Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
OS ADJETIVOS NÃO O ADJETIVARAM
No sábado dia 13 faleceu Aziz Miguel João, um tio que ganhei por ter me casado com sua sobrinha. Eu o conheci há 48 anos e aprendi a admirá-lo porque ele tinha qualidades que eu não tenho e o invejava por isto. Nunca o vi bravo e nunca soube de alguma vez que ele tivesse ficado bravo. Isto não significa que tivesse sangue de barata, antes, pelo contrário, tinha seus valores e princípios e não claudicava em preservá-los e vivenciá-los.
Conheci sua mãe, seus irmãos, irmã, sobrinhos, alguns cunhados, primos. Nunca ouvi de nenhum deles uma palavra que fosse alguma crítica ao Aziz. Uma única pessoa lhe fazia alguma restrição porque lhe pediu dinheiro emprestado e ele disse que não emprestaria. A pessoa achava que ele tinha a obrigação de emprestar. Assim era ele: sabia posicionar-se e as pessoas não o viam bravo, irritado, mas sabiam sua opinião e decisão.
Comerciante, teve negócios em Jales, onde viveu boa parte de sua vida. A primeira etapa da vida ele a viveu em Urupês, tendo se casado com a Hania. Depois do casamento é que se mudou e radicou em Jales. Pessoa conhecida e respeitada na cidade por sua honestidade e comprometimento com os princípios evangélicos, foi membro atuante na Igreja Batista. Fazia dos carros que possuía um ministério, conduzindo gente das periferias para assistir aos cultos. Durante a semana visitava cidades vizinhas para levar pregadores e começar novos trabalhos. Não me lembro de alguma vez tê-lo visto pregando e nunca soube que o fizesse. Gostava, sim, de cantar. Tinha voz forte e afinada. Também se arriscava a tocar alguma coisa no piano e no teclado.
No seu sepultamento, por concessão do poder público e pela notoriedade dele na cidade, permitiu-se que o corpo fosse velado no templo da igreja que ele frequentou durante todo o tempo que viveu em Jales. Lá estive e fui vendo as pessoas que se acercavam e ouvi muita coisa que elas disseram às filhas, esposa, netas, neto. Todos exaltando a vida e qualidade do falecido. Comecei a pensar que, como nunca havia visto antes, ninguém precisava exagerar ou mentir para falar dele. Ele não ficou santo depois que morreu: ele já era um santo em vida. Ele era tudo o que as pessoas falavam dele e todos os adjetivos usados não conseguiam dimensionar o caráter, a natureza, a índole e a benção que ele foi na vida de muita gente.
Ele nunca leu Dietrich Bonhoeffer, o teólogo alemão que afirmava que “a missão do cristão é ser Cristo para o outro”. Mesmo sem ter lido Bonhoeffer ele encarnou como poucos que eu conheço esta máxima missional: ele foi Cristo para todos os que cruzaram seu caminho.
Deus me deu a benção de conhecê-lo e conviver com ele nas muitas vezes que o visitei. Algumas destas vezes cruzamos a praça que havia em frente à sua casa, no centro comercial da cidade. Atravessá-la era um exercício de paciência, pela muitas vezes que era abordado e as pessoas queriam saudá-lo e contar alguma coisa, quase sempre da família, pois ele se interessava pela vida familiar das pessoas que a ele se acercavam.
Já ouvi muitas vezes pregadores e leigos dizerem que viver a vida cristã é difícil, é um fardo, cheio de abnegações. Conviver com o Aziz era perceber que a vida cristã é uma alegria e felicidade para quem a vive na intensidade do amor ao próximo.
Ele era uma pessoa que irradiava alegria e felicidade. Ele “sorria com os olhos”.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021
MIL E POUCO
Se não errei na conta, estou escrevendo a 1004ª. coluna para o Correio Popular. Já são quase 20 anos de escrita contínua, com um único período de férias, quando fui muito bem substituído pela Rute Salviano Almeida, pesquisadora e autora de vários livros sobre o papel da mulher na história da Igreja.
Comecei a
escrever por indicação da jornalista Maria Tereza Costa. O meu compromisso era
que não receberia nada em troca pelo meu trabalho semanal (nem mesmo uma
assinatura do jornal!), para que eu pudesse ter liberdade. E assim está sendo
até agora: nunca recebi um centavo e faço isto com dedicação e
orgulho. Há quem me perguntou se era assalariado do PT, se era comissionado na
Prefeitura, se ganhava do PSDB. Tais insinuações se deviam a mentes tacanhas
que julgam que não posso ter opinião própria: tudo o que penso e escrevo deve
ter um pagamento por trás.
Nesta
relação tive muitos contatos com os editores para sentir como estava sendo
recebida minha coluna, umas duas ou três vezes fui alertado de que o que eu
escrevi poderia me trazer problemas judiciais e, em comum acordo, troquei
a mensagem escrita, pois vi sabedoria no conselho que o redator me dava.
Umas poucas
vezes falhei em escrever. Houve um tempo, logo no início que eu tinha que levar
para a redação um disquete com o arquivo. Com o advento da internet as coisas
foram facilitadas. Algumas vezes não consegui enviar o arquivo e isto se deveu
a viagens. Onde estava não tinha internet para mandar o arquivo (isto ocorreu
com mais frequência há vários anos, quando a internet era produto de luxo e não
se achava em qualquer lugar). Em outras ocasiões eu ligava para a redação e
pedia prazo estendido para enviar, porque, em viagem, só chegaria em casa
depois das sete da noite. Sempre fui atendido com a gentileza das pessoas que
me atendiam.
Já escrevi
aqui que colunista não pode ter medo das críticas. É virar vidraça. Quando o
colunista coloca em público e ao público as suas opiniões políticas e
religiosas, fatalmente haverá quem discorde. Há os que discordam e o fazem
saber em termos polidos. Há os que, discordando, julgam que atacar e ofender é o
meio mais eficaz de ser ouvido.
Recebi
muitos e-mails. Alguns concordando e muitos discordando. Entre os que discordavam,
lembro-me de um que me escreveu uma série de e-mails. Ele lia e não entendia o
que eu havia escrito, ou deduzia maniqueisticamente o que eu havia escrito.
Quando critiquei o Bush pela guerra contra o Talibã, ele me chamou de comunista
e terrorista, como se criticar a decisão do presidente me colocasse
necessariamente como favorável à outra parte. A lógica dele era: se ele é
contra A, só pode ser a favor de B. Silogismo falso.
Certa feita
fiz um comentário en passant sobre o Foucault. Um leitor me escreveu
criticando a citação e me enviou um compêndio, de sua lavra, com críticas ao filósofo.
Por se tratar de um estudioso e mestrando na área eu o li e, diferentemente do
que ele pretendia, eu fui ler mais coisas do Foucault e hoje sou um fã dele.
Tenho pessoas que me enviam coisas que acham interessantes e que podem ser
subsídio. A todos que me escrevem, eu respondo.
Desde o
início assumi que escreveria sobre política internacional, nacional, local, sobre religião e igrejas. Assim tenho procurado fazer.
Das coisas
que hoje faço, a que me tem dado mais alegria e satisfação é escrever esta
coluna semanal. Em abril, na Semana Santa, completo 20 anos. Sinto-me
realizado! À Tereza, os meus agradecimentos por ter me indicado.
Marcos
Inhauser
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021
SENTADOR GERAL DA REPÚBLICA
O Brasil é um país capaz de produzir figuras públicas exóticas. O aparecimento do Odorico Paraguassú e sua cidade Sucupira são o exemplo de que, imitando situações reais e criando as hipotéticas, no Brasil se tem de tudo.
Nos tempos do
Fernando Henrique Cardoso havia o Geraldo Brindeiro que foi galgado ao posto de
Procurador Geral da República. De tão leniente em investigar as denúncias que à
Procuradoria chegavam, ganhou o apelido de “Engavetador Geral da República”.
Barrou uma investigação sobre o Dossiê Caribe (que depois, afirma ele, revelou-se
uma farsa) e mais onze inquéritos contra Antonio Palocci que, depois, se
revelou um sujeito com muitas revelações para dar na delação premiada.
Como a
produção não para, tivemos nos últimos anos o “Sentador Geral da República”, o
deputado Rodrigo Maia, agora ex-presidente da Câmara. Recebeu sessenta pedidos
de impeachment contra o presidente e, ao que se sabe, não leu nenhum deles e
nunca deu seguimento a eles. Tenho para comigo que uma pessoa que tem sessenta
pedidos de impeachment, vindo das mais variadas fontes da sociedade, alguma
coisa o presidente da Câmara deve fazer. No mínimo devia explicações das razões
pelas quais ele sentou em cima dos processos.
O Maia, sujeito
ensaboado, me faz lembrar da brincadeira nos sítios em tempos de Festa Junina,
quando se ensebava um porco e as pessoas saiam correndo para pegá-lo. Assim é o
Maia: liso até não mais poder. De tão político e muralista, perdeu a
credibilidade e não conseguiu eleger o seu sucessor. Sai apequenado da presidência.
Também balança
as alianças que estavam sendo costuradas para 2022, especialmente na aliança do
Maia com o Doria, com o apoio dos Democratas. A coisa implodiu. O presidente da
sigla, ACM Neto. decidiu, em cima da hora, deixar-se cooptar (há informações de
que lhe ofereceram o Ministério da Educação que tem um ministro anódino, que já
afirmou que está lá para ser pastor e não político). Com isto, a confirmar-se o
que alguns deputados do DEM andam dizendo (palavra de político é como água de
rio, cada vez que se olha é uma novidade), tem gente que vai bandear para o
PSDB. Isto fortaleceria o Doria no partido e lhe daria algum alento, mas, se
entendo das coisas, vai perder o tempo de televisão que o DEM tem para que possa
alavancar a sua candidatura.
O ato de Maia
de aprovar o bloco depois do horário regimental e que foi anulado pelo primeiro
ato do novo presidente, mostra a dimensão da guerra que será o parlamento nos
próximos dois anos, quando todos estarão concorrendo à reeleição. Mais que
interesses da nação, aflorarão e prevalecerão os interesses pessoais. Será um
tanto de gente fazendo discurso e disputando os holofotes que ficaremos
enojados com a hipocrisia.
Quando o
atual Congresso foi empossado e com a quantidade de novos legisladores de primeiro
mandato, acreditou-se que haveria mudança nos hábitos parlamentares brasileiros.
Passados dois anos, algumas estrelas da nova legislatura se apagaram, novos
líderes foram removidos, a velha guarda entrou em ação, o Centrão se vendeu uma
vez mais (ou voltou ao poder onde está há bom tempo).
Isto me faz
lembrar de um consultor que li em livro que escreveu. Ele afirma que a mudança
de cultura, seja em empresa, instituição, igreja ou, aqui no caso, parlamento,
não se faz por passe de mágica, nem com pó de pirlimpimpim. Toma tempo e muito
compromisso com uma nova ordem de coisas. Os antigos caciques se apagaram
(Jader Barbalho, Renan Calheiro, Paulo Maluf, Sarney, José Serra e muitos outros).
Nem por isto o fisiologismo deixou de ter seu espaço e o Sentador Geral da
República é um sucedâneo da velha política, com cara de novo. Só a pressão
popular pode fazer mudar.
Marcos
Inhauser
quarta-feira, 27 de janeiro de 2021
ILOGICIDADES DA FÉ
Como eram inscritos em alguns grupos de WhatsApp onde compartilhavam coisas relacionadas à fé (tais como memes de versículos bíblicos, mensagens de pregadores famosos, música gospel), uma das filhas avisou nos grupos que a mãe e o pai foram hospitalizados. A coisa começou a ferver com gente dizendo estar orando. Começaram a chover jargões religiosos de cunho motivacional: “Deus está no controle”, “mesmo no vale da morte Ele está conosco”, “tudo podemos em Deus”, “praga nenhuma alcança quem tem fé”, “tudo o que dois ou três concordarem em pedir em Meu Nome, será concedido”, e uma infinidade de outras frases de mesmo sentido: “quem crê tá livre do mal.”
Diariamente, a filha municiava os grupos com informações sobre a saúde dos pais. Repetiam-se os ícones de mão juntas (em sinal de oração), carinhas tristes e outras mais. Os jargões se repetiam.
O quadro de saúde de ambos se deteriorou e a mãe veio a óbito. Nos grupos de WhatsApp proliferaram as mensagens de luto, todas clássicas: “Deus a chamou”, “agora ela está melhor que nós”, “Ela era um anjo aqui na terra e Deus a chamou ao Seu lado”, etc. Nenhuma palavra sobre o fato de que as muitas orações não tenham sido respondidas, nem sobre a falácia dos jargões motivacionais.
O pai continuava internado, UTI, prona, intubação, sedação. A cada dia, a filha postava notícias sobre ele. Os jargões se repetiam. Parece que ninguém se dava conta de que eles não funcionaram com a mãe.
Uns dez dias depois, o pai apresentou quadro de leve melhora e saiu da UTI. Houve celebração: “Deus ouviu nossas preces” era o mais comum. “Vamos orar forte pela saúde dele que Deus vai nos dar a vitória”. No dia ele teve alta, houve uma explosão de “Glórias”, “Aleluias”, “louvado seja Deus”, “nossas orações foram ouvidas” e coisas parecidas.
Uma das participantes escreveu algo mais ou menos assim: “O Fulano é um guerreiro, Deus deu a ele a vitória sobre esta enfermidade. Nós oramos juntos em uma batalha de oração, vencemos e agora celebramos a vitória da fé”.
Ninguém se perguntou: se ele é um guerreiro porque teve alta hospitalar, significa que a esposa era fraca? A fé do marido é maior que a da esposa, por isto ele foi curado e ela morreu? As orações feitas pelo marido foram mais fortes que as que foram feitas pela esposa? Em que medida a oração muda os planos de Deus para a vida de uma pessoa? O pai era mais importante para a saúde emocional dos filhos que a presença da mãe?
Perguntar não é pecado. Se analiso as atitudes da fé neste caso específico não sou herege. Não tenho resposta para as questões que eu mesmo levanto, mas de uma coisa sei: há uma fé enfermiça nos arraiais da religiosidade. Também não quero dizer que a fé mais racional seja mais fé que outra. Entendo e aceito que a fé tem forte componente emocional e certo nível de crença no impossível, o que, pode ser, em alguns casos, sinal de certa irracionalidade. O que critico é a banalização da fé via jargões motivacionais sem sentido, sem prática comprovada e sem análise avaliativa das vezes em que foi empregado e o resultado que produziu.
Como pastor que lida com expressões de fé cotidianamente, muitas vezes me perguntei em que falhava ao ver que muitas das minhas ovelhas eram verdadeiros bonsais: ficam velhas e não cresciam. Pareciam maduras, mas era ingênuas e infantis. Tenho para comigo que o método educacional mais usado nas igrejas, notadamente as denominadas evangélicas, é o da pregação. Pesquisas por mim feitas e por alguns de meus colegas, constatam que a maioria não se lembra na segundo qual foi o sermão do domingo.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
HE IS A LOOSER
Quando morei em Chicago, ouvi a expressão algumas vezes. Sempre a tomei como adjetivo inofensivo. Estranhava a facilidade com que se dizia que o outro era um “idiot”. Isto, para mim, era pegar pesado.
Com o tempo
percebi que o termo “idiot” não tem o mesmo peso e negatividade que tem
no português. Da mesma forma a palavra “estupid”. Virou famosa a frase
de James Carville em 1992, dirigida aos trabalhadores da campanha de Clinton.
Um dia,
conversando com um executivo eu o ouvi, irado, chamar de looser a pessoa
que ele estava detonando. Meio embasbacado com a expressão, pedi a ele que a
refraseasse, para que eu a entendesse melhor e ele me disse: não há outra
melhor “looser, looser, looser.”, reiterou enfaticamente.
Percebi que
não tinha entendido o peso da expressão. Ao invés de pegar o sentido no
original, estava traduzindo. Mais tarde vi duas pessoas discutindo. Quando uma
delas se referiu à outra como looser, a ofendida partiu para as vias de
fato.
Nestes dias
ouvi a expressão aplicada ao Trump: ele perdeu a eleição, todas as ações
judiciais que impetrou, o apoio de parte do seu partido, a presidência, a pose,
o discurso, o Facebook, o Instagram, Twitter, o Parler, a votação do segundo
impeachment, vai perder no Congresso, perdeu a casa onde morava porque
despejado pelo voto, vai perder os holofotes e terá que enfrentar a enxurrada
de ações, algumas criminais
Ele é um looser.
Sem dar o
mesmo peso que a palavra tem no inglês, acho que a nosso Trump tupiniquim também
é um colecionador de derrotas. Disse que montaria um ministério de notáveis e
perdeu as estrelas da Justiça (Moro), da Saúde (Mandetta) e a outra (Guedes)
até agora não mostrou a que veio. Se notáveis são o das Relações Exteriores, do
Meio Ambiente, os três da Educação, o atual da Saúde, que me perdoe o idioma,
não sei o que é notável. Só se ela se refere à notabilidade pelos desatinos que
cometem.
Elencar as
perdas sofridas no embate com o STF é fazer lista parecida à do supermercado,
pela quantidade de itens. A investigação sobre a interferência na PF, a não
nomeação do Ramagem, o depoimento oral no caso da PF, e por aí vai. Perdeu ao
querer a possibilidade de reeleição do Alcolumbre. Viu seus apoiadores serem
investigados e com as contas escrutinadas (Luciano Hang é um exemplo), a
investigação do Gabinete do ódio está batendo à porta. Alguns bolsonaristas
ativistas virtuais foram presos, o Godoy também, o Wassef está enrolado, o
filho não explica as rachadinhas e ele não tem explicação para os depósitos na
conta de esposa.
Na
política, perdeu o apoio do Maia, não foi o responsável pela Reforma da
Previdência, não conseguiu emplacar o Major Hugo como líder na Câmara, está
tendo problemas para emplacar seu candidato à presidência da Câmara. Diante de
tantas perdas teve que mudar o discurso, se aliar ao Centrão e fazer o
fisiologismo que tanto atacou.
No caso das
vacinas, perdeu todas. E quem vai salvar a lavoura será a vacina chinesa do
Dória que ele execrou e disse que nunca a compraria. É a China, malhada por
alguns ministros e pelos filhos, quem veio dar um oxigênio a um governo
destrambelhado. Aquilo que era “vacina chinesa do Dória” agora “é vacina do
Brasil e não de algum governador”. Uma coisa ele tem: muda de posição a cada
troca de cueca, no que é imitado pelo Ministro da Saúde.
Marcos
Inhauser
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021
EU SOU A VERDADE
Tanto quanto eu, a julgar pelas mensagens e e-mails que recebo, tem muito mais gente intoxicada com os “donos da verdade”. Este sentimento foi fertilizado pela reação do Donald Trump ao insucesso e derrota que sofreu. Na sua visão, no que pese todos quantos o aconselharam, o que é verdade é o que ele acredita.
A ele se aplica o ditado atribuído a Joseph
Goebbels, ministro da propaganda de Hitler: “uma mentira repetida mil vezes se
torna verdade”. De tanto repetir que a eleição foi fraudulenta e que a vitória
lhe foi roubada, isto passou a ser verdade. O que estranha é que uns 20%
acreditam piamente no que ele diz. O problema é que esta estratégia foi
anunciada com antecedência, tentou-se provar a veracidade dela com factoides e
insinuações de que mortos votaram, teve mais votos que eleitores, que os votos
por correio eram uma forma de fraudar etc. Votos foram recontados, a justiça
escrutinou tudo e sentenciou: não houve fraude!
Não foi o
suficiente. Ele insuflou a horda que acredita em teorias da conspiração para
invadir o Capitólio e tentar um golpe de Estado. Não deu certo. Ainda vai
tentar alguma loucura, porque continuar acreditando em fraudes, depois de tudo
o que se fez em averiguação, só pode ser loucura.
Ontem me
mandaram um áudio de uma mulher não identificada, que teria ido a uma
ginecologista não identificada, que lhe teria dito que a Coronavac tem elementos
que permitem rastrear as pessoas e que isto vai habilitar a Inteligência
Artificial a nos manipular. Para desatino maior, informa que quem patrocina
isto é o Bill Gates. Quem enviou a mensagem dizia que por isto não tomaria a
vacina. Perguntei à pessoa por que não usavam o paracetamol, a dipirona, que
todo mundo toma como analgésico, para infiltrar o tal rastreador que permite a
manipulação. Estou aguardando resposta.
Tenho chegado
à conclusão de que é mais fácil lidar com o diferente do que com o ignorante.
Contra a ignorância perde-se tempo usando argumentos. Como disse uma pessoa
acerca de seu pai: “ele só ouve quem diz sim a tudo o que ele fala”.
Um
dos líderes da invasão do Capitólio é Jake Angeli, também conhecido como Q-Shaman,
ativista do grupo que divulga teorias
conspiratórias, entre eles o QAnon. Este grupo dissemina e acredita que o Trump
está salvando o mundo de uma rede internacional de pedofilia e um dos
manifestantes no topo da escada do Capitólio empunhava um cartaz que afirmava
que o Biden é pedófilo. A imprensa séria americana tem chamado a estes
manifestantes de milicianos e terroristas domésticos.
Como brasileiros, não
estamos livres desta praga. Tem gente disposta a ficar retuitando e disseminado
estas teorias sem-pé-nem-cabeça, especialmente contra as vacinas para a Covid,
mas nada falam dos feminicídios, das rachadinhas, não explicam cheques
depositados na conta de esposa, afirmam ter havido fraude nas eleições com voto
eletrônico, sem apresentar provas e documentos. Só ouvem o que querem ouvir.
Vivemos tempos de
colher os frutos de uma educação onde precisava só preencher quadrinhos com um
X, em múltipla escolha. Contrariando a premissa de que a explicação mais
simples tem maior probabilidade de ser a correta, preferem optar pela mais
extensa, porque lhes parece que a verdade é feita de muitos argumentos, mesmo
que desconexos ou ilógicos.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
ÓCULOS PARA CEGOS
Guimarães Rosa, no seu conto Manuelzão e Miguelim, traz uma história paradigmática. Nele, o doutor José Lourenço apareceu na fazenda onde Miguilim vivia que o saudou e passou a fixá-lo com insistência, apertando os olhos, porque “era curto de vista”. O visitante foi até à casa onde o menino morava, conversou com a mãe e passou a fazer uns testes, mostrando a certa distância os dedos da mão e pedindo que dissesse quantos havia a cada novo gesto. Ele não enxergava. Foi quando o doutor tirou seus óculos e os colocou em Miguilim que ficou pasmo: era tudo novidade. As coisas ganharam luz, vida, cores, o que não conseguia ver agora apareciam à sua frente. Ele que nunca tinha visto um grão de areia, agora podia vê-los.
Miguilim
começou a descrever as coisas que viu, as belezas nunca vistas. Saiu correndo e
contou para todos quantos achou à sua frente. Quando voltou à sua casa, o
doutor já tinha ido embora e Miguilim ficou profundamente triste. A experiência
de ver se acabara.
A mãe disse
que o doutor foi lá para as bandas dos caçadores, que voltaria. Se Miguilim
quisesse, ele podia levá-lo para a cidade e fazer óculos para ele, entrava na
escola e aprendia um ofício. O coração do menino disparava. Despediu-se de
todos, com lágrimas nos olhos. Foi para uma nova vida para uma nova visão.
Digo que
esta história é paradigmática porque ela é a história de muita gente curta de
visão. Os óculos são o estudo, a leitura de bons livros, a leitura de notícias
várias, a abertura da mente, a compreensão de que as coisas não se resumem a
uma única causa, que os problemas complexos não se resolvem com chá de
camomila, que as mudanças culturais tomam duas ou três décadas para acontecer.
O
radicalismo, o fundamentalismo, o racismo, o sexismo, o machismo tem raízes
fortes. Não acabam por passe de mágica, mas pelo constante e contínuo vigilar e
trocar as informações mentais que se tem e trabalhar para mudar o que é
conhecimento arquétipo e socializado. Há a necessidade de trocar a visão curta
de um Miguilim por outra propiciada pelas novas lentes, pelo estudo, por ver
coisas que a visão míope nunca permitiu.
Enquanto
escrevo estas coisas não me sai da cabeça as notícias que li e ouvi ontem e
esta madrugada sobre a resistência do Trump em aceitar a derrota. Para um
sujeito de visão míope, que cresceu e montou um conglomerado de hotéis e campos
de golf e que são questionados quanto à solidez da sua estrutura, o maior
exemplar de Narciso que já, perder é algo acachapante. Ele nunca mostrou ou deu
a entender que leu algum livro, que estudou além do básico (nos EUA o College)
ou que aceita conselhos ou opiniões divergentes.
Ele perdeu
excelente oportunidade de ganhar óculos para ver as coisas com mais detalhes e
precisão, de perder a visão míope. Plagiando o poeta pantaneiro Manoel de
Barros (“tudo o que não invento é falso”), o lema trumpiano é: “tudo o que não
afirmo é falso”.
Lembrei-me
da primeira leitura em voz alta, na frente da classe, que fiz na escola, assim
que fui alfabetizado. Era a de um cego que também teve um médico que o operou e
passou a ver, mas que continuou agindo como se cego continuasse a ser. A máxima
era: “o pior cego é o que não quer ver”.
Marcos
Inhauser
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
DÁ PARA CANTAR E SONHAR?
Há como celebrar Natal e Ano Novo nesta terra
deixada à sorte por incúria e imperícia dos babilônicos governantes? Há como
ter esperança, quando a única esperança que é a vacina nos é negada e a cada
nova manifestação é dada uma nova data para início da vacinação? Há como ter
esperança quando o babilônico mór diz que não “não dá bola” para a demora no
início da vacinação?
O Salmo citado termina de uma forma arrepiante
e trágica: “Ah!
filha de Babilônia, devastadora; feliz
aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós; feliz aquele que pegar em
teus pequeninos e der com eles nas pedras.” Poderíamos atualizar o texto e dizer: “quando um
dos seus filhos morrer pela Covid haverá esperança e felicidade para o povo?”
Celebrar um novo ano? Só se
fizermos o que Abraão fez: “esperou contra toda esperança”. Em outras palavras,
esperar contra a esperança. Se atentarmos para os fatos e decisões babilônicas,
morreremos de depressão e tristeza. Os fatos nos levam a sentar e esperar a
chegada da infecção.
A autoridade dos babilônicos federais,
estaduais e municipais anda tão baixa quanto a sola do sapato: decretam
lockdown nas praias e comércios, mas eles se fazem de surdos e atuam como
querem. Os jovens se reúnem em baladas e festas nem tão clandestinas. O
babilônico mor incentiva, pelo exemplo, a não usar máscara e a não se vacinar,
quando e se esta chegar às terras tupiniquins.
Há que ressaltar-se que a Babilônia vem da Babel, a torre construída para ser o
referencial de um povo empreendedor e que acabou sendo símbolo da confusão de
línguas e comunicacional. Ninguém se entendia no reino de babel. Seria isto o
paradigma da babilônia moderna, onde as mensagens são modificadas cada vez que
os babilônicos falam, as datas são imprecisas ou revistas a cada nova alocução,
o exercício de falar A e depois dizer B é a constante nesta Babel?
Nabucodonozor foi castigado e
literalmente pastou, por causa da sua soberba e vaidade. Necropolítico, não se
intimidava com as mortes que produzia, mas media seu poderio pela quantidade de
armas que havia no reino. Reinou por 43 anos. Quanto tempo reinará o
Nabolsodonozor?
Marcos Inhauser
quarta-feira, 23 de dezembro de 2020
VIDA EM MEIOS ÀS MORTES
A Palestina no período pré-advento estava sofrendo a “pandemia romana”, que assolava a quase totalidade do mundo então conhecido. Ela enviava seus vírus fardados a toda parte e estes, com o poder das armas, asfixiavam o povo, tirando-lhes o oxigênio via pesados tributos, arrancados, muitas vezes, à força e com a morte do infectado.
Todo o corpo da nação de Israel estava contaminado e havia quem,
no subterrâneo, buscava destruir os vírus-soldados, criando até exércitos
pequenos (zelotes).
Neste contexto de pandemia, com a sufocação de toda a nação,
sem nenhuma UTI para recuperação, havia quem, de outro lado, se aliava ao vírus,
numa atitude de negacionismo e desconsideração com as muitas mortes que estava
provocando. Coletores, religiosos/políticos, elite egoísta, formavam a corte
negacionista e desdenhavam as notícias que vinham das ruas e dos povos
distantes. Perguntados, respondiam: “E daí? Que os mortos enterrem seus mortos;
não somos coveiros”.
Havia, no fundo da alma dos sofridos, uma esperança: “vai
acabar, isto passa, Deus vai levantar uma vacina para nós.”
Sem convocar a mídia, sem estardalhaço, na privacidade de
uma virgem, o anúncio foi feito: você vai ficar grávida da vacina que salvará a
este povo e todos os outros”. O anúncio não se enquadrou nos protocolos e não
passaria nos testes de confrontação das fake News. A virgem e o noivo alegavam
que tinha sido um anjo, que só eles viram. Talvez, por isto mesmo, os dois guardaram
estas coisas nos seus corações.
Mais tarde, contra recomendações para gravidezes, o casal
foi visitar uns parentes: Isabel e Zacarias. O que os visitantes não sabiam era
que o casal que visitavam também haviam recebido uma notícia por meios não
usuais: Izabel seria a mãe de quem anunciaria publicamente a vacina salvadora.
A coisa andava tão polarizada que Izabel, depois de ter dado à luz, escondeu o
bebê por cinco meses. Era o medo da execração nas redes sociais das fofocas.
Quando Izabel viu Maria, ela sentiu o rebento no ventre se
mover e exclamou: “Bendita
és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre!”. Sabe-se que, mais tarde, o ditador de plantão, preocupado com
as repercussões políticas que a vacina que vinha da periferia poderia trazer de
estrago político, pediu à agência reguladora que matasse a vacina. A decisão
não deu certo e ela, depois de 30 anos, apareceu dando sinais de eficácia e
segurança, curando a muitos e prometendo o Reino sem pandemias.
O plano de vacinação não passaria pelos
critérios científicos e nem mesmo pela ansiedade do povo querendo a vacina.
Tentaram aclamá-lo como Rei e até fizeram uma jumentada, forrando o chão com
palmas. O processo vacinal foi outro: lento, face-a-face, na base da persuasão,
pelo arrependimento e nova vida e comportamentos. Quando menos esperavam, a
vacina estava nos palácios e na sede do império, até ser reconhecida como a
vacina oficial do Império.
Até hoje ela não foi promulgada como
obrigatória por nenhum Supremo Tribunal, ainda que haja quem, como soldado
vacinal, use do terrorismo do inferno para quem não se vacinar. Outros,
aproveitando da vacina, extorquem o povo via ofertas, dízimo, contribuições
para a construção do templo ou manutenção do programa de televisão.
A celebração do nascimento desta vida que
traz salvação à pandemia do pecado, em um contexto de mortes mil (provavelmente
190.000 quando você estiver lendo esta coluna), é sinal de esperança e vida que
há mais de dois mil anos se repete. Que venha a vida e ela em sua plenitude!
Marcos Inhauser
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020
OLHANDO NO RETROVISOR
Já vivi, talvez, mais de dois terços da vida. Tenho chegado à conclusão de que, depois de certa idade que não é a mesma para todos, nós nos especializamos a olhar para trás. Deste exercício há os que vivem de recordações, os que querem repetir os que viveram e os que buscam no passado lições para enfrentar o futuro. Esta última, tecnicamente, se chama “ante-retro-oculatra”: o que tenho “ante” mim eu olho (oculatra) para trás para aprender a viver o presente.
Os que olham para o retrovisor da vida para viver de recordações,
são bons contadores de histórias onde o sujeito central, quase sempre, são eles
mesmos. São tentados a abrilhantar e heroicizar suas participações para dar
significado mais positivo à vida que tiveram, quase sempre insossa. Via de
regra têm um álbum de fotos onde exibem este ou aquele que hoje é famoso para
mostrar como estiveram no passado com eles, ou como eles foram seus alunos, ou
vizinho, ou colegas de pelada. Vivem do passado e estão mortos para o presente.
O segundo grupo, é formado pelos que querem reviver o
passado, padecem de um romantismo infantil e enfermiço. Acham que as coisas
podem ser como eram. Míopes para as mudanças históricas e sociais, acreditam
que reunir os amigos na mesma churrascaria onde se reuniram há trinta anos,
trará as mesmas energias que se teve quando o fato ocorreu por vez primeira. Há
os que buscam antigos amores querendo ressuscitar algo que está enterrado há
muito. Tive um amigo que queria ressuscitar um projeto abortado e, na visão dele,
seria agora muito melhor que antes.
O grupo da “ante-retro-oculatra” olha frequentemente para o
retrovisor da vida, não para repetir coisas, mas para, avaliando o que fizeram
e viveram, seguir adiante com a sabedoria do aprendizado existencial. Continuam
ávidos no aprendizado, têm amigos que são semeadores de novas ideias e
conhecimentos, lê o que pode, se sentem desafiados a enfrentar os monstros da
tecnologia, dedicam tempo a aprender mexer com PCs, notebooks e celulares.
Quando conseguem enviar o primeiro e-mail, vídeo ou postar a mensagem, celebram
como se fosse o primeiro gol que marcaram na vida.
Sabem que têm limitações, que o corpo já não tem a mesma
flexibilidade e dinamismo de outrora e buscam agora novas atividades que se
harmonizam com seu estado presente. Mais que tudo, aprendem a viver com a
incerteza. As certezas do passado agora são obnubiladas pelas muitas lições que
aprendeu, pela certeza da brevidade da vida, pela mudança de paradigmas e pela
mudança do foco: mais que ganhar uma discussão e provar que está certo,
preferem a benção do relacionamento amistoso.
Há, no entanto, um risco: cercar-se de pessoas que têm o
mesmo padrão de análise dos fatos. Porque evitam confrontos de ideias, acabam
se cercando de quem pensa como eles, para que a vida seja mais pacífica. Ledo
engano. A visão do futuro será obtusa, porque vista com olhos míopes que só veem
quem pensa como eles. Acabam se filiando ao clube dos “apoiadores de fulano ou
cicrano”. Saber categorizar comportamentos e grupos é algo inteligente, mas se
torna patológico quando as categorias usadas se tornam verdade absoluta.
Daí que, a incerteza, o talvez, o pode ser, há grande chance
de ser assim, devem passar a ser as palavras mais pronunciadas por quem já
viveu dois terços da vida.
Marcos Inhauser