Elas entraram na história não é de hoje. Também não é de
agora que elas estão envoltas em projetos de poder político com roupagem religiosa.
Conta história que, no informe Albuquerque de 1514, antes
mesmo que os descobrimentos continentais feitos por espanholes e portugueses
tivessem atraído a maior parte dos colonos, Espanha destinou um milhar de
espanhóis quando só restavam 29.000 indígenas, demonstrando que os anos
primeiros foram terríveis na mortandade dos nativos. Georg Friederici em seu
livro “Caracter del Descubrimiento y la Conquista de America” (Fondo de Cultura
Económica, Mexico, 1987, pg. 397) relata que o cortar das mãos aos prisioneiros
de guerra (nativos) e obrigá-los a sair correndo, era uma crueldade que se
praticava na Espanha antes do descobrimento da América. Na América os espanhóis
fizeram uso destes recursos com uma crueldade ainda mais espantosa, Depois de
cortar as mãos e os pés dos homens e os seios das mulheres, eles os obrigavam a
arrastar-se ou andar até que morressem por esgotamento sanguíneo. Era um
espetáculo que propiciavam aos demais para infundir o terror.
Cieza de León em sua obra “Guerra de Añaquito”, citado pelo
mesmo autor antes mencionado, afirma que “os piores exemplos da pavorosa e
desalmada crueldade e da contextura moral dos conquistadores nos brinda ... no
campo de batalha de Añaquito, onde o licenciado Benito Juarez de Carbajal, como
uma hiena sedenta de sangue, estava em busca do representante do monarca
Carlos, o vice-rei Blasco Nuñes de Vela. Encontrou, por fim, o ancião
dignatário ferido, mas não mortalmente e ainda em estada de consciência. Ele o
cobriu de impropérios e teria cortado pessoalmente a sua cabeça se seu
acompanhante, Pedro de Puelles, não o tivesse alertado da infâmia de tal ação.”
Conta a história de Blasco Nuñes obrigou a seu escravo a cortar cabeça ao vice-rei,
tomou-a pelas barbas e saiu caminho afora levando o troféu e apresentando-o a
todos quantos encontrava.
No “Arquivo Geral da Índias” se lê que “muita da prata que
se tira daqui para esses reinos é beneficiada com o sangue dos índios e vai
envolta em suas peles” (Dussel, Henrique. Caminhos da Libertação Latino
Americana, Ed. Paulinas, 1989, pg.59).
Bartolomé de la Casas, dominicano e voz profética de denúncia
dos desvarios da corte espanhola, afirmou que “a causa foi a cobiça e ambição
insaciáveis que possuíam, que foram as maiores que podem existir no mundo ...
não tiveram nem respeito, nem estima, que não digo que as trataram como bestas,
mas como menos que esterco das praças” (Dussel, idem, pg 59-60).
Contraponto a Bartolomé de las Casas estava Gines de
Sepúlveda, quem, baseado numa questionável Teologia Natural, alegava que os
indígenas não tinham alma e que, portanto, não eram seres humanos. Este Ginés
teve uma infância e adolescência cheia de insucessos e problemas (mentais?),
com atos e escritos que beiram ao ridículo. Hoje, talvez, fosse diagnosticado
como esquizofrênico ou bipolar.
São duas posturas religiosas: uma que usa dela para
fundamentar um projeto político imperialista. O outro que usa da teologia para
denunciar os desvios dos governantes e religiosos apaniguados. A retro-oculatra
mostra do acerto do profeta em detrimento da voz mancomunada com o poder.
A minha sensação ao fazer este reconto histórico é que ele é
muito atual. As hienas sedentas estão por aí, mas pregadas pelos Ginés de
Sepúlvedas modernos.
Marcos Inhauser