Liturgia é
o nome dado desde os tempos apostólicos para o ato de tomar parte de uma
solenidade cúltica, pública e corporativa. Tem o sentido original de “serviço
público”. Percebe-se aqui três dimensões. A primeira é que é um ato solene, o
que implica em algo especial, consciente, feito com a devida reverência. A
segunda é que é um ato público, pois dele devem participar todos os que queiram
e dele devem tomar conhecimento, nada sendo feito na obscuridade. A terceira é
que é um ato que se realiza com a presença de pessoas e não é individual.
No
Cristianismo, este culto público e solene é prestado pelo corpo de fieis,
também reconhecidos e considerados como sacerdotes, naquilo que se conhece como
sacerdócio universal. Todos os participantes são credenciados pois formam a
nação sacerdotal (aqui presentes o corporativo e o solene). Sendo assim, a
liturgia é o culto feito pelos membros de uma comunidade, que, como igreja,
solenemente louvam, oram e intercedem a Deus uns pelos outros.
Ocorre que,
nos seminários, no mais das vezes, o que se ensina como liturgia é a prática
dos ritos religiosos, combinado com o emprego de símbolos, cerimônias e
ornamentos. O ensino da liturgia se preocupa em responder à questão: como se
cultua? E o que se faz é ensinar as regras para um culto bem celebrado, segundo
as regras e cânones.
Ocorre que,
na quase totalidade dos cultos liturgicamente celebrados (e mesmo nos que não
obedecem tais regras por não conhecê-las ou por criticá-las), o culto público e
corporativo é um culto individual, onde o pastor, sacerdote ou o líder da
liturgia, o presta sem o concurso dos presentes. Quando se dá a participação
pública é para recitar frases, cantar alguns cânticos ou fazer uma breve
oração. É ele quem decide a ordem, quem faz o que, o que vai ser cantado, quem
vai orar. Acaba se transformando em ação individual onde um-só-faz-por-todos.
Isto sem contar aquele que canta, ora, faz solo, prega, dá a benção e fica à
porta para ouvir os elogios. No dizer futebolístico “bate o escanteio e corre
para cabecear a bola”.
Neste
sentido causou-me estranheza quando, em uma viagem de ônibus, escutei uma
senhora no banco de trás, dizendo que o pastor a havia convidado para “dar o
culto” no domingo Ela ia cultuar. Eu pensei: e a igreja? Não é para menos que a
maioria dos cristãos falam em “assistir” ao culto ou à missa e nunca falam em
“participar”. A liturgia acaba sendo o show de um.
Se o culto
deve promover e incentivar a intimidade com Deus, no “culto-de-um-só” a
intimidade do pastor ou sacerdote é que é promovida. O culto é lugar de
encontro das diferenças e deve ser espaço para conhecer o outro que comigo
participa, saber da sua fé e experiências. É o lugar para perceber a diferença
e para entender e aceitar que não são as diferenças que nos unem no culto, mas
a humanidade comum que temos e a nossa necessidade de Deus. Na oração conjunta,
onde oro e recebo as orações de outros que, tanto quanto eu, também estão
ansiosos. Nisto sou aliviado e curado.
O culto e a
missa, por serem celebrações públicas, são espaços para tornar cada um dos
participantes visíveis e públicos. Não pode ser espaço para o anonimato, para
segregação. É o espaço para tornar pública minha oração individual e privada.
Onde é que, nos cultos e missas, o adorador/cultuador tem a chance e
oportunidade de orar em voz alta o que lhe vai no coração?
Marcos
Inhauser