económica, Mexico, 1987, pg. 397) relata que o cortar das mãos aos prisioneiros de guerra (nativos) e obrigá-los a sair correndo, era uma crueldade que se praticava na Espanha antes do descobrimento da América. Na América os espanhóis fizeram uso destes recursos com uma crueldade ainda mais espantosa, Depois de cortar as mãos e os pés dos homens e os seios das mulheres, eles os obrigavam a arrastar-se ou andar até que morressem por esgotamento sanguíneo. Era um espetáculo que propiciavam aos demais para infundir o terror.
Cieza de León em sua obra “Guerra de Añaquito”, citado pelo mesmo autor antes mencionado, afirma que “os piores exemplos da pavorosa e desalmada crueldade e da contextura moral dos conquistadores nos brinda ... no campo de batalha de Añaquito, onde o licenciado Benito Juarez de Carbajal, como uma hiena sedenta de sangue, estava em busca do representante do monarca Carlos, o vice-rei Blasco Nuñes de Vela. Encontrou, por fim, o ancião dignatário ferido, mas não mortalmente e ainda em estada de consciência. Ele o cobriu de impropérios e teria cortado pessoalmente a sua cabeça se seu acompanhante, Pedro de Puelles, não o tivesse alertado da infâmia de tal ação.” Conta a história de Blasco Nuñes obrigou a seu escravo a cortar cabeça ao vice-rei, tomou-a pelas barbas e saiu caminho afora levando o troféu e apresentando-o a todos quantos encontrava.
No “Arquivo Geral da Índias” se lê que “muita da prata que se tira daqui para esses reinos é beneficiada com o sangue dos índios e vai envolta em suas peles” (Dussel, Henrique. Caminhos da Libertação Latino Americana, Ed. Paulinas, 1989, pg.59).
Bartolomé de la Casas, dominicano e voz profética de denúncia dos desvarios da corte espanhola, afirmou que “a causa foi a cobiça e ambição insaciáveis que possuíam, que foram as maiores que podem existir no mundo ... não tiveram nem respeito, nem estima, que não digo que as trataram como bestas, mas como menos que esterco das praças” (Dussel, idem, pg 59-60).
Contraponto a Bartolomé de las Casas estava Gines de Sepúlveda, quem, baseado numa questionável Teologia Natural, alegava que os indígenas não tinham alma e que, portanto, não eram seres humanos. Este Ginés teve uma infância e adolescência cheia de insucessos e problemas (mentais?), com atos e escritos que beiram ao ridículo. Hoje, talvez, fosse diagnosticado como esquizofrênico ou bipolar.
São duas posturas religiosas: uma que usa dela para fundamentar um projeto político imperialista. O outro que usa da teologia para denunciar os desvios dos governantes e religiosos apaniguados. A retro-oculatra mostra do acerto do profeta em detrimento da voz mancomunada com o poder.
A minha sensação ao fazer este reconto histórico é que ele é muito atual. As hienas sedentas estão por aí, mas pregadas pelos Ginés de Sepúlvedas modernos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O CULTO DE UM SÓ

Acabara de chegar do exterior para voltar a morar no Brasil. Buscando retomar contatos e tomar pé da situação das igrejas brasileiras, um domingo à noite, minha esposa e eu fomos a uma igreja reformada, histórica, tradicional, etc.
Lá chegando fomos recebidos por alguns líderes da igreja que já nos conheciam e nos assentamos. Para surpresa minha, o pastor entrou pelo corredor central em processional. Estranhei porque conheço a forma de ser desta igreja e da denominação. Os pastores entram pela porta lateral ao púlpito, sem alarde ou exibição. Ele, no entanto, entrou pela porta central, fez a processional e, fiquei pasmo, estava vestido com uma beca usada por mestres e doutores e usada em cerimônias acadêmicas. Ele mal tinha concluído o bacharel! Era uma túnica pesada, destoante com o calor que fazia. Era a prova de um exibicionismo descabido.
Começou o culto e o indivíduo, com a voz empostada, fez a oração inicial, leu os Salmos, fez comentários e convidou a igreja a cantar um cântico que ele havia composto. Pegou o violão a começou a tocar a “seu” hino. Havia piano e órgão, mas ele se bastava ao violão. Terminado o cântico, ele leu outro trecho das Escrituras com aquela voz empostada, antinatural e entoou o solo de um cântico que ele também havia composto. No momento dos pedidos de oração pediu que a igreja orasse pelo CD que estava gravando para que fosse uma benção na vida de quem o comprasse. Ninguém mais teve a oportunidade de pedir que orassem.
Contou alguma coisa sobre sua vida e iniciou a prédica, onde, se me lembro bem, duas ilustrações eram sobre experiências próprias. Pediu que cantassem outro cântico que ele havia composto, ao som do violão que ele tocava.
Terminou o culto dando a benção apostólica com uma música de sua autoria e saiu da forma como entrou.
Ao sair minha esposa perguntou: para que existe piano e órgão no templo se ele é quem faz tudo? Lembro-me de haver dito: “ele bate o escanteio e corre para a área para cabecear e celebra o gol sozinho como se fosse o único em campo.” Devo dizer que não durou muito naquela igreja e em nenhuma outra.
O mesmo acontece com a equipe de louvor. Terminada sua “apresentação”, deixam o templo, porque, para eles, o culto acabou. Eles são o culto!  Preste atenção nos “cultos” televisivos do neopentecostalismo: só o midiático aparece e faz tudo!
Episódios como este eu os presenciei em outras oportunidades em variadas igrejas no Brasil e no exterior.
A igreja é uma comunidade. A igreja é uma cooperativa de dons e habilidades. Todos na igreja devem participar, cada qual com seu dom e habilidade. Paulo colocou isto de forma magistral: “o corpo inteiro bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, efetua o seu crescimento para edificação ...” Se na igreja há alguém que tem um dom ou habilidade e não é usado, é uma anomalia. O culto de um só é uma excrescência, porque o “polifacético e polivalente” faz tudo. Ele entende de música, de decoração, de liturgia, de exposição bíblica, cita grego e hebraico, ensina, exorta, arrecada, administra, assina, entrega, devolve. Quando confrontado, se exime citando autores e uma lógica egoísta.
Ele não ajunta, espalha. Não pastoreia, se exibe. O púlpito vira palco. Manda instalar holofotes para que seja iluminado enquanto performa.
Graças a Deus, os narcisos não prevalecerão na congregação dos humildes!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

RESPOSTA ÀS ORAÇÕES?


Flávio Rico, colunista especializado em coisas da TV, noticiou na semana passada que a redução dos espaços das igrejas na TV aberta do Brasil é algo importante. Como exemplos ele informa que “Universal, que por mais de uma década vinha ocupando quatro horas diárias na programação da TV Gazeta, hoje só está com três.” “A Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago, ... no decorrer dos tempos, diminuiu de forma bem drástica os seus espaços”. “E a Plenitude, que antes tinha mais da metade da grade da Rede Brasil, ficou só com duas”. 
Não foge à regra o caso da Band com o televisivo R. R. Soares, que deverá deixar o horário nobre que ocupa na grade da emissora.
O colunista salienta que as mudanças estão acontecendo e que, no caso da Internacional da Graça de Deus, do R. R. Soares, só deverá acontecer no ano que vem, por razões contratuais. O colunista não dá razões para este enxugamento, mas, alguma coisa se sabe por outras vias.
Há um esgotamento do modelo, seja porque todos fazem a mesma coisa com alguma maquiagem diferente, seja porque a mensagem, em sua essência é sempre a mesma. Eles socializam o sucesso (a Igreja ou o “apóstolo/ bispo” é quem fez o milagre) e privatizam a derrota, alegando falta de fé do ouvinte ou fiel.
Outro elemento é a conscientização popular de que estes pregadores midiáticos são inacessíveis. Não são pastores das ovelhas que têm seus dramas diários. São apresentados como exemplo de sucesso e de prosperidade, mas nunca estão disponíveis para ouvir e aconselhar.
Também há a conscientização de que o que estes midiáticos mais fazem é pedir dinheiro e o fazem com insistência, ousadia e constrangimento. Parece que há uma meta diária a ser batida e enquanto não chegam lá, precisam extorquir o quanto podem.
Há que se mencionar também que os exemplos de sucesso são apresentados na TV e, considerada a audiência, são mínimos. Vi certa feita um “testemunho” de conquista de alguém que eu conhecia bem e que dizia que estava com três carros na garagem, tinha quatro linhas telefônicas e uma casa de quase mil metros quadrados. O que ele não disse e eu sabia, era que os carros eram financiados e ele não pagava as prestações, que três das linhas estavam cortadas e a casa estava em execução para ter fraude na venda. Este cara morreu alguns anos depois deixando de “herança para os filhos” uma dívida milionária.
Há muita empulhação, manipulação e engano nestes midiáticos. Porque o Malafaia não vem contar sobre a falência da sua editora, ele que andou vendendo a Bíblia com suas anotações e o livro “Lições De Vencedor”?

Quero ver como sobreviverão porque é da essência do neopentecostalismo a necessidade de exposição midiática diária. Sem ela a arrecadação cai. E é o que está acontecendo. Eles estão enfrentando problemas para pagar suas contas com as redes de TV. Cada vez menos as pessoas estão dispostas a sair de casa e ir a um templo para ouvir lá o que podem ouvir em casa. E se não vão ao templo não ofertam. E não ofertando, as contas ficam a descoberto.
De minha parte, sem querer ser pré-vidente ou profeta adivinhatório, canto esta bola há tempos. Não é questão de premonição, mas de análise dos fatos e conclusão lógica. Um dia esta casa cai.
E isto será resposta a muitas orações por causa do mal que esta gente tem feito para o evangelho! Hoje, dizer que se é pastor, é motivo de chacota, graças ao empenho arrecadatório destes midiáticos!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

TEOLOGIA ZIRCÔNIO!


Um casal apareceu em casa porque soube que minha filha entendia de pedras preciosas. Eles haviam ganho de um andarilho uma pedra lapidada que brilhava muito. O casal era evangélico, passava por momentos difíceis e acreditaram no milagre da provisão.
Levaram a pedra para algumas pessoas tão leigas quanto eles para que a examinassem e quase todos disseram que havia grande possibilidade de ser um diamante. Olharam os preços de um diamante parecido e a cifra chegava à casa do milhão. Eles nos mostraram a pedra e, confesso, ficamos surpresos com a beleza dela. Chamei minha filha que morava na China e trabalha com pedras preciosas. Ela pediu fotos em vários ângulos, pediu para ver se havia impureza interior, se havia mancha de uma cor que eu não sabia identificar, mas minha esposa e o casal conseguiram ver. Ao final, minha filha pediu para eu soltar a pedra em cima do vidro da mesa. Deveria levantá-la a uns 30 centímetros e soltar.
Assim procedi. Ela me pediu para falar no reservado e foi quando ela sentenciou: “Pelo barulho na batida com o vidro isto é zircônio”. “Você tem certeza?” “O som do diamante é outro”. Argumentei que o som era via WhatsApp e do outro lado do mundo. “É zircônio!” concluiu ela.
No outro dia, minha esposa e o casal foram ver o seu Jozo, um japonês amigo nosso e de nossa filha e que é um dos maiores gemologistas do Brasil. Ele viu a pedra de longe e disse: “não é diamante e, para provar o que digo, vou mostrar alguns testes para vocês acreditarem”. Ele assim fez e provou que era zircônio de péssima qualidade.
Esta história me veio à mente ao ver gente cristã se empolgando com a ondas de “babaquices pseudoteológicas”. Estão achando que encontraram o diamante da teologia e da vida espiritual, que agora têm ao seu alcance a pedra fundamental do entendimento bíblico, que agora sabem a chave hermenêutica para todos os problemas espirituais e sofrimentos humanos, que descobriram o Santo Graal da vida cristã, que têm a pedra teologal. Abraçam as novidades como se diamante fossem. São alertados por quem tem alguma noção da coisa, que trabalha com teologia e eles simplesmente dão de ombros. Acham que a palavra do gemologista da teologia não é válida. Não acreditam que um perito pode identificar pelo barulho que faz. Quem nunca mexeu com gemas teológicas, se julga mais entendido que os gemologistas reconhecidos e respeitados.
A leitura literal e fundamentalista da Bíblia é mais verdadeira que a feita por linguistas especializadas em grego koiné e hebraico bíblico, ambas línguas mortas. Suas “descobertas”, mesmo que não tenham comprovação arqueológica ou sejam refutadas por quem entende das coisas da arqueologia, ainda assim é verdade absoluta. Acabam crendo no demônio da caspa, esquizofrenia, psicopatia, depressão, bipolaridade. Exorcizam obesidade e pobreza!
Mais tarde, quando a decepção vem porque descobrem que fizeram um anel solitário com uma pedra de péssima qualidade, um zircônio de quinta categoria, acusam Deus e o mundo de serem desonestos. Eles se revoltam e, via de regra, deixam a fé e a comunidade de lado. Para não pagar o mico de terem sido surdos às advertências dos gemologistas teológicos, fogem deles como o diabo da cruz. Preferem o zircônio das novidades à credibilidade dos teólogos!
Mas, como dizia um ex-aluno meu, citando Nietsche (duvido que o aforisma seja dele, mas mesmo assim muito válido): “todo palhaço tem sua plateia!” E zircônio vira diamante!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

MANIQUEÍSMO INTERPRETATIVO


Maniqueu, nasceu no terceiro século antes de Cristo no território do Império Sassânida (hoje Iraque) e é conhecido como fundador do maniqueísmo, filosofia religiosa dualística que divide o mundo entre Bom (Deus) e Mau (Diabo). Para ele, a matéria é má, e o espírito é bom. Passou, com o tempo, a se referir a toda postura fundada em dois princípios opostos: Bem e Mal. Para o maniqueísmo não existe meio termo: ou é do bem ou é do mal.
Nestes tempos estranhos de redes sociais e de gente que se “educou” respondendo questões de múltipla escolha, onde deveria escolher a alternativa certa entre duas ou mais, o maniqueísmo se alastrou qual praga da tiririca. Por ser uma geração que não foi treinada na dúvida, nem no questionamento, em que umas poucas premissas foram apresentadas como verdade absolutas, há o condão de achar que o que ele “sabe” é definitivo, absoluto e inquestionável.
Caracterizam-se por uma profundidade de conhecimento que se assemelha a um pires, leram os livros obrigatórios do ensino básico e o mais filosófico deles foi Capitu. Das notícias só leem os títulos, não leem artigos opinativos e adoram o Datena em suas platitudes. Por não serem treinados na leitura, mal entendem o que leem e acham que o autor disse o que não disse, afirmam o contrário do que está escrito e se julgam o Bem lutando contra o Mal. Desnecessário dizer que sempre representam o Bem! Merecem o neologismo de “leitor(anta)”.
Para quem, como eu, que escrevo há quase vinte anos esta coluna semanal, a cada pouco recebo manifestações via e-mail ou nas redes sociais deste tipo de leitor que diz o que eu não disse, que me julga pelas vírgulas, que vê em mim um cruzado contra a religião cristã, especialmente a evangélica. Certa feita recebi de um pastor uma crítica feroz e me aconselhando a usar este espaço para “pregar o evangelho” e não para apontar as mazelas de algumas igrejas. Respondi a ele perguntando se ele me oferecia o espaço no boletim da sua igreja para eu escrever. Estou esperando a resposta até hoje.
Uma das coisas mais comuns é o maniqueísmo diagnóstico: se ataco algum aspecto do capitalismo, sou comunista. Se ataco algo do marxismo, sou capitalista, se critico uma posição dos evangélicos sou católico etc. Quando da invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos, ao criticar as ações e a mortandade provocada, recebi manifestações dizendo que eu era a favor dos talibãs!
Mais recentemente, em algumas vezes em que critiquei os destemperos verbais do atual presidente, fui acusado de ser comunista, petista, esquerdista. Quando critiquei o PT no governo, fui acusado de ser conservador, retrógrado, capitalista. Quando fiz algum reparo à Lava Jato, fui condenado por ser a favor da corrupção! Um deles me escreveu dizendo que eu sou “inguinorante” e que minha “inguinorança” me descredenciava a ser colunista.
Estamos na época em que qualquer alfabetizado se sente no dever e poder de dizer ao mundo o que pensa, mesmo que sua postagem seja a revelação do quão imbecil é. Neste contexto se inserem os haters, gente especializada em difamar, denegrir e fazer bullying virtual. Machucam pessoas pela aparência que têm, por serem gordas ou magras, cabelo curto ou comprido, e aí por diante. Não é para menos que vários destes famosos fecharam suas contas nas redes sociais.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

FAÇO O QUE QUERO?


Quantas vezes você já fez promessas de que faria regime, exercícios físicos, estudaria todo dia, leria 10 livros por anos? Quantas destas decisões foram cumpridas? Quantas coisas que você “sabe” que deve fazer ou mudar e nunca fez ou mudou?
O saber muda? Esta é uma pergunta que fui instigado a fazer para mim mesmo e tenho feito a algumas pessoas e percebo que, comigo e com outras pessoas, o fato de saber não garante, necessariamente, a mudança nos meus hábitos. Quantos viciados, alcoólatras, diabéticos que “sabem” que drogar-se, beber ou comer doces prejudica a saúde e a vida deles e que continuam nas mesmas práticas?
Quantas mães perderam horas aconselhando seus filhos, ensinando coisas e que veem seu trabalho frustrado porque seus filhos, a despeito de tudo o que ela disse, se envolveram com as coisas para as quais foram alertados? O questionamento não é novo, nem sou eu só que o faço. Já o apóstolo Paulo o fazia (e muito provavelmente outros antes deles, que não conheço): “Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico ... o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está.” (Romanos 7: 15-17).
O dilema é: se sei o que devo fazer e decido fazê-lo, por que nem sempre a decisão consciente que tomo se transforma em ação correspondente? A explicação mais plausível que se tem até o momento é que existem variáveis outras, inconscientes ou conscientes, que interferem no processo volitivo e o sabota, inoculando a ação e fazendo-a abortar.
No processo de entender estes “mecanismos subterrâneos” há a psicanálise, a interpretação de sonhos, a terapia da linha do tempo, a regressão, a hipnose, a terapia cognitiva, behavioral, a abordagem sistêmica, a das constelações familiares e assim por diante por diante. Cada uma delas tem seu valor e apresentam seus resultados, mas, ao fim e ao cabo, sempre fica algo escondido.
Diante disto, a máxima de Sócrates “conhece-te a ti mesmo”, tem sua razão de ser e é pertinente a todos nós. Se ela ainda é valida e a busca por conhecer-se deve ser uma missão individual e solidária, porque conhecer-se implica em ouvir o que outros têm a dizer sobre mim e perscrutar o que posso conhecer olhando para dentro de mim. Ocorre que, como humanos, sempre nos vemos melhores do que somos e do que os outros nos veem.
Há que considerar-se a capacidade humana de auto-engano. Acreditamos nas mentiras que contamos para nós mesmos. E, talvez, a mais terrível delas é enganar-se achando que nos conhecemos profundamente e cada entranha do consciente e inconsciente. A frase “eu me conheço” é uma mentira que acredito porque ela é produzida por mim e para mim mesmo. Acho que é aqui se aplica a máxima sapiencial: “Aquele que vive isolado busca seu próprio desejo; insurge-se contra a verdadeira sabedoria. O tolo não tem prazer no entendimento, mas tão somente em revelar a sua opinião.” (Provérbios 18:1-2).
O conhecer-se se dá no ambiente relacional. Outra vez o sábio: “... na multidão de conselheiros há sabedoria.” (Provérbios 11:14).
Em outras palavras, somos um enigma para nós mesmos!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

SOMOS UM POÇO QUASE TOTALMENTE ESCURO



Depois de vários anos morando fora do Brasil e muito mais tempo para morando fora da casa de meus pais, voltei para lá para ali estar por alguns dias. À noite, levantei-me para ir ao banheiro e, sem pensar ou tentar lembrar, eu sabia onde estava o interruptor e acendi a lâmpada sem problemas. Em seguida fui à cozinha e fui buscar o interruptor e não o encontrei. Eu sabia onde estava, mas, em função de uma reforma, havia mudado de lado. Eu fiquei perdido.
Por que eu sabia o do banheiro e não o da cozinha. Como eu “sabia” se eu não precisei pensar, rememorar ou tomar uma decisão a respeito? Eu simplesmente sabia pelo hábito de, durante anos, ir ao banheiro e saber onde estava o interruptor.
Lembrei-me disto nestes dias. Dirigindo na Califórnia, estava focado nas regras e sinalizações de trânsito. O “Pare” é “Pare”! Se não brecar o carro e olhar para entrar, é sinal de problemas se algum guarda estiver à espreita. No vermelho se pode dobrar à direita se não houver carros vindo. Vira e mexe eu me atrapalho com o “Pare” e só olho e mantenho a marcha se não houver nada que me impeça de fazê-lo. Por outro lado, no sinal vermelho, é minha tendência parar e esperar que o sinal abra para eu fazer a conversão à direita. Isto se deve a um hábito arraigado de dirigir no Brasil. Mesmo sabendo, não faço!
Dia destes, estava parado em um semáforo, meio absorto e dirigindo “no automático”. Eu esperava o sinal abrir para seguir em frente. Sem prestar atenção ao sinal, vi que os carros que estavam na mão oposta se movimentaram e eu arranquei. Não era a minha vez, mas o sinal autorizava para virar à esquerda. Quase uma trombada. Eu estava na força do hábito, uma vez que, no Brasil, são raríssimos os semáforos de três tempos que me permitem virar à esquerda. Eu “sabia” que assim é aqui, mas este conhecimento não valeu. O força do hábito foi maior. Para dirigir aqui, terei que praticar muitas vezes para que meu hábito arraigado nos “meus ossos” determine um comportamento diferente.
Outra coisa que me intrigou é como eu “sei” que devo falar em inglês com meus netos e o faço de forma automática. Quando estou com hispanos, “sei” que devo falar em espanhol e com os brasileiros em português. Não preciso “decidir”. Sai no automático.
Estas coisas se estendem a outras coisas menos importantes. Não preciso decidir comer de boca fechada, colocar a mão na frente da boca quando vou tossir ou espirrar, não fazer barulho “chupando” a sopa que está na colher, lavar as mãos depois de usar o banheiro, etc. Estes são saberes incorporados pela repetição desde a mais tenra infância, de tal forma que minha identidade é também formada por estes saberes inconscientes, mas que se tornam visíveis e notados quando a eles presto atenção. Mas também sou mais do que conheço a meu respeito e nem sempre sei dar razão a algumas coisas que faço automaticamente. Nem tudo sei explicar e o que explico sobre mim, nem sempre está correto. Sou um enigma para mim mesmo!
As terapias analíticas tentam me fazer descobrir este subsolo da minha (in)consciência. Podem fazer bom trabalho, mas arrancam uma ou duas camadas da escavação de um poço escuro que todos somos. Ainda é vigente o alerta do filósofo: conhece-te a ti mesmo!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

FALSOS PROFETAS


É fácil encontrar citações bíblicas alertando para os falsos profetas, pois eles são praga eterna e comum. Se o sábio falso é raridade, o profeta falso é achado em quantidade. Para reconhecê-los talvez o melhor caminho é olhar para as características do verdadeiro e perceber os que dele se desviam.
O verdadeiro profeta é apartidário. Ele não apoia este ou aquele candidato ou partido. Ele deve ser independente para poder dizer o que pensa deste ou daquele, mesmo os mais poderosos. Ele, no entanto, não é imparcial, visto que tem um compromisso radical com os pobres, as viúvas, explorados, estrangeiros e órfãos. Sempre está do lado deles. Como disse Max Weber, no antigo Israel havia a realeza mancomunada com os sacerdotes, o povo explorado por eles e o profeta que denunciava as injustiças da realeza/sacerdócio na exploração do povo.
O profeta, na pura acepção da palavra é “o mensageiro da parte de ... ”. Ele traz a mensagem da parte de Deus, palavra de denúncia e esperança. Não é o vidente que prevê o futuro, ainda que diga o que acontecerá caso insistam nas práticas iníquas. Seu exercício de futurologia é o da lógica que levas às últimas consequências os atos desastrosos praticados. Não é para menos que muitos o veja como vidente, como anunciador do futuro em termos visionários. Para tanto o Deuteronômio orienta: “Como saberemos se uma mensagem não vem do Senhor? Se o que o profeta proclamar em nome do Senhor não acontecer nem se cumprir, essa mensagem não vem do Senhor. Aquele profeta falou com presunção. Não tenham medo dele” (Dt 18:20-22)“. Outro alerta vem de um profeta: “Assim diz o Senhor Deus: Ai dos profetas loucos, que seguem o seu próprio espírito sem nada ter visto! ... Tiveram visões falsas e adivinhação mentirosa os que dizem: O Senhor disse; quando o Senhor os não enviou; e esperam o cumprimento da palavra. (Ez 13:3-7). Jesus também alertou: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis” ( Mt 7:15).
Pastores, bispos, apóstolos ou missionários que se apresentam como abençoadores de governo e deles necessitam para manter suas estruturas midiáticas ou religiosas, reproduzem o que havia no antigo Israel: a realeza casada como o sacerdócio para explorar o povo. É verdade que devemos orar pelos governantes, mas a mesma Bíblia estabelece que eles foram instituídos para punir os ímpios e zelar pelos pobres, estabelecendo a justiça e a paz.
A religião extorque com os impostos religiosos (dízimos e ofertas), assim como a realeza se mantém pelo extorquir via pesados impostos. A injustiça se dá no campo religioso e no governamental: se, quanto mais eu oferto na igreja, mais sou abençoado, o pobre está lascado. Se quanto mais rico eu for, menos imposto eu pago (jatinhos e iates não pagam imposto!), o fato de ser rico me dá um plus para ser ainda mais rico. O pobre paga mais e, por isto, está mais propenso a continuar na miséria. Isto gera a concentração de renda via lógica draconiana, perversa, iníqua e pecaminosa.
Na análise/diagnóstico para se conhecer os falsos ou verdadeiros profetas não se pode usar a lógica maniqueísta: se denuncio o governo A não significa, necessariamente, que sou a favor do governo B. O profeta denuncia erros e injustiças, mas isto não o compromete como apoiador da oposição. Sua posição sempre é de luta a favor dos pobres e explorados.
Como disse o sábio: “Não havendo profecia, o povo se corrompe” (Pr 29:18). Tomo a liberdade de modificar ligeiramente: “Não havendo profecia o governo se corrompe”.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

FALSOS SÁBIOS


Na minha última coluna pontuei alguns aspectos característicos do sábio e do profeta e a distinção entre eles. Recebi alguns comentários que me levaram a refletir mais sobre o assunto e a ele quero voltar.
Tanto o sábio como o profeta são pessoas de fala comedida e campos limitados de atuação. Como eles não têm resposta para tudo, sabem que o silêncio é sabedoria. O sábio fala pouco porque sua fala é fruto da reflexão, análise, investigação e, assim creio, ele é sábio em uma ou outra área, mas não o é em todos os assuntos. Uma pessoa que se acha entendida em todas as áreas, que entende de cesariana a motor a explosão, não é sábia: é cega e não se enxerga. Elas me fazem lembrar uma coisa que vi escrita em um muro de uma oficina mecânica em Manágua, Nicarágua: “especialista em carros nacionais e estrangeiros”. A primeira questão que me veio à mente foi perguntar qual era o carro nacional nicaraguense. A segunda foi questionar como podia entender de tudo.
Disto se tem duas características para se conhecer o falastrão do sábio, o verdadeiro do falso: quem fala muito, dá bom dia prá cavalo, fala besteiras, vomita insensatez. Disto temos exemplos no cenário brasileiro, especialmente no campo da política. A segunda é que o verdadeiro sábio não fala do que não entende, não julga o que não sabe, não acusa de ser falso o que não compreende. Se o faz é tolo e não sábio. É falso sábio.
Fiquei a me perguntar e revisar minhas memórias de um falso sábio e, confesso, não o encontrei. A razão para isto é que o falso sábio é descoberto e desacreditado em pouco tempo. Basta algumas conversas para que sua tolice seja explicitada e o pretenso sábio passa a ser motivo de chacotas.
Quero acrescentar uma terceira característica: o falso sábio se proclama como tal. Ele se afirma como sábio, se comporta como se tal fosse, se intitula como tal. No máximo tem um séquito de alguns cegos tão tolos quanto ele, que o aplaudem, muitas vezes familiares tão tolos quanto. O verdadeiro sábio é reconhecido como tal e nunca autoproclamado.
Há outra questão. O sábio, me parece, se atém à área das humanas. Ele fala e se posiciona sobre comportamento, valores, ética, conflitos, etc. O equivalente do sábio para as ciências e arte é o gênio. Einstein, Da Vinci, Michelangelo, Thomas Edson, Pascal, Lavoisier não são chamados de sábios, mas de gênios. Einstein era gênio, mas no campo das relações humanas, especialmente nas relações familiares, era um desastre. Da Vinci era um procrastinador inveterado e entregou meia dúzia das muitas encomendas que recebeu e que por elas recebeu. Michelangelo era de difícil trato, bem retratado no filme “Agonia e Êxtase”. Prosaicas são as histórias sobre o gênio Steve Job.
No entanto, a bem da verdade, devo admitir, alguns poetas maravilhosos, escritores talentosos, músicos que quase nos fazem tocar o divino quando os ouvimos, ainda que estejam na área que eu definiria como própria para os sábios, não são assim chamados. Penso em Frost, Victor Hugo, Goethe, Platão, Aristóteles e outros que são mais comumente chamados de gênios e não de sábios.
Para finalizar, não é a política o campo para os sábios. Eles têm um compromisso com a verdade, coisa rara na política. Alguns bons políticos são chamados de estadistas, mas não de sábios. Abraham Lincoln talvez possa ser considerado como tal, Mandela é outro. Estadista é o título para os políticos que se destacam e lideram a classe. Muitos políticos, especialmente os falastrões, estão mais para tolos que para sábios.
Quem sabe ler entenderá!

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O SÁBIO E O PROFETA


Na cultura grega ser considerado sábio era o ápice. Tal reconhecimento não era fruto de autoproclamação, auto reconhecimento ou petulância de quem assim se arvorasse. Ser sábio era o fruto de longa caminhada no saber e no discernimento das coisas. O sujeito inteligente, ou o que muito sabe, não, necessariamente, era sábio. Por outro lado, o sábio, não necessariamente, precisava ser dotado de acúmulo de saber, mas de percepção clara das coisas, dos fatos, das pessoas.
Trazendo para nossos dias, o sábio não é quem tem um PhD em algo, ou um título de Livre Docência, que tenha escrito muita coisa ou livros. O sábio pode ser alguém que, não tendo caminhado as trilhas do saber acadêmico, entende das coisas, normalmente as comezinhas. Não é um autodidata (que se caracterizam pela arrogância), mas alguém que aprendeu no convívio social, nas interações humanas e nas comunicações ecléticas. No dizer de Gramsci, acho, é o intelectual orgânico.
Na cultura hebraica e na semita, o ápice era ser profeta, no sentido de ser uma pessoa inserida na comunidade e que se compromete com a história. Tanto no sentido hebraico como no grego, a palavra que fala do profeta, não é a do vidente. Ainda que possa haver textos onde a conotação aparece, considerada no seu strictu sensu o profeta é o “que fala da parte de”, é o mensageiro, a pessoa dos recados. Daí porque ocorre com frequência a expressão “veio a mim a palavra do Senhor dizendo”, “vai e dize ao meu povo”, “assim disse o Senhor”
No ambiente hebraico, o profeta era alguém da comunidade, que vivia os dilemas sociais e econômicos dela, e se comprometia com a denúncia dos erros e pecados, especialmente dos dirigentes e governantes. O profeta tinha um compromisso radical com os pobres, viúvas, órfãos, estrangeiros, sujeitos prediletos dos exploradores e governantes injustos. Daí porque, no mais das vezes, a palavra profética é a da denúncia, do juízo sobre esta casta exploradora, sempre em favor dos menos favorecidos. A pregação profética da esperança futura não tem nada de visão, antecipação ou premonição, mas é o desejo genuíno de que haja mudanças na situação. Mais que uma revelação antecipatória é uma aspiração sublimatória do momento presente pela esperança futura.
Colocadas e explicitadas estas coisas, não preciso de muito espaço para afirmar que a relação profeta/reis/governantes/pseudo sacerdotes é espúria. O profeta não se assenta com os escarnecedores, com os exploradores, com os que praticam injustiças. Ele fica de fora destes círculos, dos palácios e só se dirige a eles para denunciar seus pecados e injustiças. Ele também se dirige aos explorados para dizer: vai haver troco, vai haver novos tempos, aguenta que Deus vai virar o jogo! O casamento do profeta com o governante é adultério e promiscuidade. Pior que isto é o governante se apropriar dos símbolos e discursos da religião, para passar a imagem de que seu governo é ungido e que ele faz a vontade de Deus. Quer parecer sábio ao dizer quem é terrivelmente evangélico.
Devemos lembrar que algumas das piores ditaduras que a humanidade conhece e viveu foram ditaduras religiosas, seja em nome de Javé, de Alá, ou outro deus qualquer. O presidente que se acha messias é um risco aos governados. Assim foram Pinochet, Hitler, para citar dois dos mais recentes. O messianismo que acreditavam e sustentavam validava as coisas que faziam. Uma coisa é ter metas no governo, outra é ver isto como missão com tempero religioso e discurso pseudoteológico.
Também acintoso é o governante que vai aos templos e se arvora pregador e recebe benção de sacerdotes que estão sub judice.
Marcos Inhauser