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quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

GILMAR TOFFOLI NATALINOS

A tradição brasileira, tanto no legislativo como no judiciário, é que as decisões mais importantes são tomadas ou na calada da noite, ou nos estertores do ano legislativo ou judiciário. Assim foi a aprovação da “censura na internet”, votada no dia último 05 de outubro. O mesmo se deu com o pacote contra a corrupção que foi mutilado pelas muitas emendas e alterações.

A poucos dias outro fato pitoresco e grotesco: o Presidente da comissão, Caio Narcio (PSDB), anunciou votação e proclamou aprovação de projeto sobre cursos de saúde à distância! A desfaçatez está no fato de que não havia ninguém na hora da votação. Só ele!

Mas o que me choca é o sentimento natalino que se bate sobre alguns ministros do STF nos finais de ano. O mais afetado pelo espírito cristão é o Gilmar Mendes, a quem já dediquei uma coluna, pelo mesmo motivo, com o título Gilmar Noel Mendes. Nele escrevi: “no exercício do sagrado dom da misericórdia, o judiciário que ele representa e que por ele assinou, deu habeas corpus ao médico Abdelmassih (tantas vezes negado anteriormente), anulou a sentença do juiz De Sanctis condenando Daniel Dantas no caso da empresa Kroll, paralisou a ação da operação Satiagraha. Neste espírito natalino, a esposa do traficante Juan Carlos Abadía, a Jéssica Paola Morales, também recebeu a permissão para sair da prisão e ficar com a mãe que a visitaria”.

A coisa se repetiu neste final de ano. Ele e seu colega Toffoli, contagiado pelo dom da misericórdia e perdão do Gilmar, avalizou as decisões tomadas. Suspendeu o inquérito contra o governador Beto Richa, deu prisão domiciliar para a Adriana Ancelmo,  livrou da ação o senador Benedito de Lira e o deputado Arthur Lira, ambos do PP que teriam recebido R$ 2,6 milhões de propina entre 2010 e 2011; também inocentaram o deputado José Guimarães, do PT, denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de ter recebido de R$ 97 mil em troca da liberação de empréstimo para a construtora Engevix. Novamente, o deputado Eduardo da Fonte, do PP, também foi salvo, sob a alegação de que a denúncia não era substancial.

Parece que, para a dupla, para ser considerada denúncia substancial, precisa haver recibo com firma reconhecida e duas testemunhas. Vídeo com quinhentos mil, áudio com provas, não são “substanciais”.
Para selar com chave de ouro o seu período natalino e de papai Noel, o Gilmar proíbe a “condução coercitiva”. Agora corrupto, ladrão, engravatado, dono de mandato, pode escolher a hora e local onde prestar depoimento. Nada de ser levado sob convite!
O Toffoli, expert em pedir vistas, tem usado do recurso como instrumento político protelatório. Causas já definidas com a maioria dos votos proferidos é paralisado pelo ministro cego que pede vistas. Tenho para comigo que um pedido de vista é uma afirmação de incompetência. O assunto está no tribunal há tempos e ele vem dizer que precisa de tempo para estudar a matéria. O que fez antes?
Se eu fosse o Eduardo Cunha, Geddel, Delcídio, Eduardo, Henrique Alves, Lula, Cabral, ou algum outro que recebeu alguns votos na vida e “tem ou teve foro privilegiado”, clamaria aos céus para que meu recurso ao STF caísse para o Gilmar julgar. Seria livramento garantido.

Este espírito natalino me envergonha, assim como boa parte da nação brasileira. Não precisamos destes Papai Noeis!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

ANJO COM CÂNCER

Esta coluna eu a tenho na mente há alguns anos. Não vou colocar nome na pessoa por algumas razões: levaria uma baita bronca dela (quem detesta holofote), quem a conhece sabe que estou falando dela e quem não a conhece o que importa saber é que há anjos de carne e osso.
Por várias vezes e sempre pela mesma razão tive que adiar a publicação, porque, em vista da saúde dela, poderia parecer que o que escrevo é comiseração. Queria escrever o que vou dizer em um contexto de saúde. Não consegui e se o faço é porque quero dar a ela uma palavra de alento.
Eu a conheço há uns 46 anos. Ainda na pré-adolescência, foi daminha de honra do meu casamento. Desde então venho acompanhando sua vida e sempre a admirei por sua atitude positiva frente à vida e seus percalços. Acompanhei sua juventude, casamento, filhas e desenvolvimento profissional. Sempre admirei seu compromisso com a fé e a maneira como vive de maneira prática e significativa a vida cristã abençoando todos quantos a conhecem.
Há algumas coisas que nela me edificam e me fazem admirar. A sua disponibilidade constante em ajudar aos outros. Enumerar as vezes e os fatos em que ela esteve envolvida fazendo algo em benefício de alguém é trabalho sem fim. Seu coração alegre e generoso tem sido benção. Dizer do seu trabalho maravilhoso na igreja como pianista é falar o óbvio.
Filha de um pai abençoado e abençoador e de uma mãe que se entrega de alma ao ministério de oração, ela pegou o DNA dos dois: abençoadora com palavras, ajuda e orações. Leva a sério a recomendação bíblica de que a mão esquerda não deve saber o que a direita faz. Assim, o que dela sei foi por testemunho de outros e nunca porque ela tenha me contado.
No auge de sua vida descobriu-se com um câncer no seio. Encarou-o com serenidade, fez o que devia ser feito, levantou a cabeça e continuou sendo o mesmo anjo que sempre foi. Alguns anos mais tarde descobriu um câncer no fígado. A mesma determinação e enfrentamento. Daí veio o do pâncreas e depois, outra vez, o do fígado. Continua sendo o anjo que sempre foi.
Dia destes conversávamos e ela contava o quanto tem tido a oportunidade de ajudar pessoas que estão na mesma condição, quando das aplicações que deve fazer. Abatida pelo tratamento prolongado, tem mostrado uma fé abençoadora. Assim são os anjos!
Não entendo por que Deus faz estas coisas. Por que Ele bota de molho alguém que fez da sua vida uma benção para muitos? Por que ele deixa familiares, amigos e abençoados por ela no estresse de acompanhar a evolução do seu tratamento? Porque alguém cheio de vida precisa ficar de molho até recuperar as forças para continuar fazendo o que sabe fazer: abençoar? Por que Deus permite que anjos adoeçam e ainda mais de câncer?
Ela é a negação da teologia do mérito. Ela não merece o que está passando porque, se Deus é verdade que abençoa os retos e castiga os injustos, ela nunca deveria ficar doente.
Tô brigando com Deus por causa dela. Sei que vou perder a briga, mas sou honesto em dizer a Deus o que penso: Ele está errando com este anjo! Já passou da hora de curar este anjo!
Marcos Inhauser


quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A ESSÊNCIA DA IGREJA

Estou dando um curso à distância para alunos que são hispanos nos Estados Unidos. O curso, por causa da modalidade, é experiência nova para mim que sempre dei cursos presenciais e podia “ler a classe” e acertar o caminhar do conteúdo com a linguagem corporal dos alunos. As aulas versam sobre a história da igreja, especialmente voltadas para os movimentos anabatistas e petistas.
Para que houvesse certo consenso no que os alunos entendem como sendo igreja, dada a diversidade de opiniões e conceitos, trabalhei dois elementos: a essência e a forma da igreja. Por essência se deve entender aquilo que, se retirado ou inexistente, deixa de ser igreja. É o mínimo necessário para que um agrupamento religioso possa ser considerado como tal.
Por forma se entende tudo o que “enfeita”, “adorna” a essência. Neste quesito está a cultura, o idioma, as músicas, a liturgia, os cânticos, as vestimentas, os horários e dias de reunião, a estrutura organizacional, os cargos e ofícios, as celebrações, etc. A essência não pode mudar. É a mesma em qualquer lugar, mas a forma deve mudar para que o grupo se adeque ao seu contexto e às pessoas que dele participam.
Ainda que possam parecer simples, estes dois elementos encontram dificuldade em ser definidos, especialmente no que à essência se refere. Em um dos testes, pedi que me listassem cinco elementos essenciais da igreja e tive tantas respostas quanto alunos. A variedade do que entendem como essência me causou espécie, e me fez refletir sobre o que se entendem como sendo igreja, o que eu entendo como essencial e o que, histórica e teologicamente devem ser considerados como elementos essenciais.
Um elemento foi comum a todos eles: a centralidade de Cristo, ou o cristocentrismo. Na avaliação das respostas dadas surpreendi-me em perceber que eu mesmo não saberia dar os elementos essenciais que fossem consenso com outros colegas. No refletir sobre o assunto, percebi que há um elemento que eu nunca havia incluído. É sabido e ensinado que Jesus deixou a lei magna, pela qual toda a lei de Deus é cumprida: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Esta tríplice dimensão do amor (Deus, próximo e mim mesmo) deve estar na essência da igreja. Ela deve promover o amor a Deus e isto, de uma forma ou outra, questionável ou não, todas se declaram como imbuídas desta missão.
O problema surge no exercício do amor ao próximo porque muitas segregam, discriminam condenam ao diferente ou ao que não pertence ao grupo ou dele diverge nos ensinamentos. Não é raro ver ou escutar de pessoas que foram condenadas ao inferno porque não pertencem a esta ou aquela denominação ou “seita cristã”, de igrejas que mandam ao inferno ao diferente por sua opção sexual, por ter roubado, ou assassinado. Por se verem como “santos e santificados”, entendem que pertencem a uma classe especial de seres humanos porque agraciados com a benção da justificação e, pela presença e ação do Espírito Santo, se comprometem com a santificação que os “tira do mundo”.
Mais ainda: não há um compromisso sério de promover o amor a si mesmo, com medo de estar promovendo o egoísmo. Antes, a pregação é culpabilizante, tripudiando a pessoa com a ideia de uma velha criatura, qual cadáver insepulto que está a atormentar o crente, levando-o à tentação e pecado. O ser humano convertido não é portador de virtudes, mas de erros e pecados potenciais. Assim, as igrejas se transformam em demolidoras de autoestima.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

MICROCORRUPÇÕES

Estamos assustados com os milhões que correm solto nos vários esquemas revelados pela Lava Jato. Pior: o Joesley nem fala de milhões, mas de “milhão”, tudo no singular, como se um, dois ou mais fossem a mesma coisa.
No entanto, há um tipo de corrupção miúda correndo solto, que nem sempre estamos atentos a ela e que prejudica tanto ou mais que a corrupção graúda. Por ser pequena não há delação premiada, nem TV. Falo das microcorrupções.
Quem nunca viu em um restaurante, bar, padaria, alguns policiais parados como se estivessem protegendo aquele patrimônio específico? Quem nunca viu eles comerem algo, almoçarem e saírem sem pagar, como “cortesia da casa”? Isto não favorece o estabelecimento em uma relação de desigualdade quando se tratar de eventos concomitantes? Se há dois eventos e eles tiverem que atender a este ou aquele, qual deles vão preferir atender? O que lhes dá comida de graça ou o sujeito que nunca souberam sequer que existia?
Quem nunca viu policiais, especialmente os rodoviários, pegando caronas em viagens intermunicipais? Param o ônibus, sobem, quase sempre ficam em pé ao lado do motorista e vão com ele conversando. Em quase todos os ônibus há um alerta de que se deve falar com o motorista o estritamente necessário. Mas se é Policial Rodoviário pode conversar e falar de tudo, de futebol a política. Se a conversa distrai o motorista como faz supor o aviso, porque ele pode ficar conversando? Se amanhã ou depois este policial flagrar este “amigo motorista” em alguma infração, terá ele o mesmo rigor que terá com um cidadão comum? Não é isto uma forma de “amaciar” e reduzir multas?
Outro caso: a pessoa está em um Pronto Socorro, na fila para ser atendido e um parente fica sabendo que estão demorando para atender. Ele conhece o prefeito, o vice ou algum vereador e liga para a “autoridade” relatando o ocorrido. Porque sabe que atender ao pedido estabelecerá uma relação de dívida, o prefeito ou vereador liga para a unidade de saúde e pede para dar prioridade ao caso do parente que está na fila e este é imediatamente atendido e, se for o caso, hospitalizado. O paciente e os parentes vão ser “gratos” e votos estão sendo cabalados. Ocorre que esta pronta ação do “dependente dos votos” implica que alguém que estava na fila vai ficar para trás, que quando chegar a vez do próximo e este precisar de um leito, não vai ter porque o paciente que tem boas relações políticas, furou a fila.
A pessoa é policial e está viajando com seu carro, dirigindo-o em alta velocidade. Ele é parado pela Polícia Rodoviária. O motorista desce do carro e bate continência para o patrulheiro rodoviário. No máximo, o que pode ocorre é que o rodoviário diga que ele está acima do limite de velocidade, mas o “espírito de corpo” não vai permitir que ele “prejudique o colega”.
As constantes visitas do Gilmar Mendes e do Toffoli ao Temer e, especialmente, as decisões favoráveis às causas do presidente dadas por estes dois, devo entender como sendo coincidência (como querem fazer supor), ou como troca de favores? O insuspeito absoluto, ao presidir o TSE no julgamento da chapa Dilma/Temer, não fez um grande favor ao amigo? O antigo advogado do Dirceu e do PT, ao pedir vistas para um processo que ele não mais conseguirá reverter o resultado, o fez por preciosismo jurídico ou para favorecer a um grupo seleto de indiciados que temem a primeira instância?

Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

RODA DOS ESCARNECEDORES

Aprendi o Salmo 1 de memória na minha infância, antes mesmo de saber ler. A memorização completa dava direito a um brinde na Escola Dominical da qual eu participava. Desde aquela época eu não entendia o que significava o “assentar-se na roda dos escarnecedores”. Fui ao dicionário e encontrei como afrontoso, difamador, oprobrioso, motejador, zombador, zombeteiro. Mas nunca havia entendido direito a tal da roda dos escarnecedores.
Por algumas vezes pensei que sentar-se com os amigos e contar umas piadas pudesse ser a roda. Outra, pensei que seriam as conversas das/os fofoqueiras/os. Quando trabalhei no presídio, cheguei a pensar que uma cela e suas conversa pudesse ser.
Mas foi só recentemente que a ficha foi caindo. O primeiro degrau da ficha caindo foi no julgamento da chapa Dilma-Temer, quando, no que pese a abundância de provas e a muito bem fundamentada relatoria, alguns ministros do TSE, capitaneados pelo escarnecedor-mór, o Gilmar Benevolente Mendes, mandaram às favas as provas e decidiram absolver o amigo do ministro narcísico. Para mim aquilo foi uma afronta ao Direito, à justiça e à seriedade que se espera de um colegiado de juízes.
O segundo degrau da queda da ficha foi no julgamento da “questão Aécio”, quando, no exercício de sofismas indecifráveis, a presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, proferiu um voto transversal, que cada qual entendeu como quis. A coisa foi tão deprimente e desastrada que ela mesma não teve a coragem de pronunciar o que havia decidido, cabendo ao ministro decano, Celso de Mello, “costurar o remendo” que ela havia proferido. O STF criava o Supremo Tribunal Congressual, maior em poder que o Supremo Tribunal Federal, pois uma decisão do STF poderia ser cassada pelo STC. O STF deu uma atropelada no princípio básico de qualquer estado de direito: não pode alguém ser julgado por si mesmo, por seus parentes, ou por pessoas que estão sob sua influência. A Carmen deu aos acusado o direito de dizer se queriam ou não ser julgados.
Deu no que deu: Aécio livre, todo serelepe, cassando o presidente interino, colocando uma pessoa de sua confiança, detonando o partido, e sei lá o que mais pode acontecer.
Escárnio foi a soltura do Geddel, muito mais quando se sabe que, na sua prisão domiciliar, aproveitou para destruir provas. Escárnio foi a soltura do Zé Dirceu, do Barata (amigo do ministro narcísico), a prisão domiciliar do Abdelmassih, o acordo de delação premiada da JBS e outros casos mais que recentemente abalaram a fé pública em um judiciário independente.
Escárnio máximo foi a decisão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Em tempo recorde, atropelando a bom senso e o regimento, revogaram a decisão unânime do colegiado de juízes e emitiram ordem de soltura, como se para tanto tivessem autoridade. Os deputados se assentaram em roda, na Assembleia Legislativa e, juntos, escarneceram dos funcionários públicos que não recebem salários porque uma quadrilha (ou “familha”) meteu a mão. Quem, na casa, não sabia das maracutaias? Quem não se beneficiou delas? Tanto que até parlamentar de oposição votou a favor da soltura do chefe da familha.
Estamos a ponto de ver outro escárnio. O STF que decidiu pela prisão de condenados em segunda instância, está a ponto de escarnecer e rever a decisão tomada. A razão: alguns amigos dos togados estão ao ponto de serem presos. Basta ver as dezenas de ligações telefônicas entre o Aécio e o Gilmar, reveladas pela PF. O Renan, Jucá, Padilha, Moreira Franco, Sarney, Rodrigo Maia, e outros estão na mira da segunda instância. Vamos livrá-los! Este é o lema!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

LITURGIA

Liturgia é o nome dado desde os tempos apostólicos para o ato de tomar parte de uma solenidade cúltica, pública e corporativa. Tem o sentido original de “serviço público”. Percebe-se aqui três dimensões. A primeira é que é um ato solene, o que implica em algo especial, consciente, feito com a devida reverência. A segunda é que é um ato público, pois dele devem participar todos os que queiram e dele devem tomar conhecimento, nada sendo feito na obscuridade. A terceira é que é um ato que se realiza com a presença de pessoas e não é individual.
No Cristianismo, este culto público e solene é prestado pelo corpo de fieis, também reconhecidos e considerados como sacerdotes, naquilo que se conhece como sacerdócio universal. Todos os participantes são credenciados pois formam a nação sacerdotal (aqui presentes o corporativo e o solene). Sendo assim, a liturgia é o culto feito pelos membros de uma comunidade, que, como igreja, solenemente louvam, oram e intercedem a Deus uns pelos outros.
Ocorre que, nos seminários, no mais das vezes, o que se ensina como liturgia é a prática dos ritos religiosos, combinado com o emprego de símbolos, cerimônias e ornamentos. O ensino da liturgia se preocupa em responder à questão: como se cultua? E o que se faz é ensinar as regras para um culto bem celebrado, segundo as regras e cânones.
Ocorre que, na quase totalidade dos cultos liturgicamente celebrados (e mesmo nos que não obedecem tais regras por não conhecê-las ou por criticá-las), o culto público e corporativo é um culto individual, onde o pastor, sacerdote ou o líder da liturgia, o presta sem o concurso dos presentes. Quando se dá a participação pública é para recitar frases, cantar alguns cânticos ou fazer uma breve oração. É ele quem decide a ordem, quem faz o que, o que vai ser cantado, quem vai orar. Acaba se transformando em ação individual onde um-só-faz-por-todos. Isto sem contar aquele que canta, ora, faz solo, prega, dá a benção e fica à porta para ouvir os elogios. No dizer futebolístico “bate o escanteio e corre para cabecear a bola”.
Neste sentido causou-me estranheza quando, em uma viagem de ônibus, escutei uma senhora no banco de trás, dizendo que o pastor a havia convidado para “dar o culto” no domingo Ela ia cultuar. Eu pensei: e a igreja? Não é para menos que a maioria dos cristãos falam em “assistir” ao culto ou à missa e nunca falam em “participar”. A liturgia acaba sendo o show de um.
Se o culto deve promover e incentivar a intimidade com Deus, no “culto-de-um-só” a intimidade do pastor ou sacerdote é que é promovida. O culto é lugar de encontro das diferenças e deve ser espaço para conhecer o outro que comigo participa, saber da sua fé e experiências. É o lugar para perceber a diferença e para entender e aceitar que não são as diferenças que nos unem no culto, mas a humanidade comum que temos e a nossa necessidade de Deus. Na oração conjunta, onde oro e recebo as orações de outros que, tanto quanto eu, também estão ansiosos. Nisto sou aliviado e curado.
O culto e a missa, por serem celebrações públicas, são espaços para tornar cada um dos participantes visíveis e públicos. Não pode ser espaço para o anonimato, para segregação. É o espaço para tornar pública minha oração individual e privada. Onde é que, nos cultos e missas, o adorador/cultuador tem a chance e oportunidade de orar em voz alta o que lhe vai no coração?

Marcos Inhauser

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

FMF

Também poderia ser FaMedFa ou FaMedFac.
Tenho ficado impressionado com a quantidade de coisas que entram no meu e-mail, Whatsapp ou Facebook falando de remédios alternativos, que curam desde calo até Alzheimer. Juntamente com esta enxurrada, vem as “pesquisas” de cientistas e Universidades, que “descobriram” isto ou aquilo.
Já escrevi aqui que não sou afeito às redes sociais. Uso-as esporádica e parcimoniosamente. Mesmo assim estou entupido de coisas médicas e pesquisas mil. Imagino quem é aficionado ou viciado nas redes. Não é para menos que a quantidade dos hipocondríacos tem aumentado exponencialmente.
Por outro lado, percebo na conversa de certas pessoas que há, cada vez mais, gente que se julga entendida nas doenças. Mencione em uma roda de pessoas que você tem gastrite, pressão alta, intestino preso, tosse há algum tempo, alergia ou dorme mal: você receberá um caminhão de receitas!
Isto tem resultado numa multidão que recorre aos médicos para que estes receitem o que já sabem e querem. Eles chegam, dizem ao médico o que têm e pedem que ele receite o remédio X, Y ou Z. Conversando com alguns deles, senti que eles enfrentam a geração “medicina Google”. Pegam o resultado de um exame, veem palavras difíceis, vão ao Google, digitam e já saem com um diagnóstico. Um deles me perguntou: para que vir ao consultório se já sabem o que têm e que remédio tomar?
Há algum tempo recebi de um médico amigo um e-mail. Estranhei porque ele tratava das maravilhas da banana. O e-mail dizia que ela cura uma enormidade de enfermidades, repõem potássio, vitaminas, regulariza intestino, tem baixa caloria e tem alto poder nutritivo, etc. e tal. Ao final ele dizia: estou largando a medicina e fechando o consultório. Vou plantar banana porque, com todas estas capacidades da fruta, não terei mais espaço para a minha prática.
Aliado a isto há os remédios milagrosos para fazer nascer cabelo, para insônia, para perda de pessoa, suplementos vitamínicos os mais variados, todos com poderes acima da média. Ressuscitam até mortos, a acreditar-se na propaganda. Busca-se informações e tem-se, invariavelmente: vendido somente pelo site ou telefone. Não se sabe o laboratório, farmacêutico responsável, se tem ou não aprovação da Anvisa. Ainda bem que nuinca ninguém veio me falar das maravilhas do chuchu, da abobrinha e do jiló. Morro de fome, mas não como isto!
Outros dizem que curam a fibromialgia. É uma mensagem que, quando você se dispõe a assistir, toma uns 40 minutos, falando e repetindo coisas para, ao final, tentar vender um livro.
Some-se a isto os propagadores da cultura fitness. Exercício os mais variados, malhação diária, levantamento de pesos, caminhadas, bicicleta, trilha, etc. Cada um deles, no fundo estão vendendo algo.
Vivemos uma geração de formados em Medicina pela FaMedFac: Faculdade de Medicina do Facebook. E como todo autodidata, estes “médicos Face” (ou Fake?) tem a arrogância de quem se acha o dono da verdade e detentor da cura dos males mais comuns. Desde limão em jejum, berinjela a granel, abacate sem açúcar, regime de alface, dieta da lua, nutrição dos astronautas, e outras coisas que dá para encher o jornal.
Não perca tempo discutindo. Nem cometa a besteira de falar de doença perto deles. Vai ouvir montanhas e nada de escutarem. Pensando bem, acho que vou abrir um blog sobre “como suportar os chatos médicos fakes”.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O BENEVOLENTE

Não gosto dele. Eu o acho narcísico ao extremo e com uma postura que não se coaduna com o cargo que tem. Falo do ministro Gilmar Mendes. Fala pelos cotovelos, fala fora dos autos (inadmissível para um juiz), fala mal de companheiros de toga, de Procurador Geral, mantém amizade suspeita com o Presidente Temer, trocou inúmeros telefonemas com o Aécio no tempo em que este estava sub-judice do STF, etc.
Já o mencionei em minhas colunas (Gilmar Noel Mendes foi uma delas), apontando sua benevolência para com os criminosos. Foram dele os habeas corpus para o Cacciola (responsável por crimes bancários e financeiros) e para o Abdelmassih (condenado por crimes sexuais contra pacientes), que usaram do HC para fugir do país. Trazê-los de volta custou uma fortuna, que, acho, deveria ser paga pelo magistrado. Foi o Gilmar quem soltou o Jacob Barata ("rei do ônibus"), Eike Batista (rei do investimento via Power Point), e outros mais, ao ponto de ter ganho o apelido de Gil-Lax (Gilmar Laxante porque “solta tudo”).
Ontem, em mais uma destas suas façanhas, ele suspendeu a remoção do condenado Sérgio Cabral para o Presídio Federal, determinada pelo juiz Marcelo Bretas. A decisão do juiz Bretas estava baseada no fato de Cabral ter citado o ramo de atividade da família do juiz, o que, no contexto e dadas as características da fala, ele interpretou como ameaça.
As falas e as atitudes do réu Cabral na audiência em que tal fato ocorreu foram acintosas, agressivas e mal-educadas. Não era a de um réu sentado em um banco para responder perguntas sobre crimes praticados, antes era de alguém que queria se impor, como se ainda tivesse a majestade que tinha, sustentada por asseclas propinados.
Na sentença proferida pelo narcísico ministro, ele disse que mencionar a família do magistrado não é crime. Nem poderia ser porque, se assim considerasse, teria que aceitar a tese de muitos de que ser padrinho de casamento da filha do Jacob Barata é impedimento para julgar a ação.
Confesso que, em certos momentos, achei que eu estava sendo implicante com o ministro. Cheguei a pensar que o caso estava se tornando pessoal (da minha parte para com ele, mesmo porque, não tenho a veleidade de que ele leia ou leve em consideração minhas opiniões sobre ele). Mas ... depois do entrevero dele com o ministro Barroso, em que este último, em plenário do STF, com a TV transmitindo, expôs suas diferenças com o Gilmar e afirmou que ele tem se mostrado leniente com os criminosos de colarinho branco, fiquei com a consciência tranquila.
Digo mais: na minha quase laicidade com o mundo das leis, no que pese o fato de ter estudado Direito, acho que a benevolência do Gilmar é proporcional à notoriedade do réu: quanto mais notório for, mais benevolente ele tem se mostrado. Uma equação perversa, maligna e desabonadora do poder Judicial.
Já houve um pedido de impeachment dele, com mais de um milhão de votos virtuais. Sintomaticamente, este e outros pedidos já formulados, não foram decididos pela Presidência da Câmara. Foram engavetados e lá permanecem. Para que tirar quem pode amanhã dar um HC para um senador ou deputado condenado pela Lava Jato? Melhor mantê-lo para garantia da liberdade.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A REFORMA PROTESTANTE E A POLÍTICA

No dia 31 de outubro de 1517 o monge agostiniano, Martinho Lutero, afixou na porta da Catedral de Wittemberg 95 teses que queria discutir com a comunidade acadêmica e que versavam sobre a autoridade papal para perdoar pecados e vender indulgências. Este fato é tido como o ponto inicial do movimento da Reforma Protestante do século XVI.
Lutero foi seguido por Calvino, quem foi o Reformador de Genebra, onde estabeleceu uma nova forma de governo, formado pelo Consistório, um modelo mais representativo de participação popular no governo da cidade.
Em Zurich surgiu Zwínglio. Como ponto central da reforma estava o fato de que as Escrituras, e somente elas, são obrigatórias aos crentes e normatizam a vida de fé e prática. Zwínglio cria que a comunidade era a palavra final na interpretação das Escrituras, criando um conceito que mais tarde veio a se chamar “comunidade hermenêutica”. Com esta posição Zwínglio estava sentando as bases para o movimento da Reforma Radical, também conhecido por Anabatismo, onde, em suas raízes, não tinha um pregador-que-sabe-que-ensina-quem-não sabe, mas pela participação de todos, se constrói a interpretação.
Três dos seus seguidores estavam inconformados com a falta de coragem de Zwínglio em levar às últimas conseqüências as afirmações que sustentava. Acreditavam que o batismo, por ser um ato de fé, só pode ser feito por quem tenha consciência do ato. Zwínglio assim creu e ensinou, mas depois, por pressão do Conselho da cidade, recuou.
Os Radicais negavam a validade da prática do batismo infantil. Estes três discípulos do reformador Zwínglio, Blaurock, Grebel e Mantz, decidiram se rebatizar. O fato teve profundas implicações políticas, porque ao se rebatizarem, estavam negando o poder estatal de decidir a religião dos súditos, afirmando que a fé é uma questão de foro íntimo e que ninguém pode decidir por alguém qual a religião que irá seguir.
Como consequência, passaram a pregar a separação da igreja e do estado, fato revolucionário em uma época em que a Igreja Católica era um estado, em que Lutero e Calvino estavam vinculados ao estado seja para proteção ou para governo, e Zwínglio estava em caminho parecido ao dos demais reformadores.
Os anabatistas foram perseguidos por suas posições revolucionárias e fugiram de uma parte a outra da Europa, em busca de regiões onde os reis os tolerassem. Desenvolveram a ética do trabalho, sendo exímios lavradores, forma encontrada para evitar que fossem constantemente expulsos, por causa dos lucros que traziam.
O conceito de separação da Igreja e do Estado foi ganhando força e hoje é aceito na quase totalidade dos países do mundo ocidental. O modelo constitucional norte americano da completa separação está influenciado por anabatistas e não é coincidência que a declaração de independência tenha sido feita na Pennsylvania, terra então majoritariamente habitada por menonitas, quackers e irmandade.
Trago estas coisas históricas por duas razões: estamos comorando mais um aniversário da Reforma e mais do que nunca estes princípios de separação da igreja e estado precisam ser relembrados, em um momento em que setores da igreja evangélica brasileira se envolvem com a política, transformam púlpitos em palanques e têm projetos de criar um estado religioso de fundamentação cristã/evangélica, deputado evangélico está envolvido em corrupção, a bancada evangélica acha que dar uma Bíblia ao presidente é evangelizar, pastores vivem mendigando benesses do poder público para a reforma do templo ou a cessão de um terreno, etc.
Isto é negar um dos elementos basilares da Reforma: Igreja é Igreja, Estado é Estado. A Igreja pode e deve ter uma atitude profética para com o Estado, denunciando os pecados existentes e os cometidos por ele. Para fazer isto, não pode ter o rabo preso.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

REFORMA E OS RADICAIS

Transpiração e inspiração são irmãs gêmeas do processo criativo. Uma descoberta, para ter impacto, deve responder à algumas condicionantes históricas. Newton, Thomas Edison, Pascal e outros, fizeram descobertas que não eram totalmente novidade, mas tinham antecedentes nas pesquisas, descobertas e pensamentos anteriores.
No campo da Reforma religiosa do século XVI, Lutero também não pode ser apontado como alguém que teve todas as idéias que o motivaram a posicionar-se da forma como o fez, mas Wycliffe, os Valdenses, Albingenses, os Cátaros, John Huss, Savanarola são comumente citados como antecessores da Reforma.
Mais que isto, a “descoberta” de Lutero que a justificação do pecador se dá pela fé e esta é obra da graça de Deus, só foi possível porque teve acesso a pensamentos divergentes da teologia oficial e porque esta descoberta teve ambiente histórico, econômico e político para ser aceita larga e amplamente como resposta esperada pela população, tendo em vistas as opressões que sofriam do senhor feudal e da própria igreja através de suas autoridades. Não fossem dadas estas circunstâncias históricas, Lutero, Calvino, Zwínglio e outros talvez não teriam sido quem foram.
Estranha-me que, quando se fala em Reforma, os assim autodenominados reformados, ser esquecem de mencionar uma importante ala da Reforma, que fez com que ela avançasse para além dos limites que Lutero, Calvino e Zwínglio avançaram; a Reforma Radical promovida pelos Anabatistas. A separação da Igreja do Estado, a liberdade de culto e consciência, a opção livre e espontânea para a escolha da fé, foram feitos que os Anabatistas trouxeram. Estes postulados hoje são conditio sine qua non para a vida religiosa, mas há muitos que se esquecem que devem isto aos radicais.
Entender esta dimensão histórica e as condicionantes políticas e econômicas do contexto em que tal se deu, é fundamental. Talvez seja por isto que há quem, hoje em dia, não entendendo estas implicações, querem reproduzir a Reforma do século XVI em pleno século 21.
Tendo isto em mente se deve entender a expressão reformada que se tornou bandeira, ainda que na prática quase nada tem acontecido: Igreja Reformada sempre reformando.
Neste 31 de outubro a igreja reformada e protestante estará celebrando os 500 anos da Reforma, uma pergunta deve estar na mente: o que mudou na igreja reformada nestes anos? Não são as igrejas reformadas réplicas de práticas seculares e, portanto, defasadas no tempo e inócuas nas respostas aos cidadãos do século 21?
Aqui, me parece, reside uma das questões que as igrejas reformadas (e também a católica) devem analisar quando avaliam os problemas pelos quais estão passando, que se traduz na perda de membros e frequência, na falta de vitalidade e no pouco envolvimento de seus membros: está a igreja respondendo às questões das pessoas que vivem no mundo atual? Ou está a igreja repetindo respostas de centenas de anos, que se foram próprias naquele momento, hoje nada dizem?
Há os que pedem uma nova Reforma. Estariam eles dispostos a uma ruptura radical com o atual modelo? Não são muitos destes, pessoas que pedem reforma, mas a querem para reforçar o que já fazem há séculos?
Marcos Inhauser