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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

MICROCORRUPÇÕES

Estamos assustados com os milhões que correm solto nos vários esquemas revelados pela Lava Jato. Pior: o Joesley nem fala de milhões, mas de “milhão”, tudo no singular, como se um, dois ou mais fossem a mesma coisa.
No entanto, há um tipo de corrupção miúda correndo solto, que nem sempre estamos atentos a ela e que prejudica tanto ou mais que a corrupção graúda. Por ser pequena não há delação premiada, nem TV. Falo das microcorrupções.
Quem nunca viu em um restaurante, bar, padaria, alguns policiais parados como se estivessem protegendo aquele patrimônio específico? Quem nunca viu eles comerem algo, almoçarem e saírem sem pagar, como “cortesia da casa”? Isto não favorece o estabelecimento em uma relação de desigualdade quando se tratar de eventos concomitantes? Se há dois eventos e eles tiverem que atender a este ou aquele, qual deles vão preferir atender? O que lhes dá comida de graça ou o sujeito que nunca souberam sequer que existia?
Quem nunca viu policiais, especialmente os rodoviários, pegando caronas em viagens intermunicipais? Param o ônibus, sobem, quase sempre ficam em pé ao lado do motorista e vão com ele conversando. Em quase todos os ônibus há um alerta de que se deve falar com o motorista o estritamente necessário. Mas se é Policial Rodoviário pode conversar e falar de tudo, de futebol a política. Se a conversa distrai o motorista como faz supor o aviso, porque ele pode ficar conversando? Se amanhã ou depois este policial flagrar este “amigo motorista” em alguma infração, terá ele o mesmo rigor que terá com um cidadão comum? Não é isto uma forma de “amaciar” e reduzir multas?
Outro caso: a pessoa está em um Pronto Socorro, na fila para ser atendido e um parente fica sabendo que estão demorando para atender. Ele conhece o prefeito, o vice ou algum vereador e liga para a “autoridade” relatando o ocorrido. Porque sabe que atender ao pedido estabelecerá uma relação de dívida, o prefeito ou vereador liga para a unidade de saúde e pede para dar prioridade ao caso do parente que está na fila e este é imediatamente atendido e, se for o caso, hospitalizado. O paciente e os parentes vão ser “gratos” e votos estão sendo cabalados. Ocorre que esta pronta ação do “dependente dos votos” implica que alguém que estava na fila vai ficar para trás, que quando chegar a vez do próximo e este precisar de um leito, não vai ter porque o paciente que tem boas relações políticas, furou a fila.
A pessoa é policial e está viajando com seu carro, dirigindo-o em alta velocidade. Ele é parado pela Polícia Rodoviária. O motorista desce do carro e bate continência para o patrulheiro rodoviário. No máximo, o que pode ocorre é que o rodoviário diga que ele está acima do limite de velocidade, mas o “espírito de corpo” não vai permitir que ele “prejudique o colega”.
As constantes visitas do Gilmar Mendes e do Toffoli ao Temer e, especialmente, as decisões favoráveis às causas do presidente dadas por estes dois, devo entender como sendo coincidência (como querem fazer supor), ou como troca de favores? O insuspeito absoluto, ao presidir o TSE no julgamento da chapa Dilma/Temer, não fez um grande favor ao amigo? O antigo advogado do Dirceu e do PT, ao pedir vistas para um processo que ele não mais conseguirá reverter o resultado, o fez por preciosismo jurídico ou para favorecer a um grupo seleto de indiciados que temem a primeira instância?

Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

RODA DOS ESCARNECEDORES

Aprendi o Salmo 1 de memória na minha infância, antes mesmo de saber ler. A memorização completa dava direito a um brinde na Escola Dominical da qual eu participava. Desde aquela época eu não entendia o que significava o “assentar-se na roda dos escarnecedores”. Fui ao dicionário e encontrei como afrontoso, difamador, oprobrioso, motejador, zombador, zombeteiro. Mas nunca havia entendido direito a tal da roda dos escarnecedores.
Por algumas vezes pensei que sentar-se com os amigos e contar umas piadas pudesse ser a roda. Outra, pensei que seriam as conversas das/os fofoqueiras/os. Quando trabalhei no presídio, cheguei a pensar que uma cela e suas conversa pudesse ser.
Mas foi só recentemente que a ficha foi caindo. O primeiro degrau da ficha caindo foi no julgamento da chapa Dilma-Temer, quando, no que pese a abundância de provas e a muito bem fundamentada relatoria, alguns ministros do TSE, capitaneados pelo escarnecedor-mór, o Gilmar Benevolente Mendes, mandaram às favas as provas e decidiram absolver o amigo do ministro narcísico. Para mim aquilo foi uma afronta ao Direito, à justiça e à seriedade que se espera de um colegiado de juízes.
O segundo degrau da queda da ficha foi no julgamento da “questão Aécio”, quando, no exercício de sofismas indecifráveis, a presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, proferiu um voto transversal, que cada qual entendeu como quis. A coisa foi tão deprimente e desastrada que ela mesma não teve a coragem de pronunciar o que havia decidido, cabendo ao ministro decano, Celso de Mello, “costurar o remendo” que ela havia proferido. O STF criava o Supremo Tribunal Congressual, maior em poder que o Supremo Tribunal Federal, pois uma decisão do STF poderia ser cassada pelo STC. O STF deu uma atropelada no princípio básico de qualquer estado de direito: não pode alguém ser julgado por si mesmo, por seus parentes, ou por pessoas que estão sob sua influência. A Carmen deu aos acusado o direito de dizer se queriam ou não ser julgados.
Deu no que deu: Aécio livre, todo serelepe, cassando o presidente interino, colocando uma pessoa de sua confiança, detonando o partido, e sei lá o que mais pode acontecer.
Escárnio foi a soltura do Geddel, muito mais quando se sabe que, na sua prisão domiciliar, aproveitou para destruir provas. Escárnio foi a soltura do Zé Dirceu, do Barata (amigo do ministro narcísico), a prisão domiciliar do Abdelmassih, o acordo de delação premiada da JBS e outros casos mais que recentemente abalaram a fé pública em um judiciário independente.
Escárnio máximo foi a decisão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Em tempo recorde, atropelando a bom senso e o regimento, revogaram a decisão unânime do colegiado de juízes e emitiram ordem de soltura, como se para tanto tivessem autoridade. Os deputados se assentaram em roda, na Assembleia Legislativa e, juntos, escarneceram dos funcionários públicos que não recebem salários porque uma quadrilha (ou “familha”) meteu a mão. Quem, na casa, não sabia das maracutaias? Quem não se beneficiou delas? Tanto que até parlamentar de oposição votou a favor da soltura do chefe da familha.
Estamos a ponto de ver outro escárnio. O STF que decidiu pela prisão de condenados em segunda instância, está a ponto de escarnecer e rever a decisão tomada. A razão: alguns amigos dos togados estão ao ponto de serem presos. Basta ver as dezenas de ligações telefônicas entre o Aécio e o Gilmar, reveladas pela PF. O Renan, Jucá, Padilha, Moreira Franco, Sarney, Rodrigo Maia, e outros estão na mira da segunda instância. Vamos livrá-los! Este é o lema!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

LITURGIA

Liturgia é o nome dado desde os tempos apostólicos para o ato de tomar parte de uma solenidade cúltica, pública e corporativa. Tem o sentido original de “serviço público”. Percebe-se aqui três dimensões. A primeira é que é um ato solene, o que implica em algo especial, consciente, feito com a devida reverência. A segunda é que é um ato público, pois dele devem participar todos os que queiram e dele devem tomar conhecimento, nada sendo feito na obscuridade. A terceira é que é um ato que se realiza com a presença de pessoas e não é individual.
No Cristianismo, este culto público e solene é prestado pelo corpo de fieis, também reconhecidos e considerados como sacerdotes, naquilo que se conhece como sacerdócio universal. Todos os participantes são credenciados pois formam a nação sacerdotal (aqui presentes o corporativo e o solene). Sendo assim, a liturgia é o culto feito pelos membros de uma comunidade, que, como igreja, solenemente louvam, oram e intercedem a Deus uns pelos outros.
Ocorre que, nos seminários, no mais das vezes, o que se ensina como liturgia é a prática dos ritos religiosos, combinado com o emprego de símbolos, cerimônias e ornamentos. O ensino da liturgia se preocupa em responder à questão: como se cultua? E o que se faz é ensinar as regras para um culto bem celebrado, segundo as regras e cânones.
Ocorre que, na quase totalidade dos cultos liturgicamente celebrados (e mesmo nos que não obedecem tais regras por não conhecê-las ou por criticá-las), o culto público e corporativo é um culto individual, onde o pastor, sacerdote ou o líder da liturgia, o presta sem o concurso dos presentes. Quando se dá a participação pública é para recitar frases, cantar alguns cânticos ou fazer uma breve oração. É ele quem decide a ordem, quem faz o que, o que vai ser cantado, quem vai orar. Acaba se transformando em ação individual onde um-só-faz-por-todos. Isto sem contar aquele que canta, ora, faz solo, prega, dá a benção e fica à porta para ouvir os elogios. No dizer futebolístico “bate o escanteio e corre para cabecear a bola”.
Neste sentido causou-me estranheza quando, em uma viagem de ônibus, escutei uma senhora no banco de trás, dizendo que o pastor a havia convidado para “dar o culto” no domingo Ela ia cultuar. Eu pensei: e a igreja? Não é para menos que a maioria dos cristãos falam em “assistir” ao culto ou à missa e nunca falam em “participar”. A liturgia acaba sendo o show de um.
Se o culto deve promover e incentivar a intimidade com Deus, no “culto-de-um-só” a intimidade do pastor ou sacerdote é que é promovida. O culto é lugar de encontro das diferenças e deve ser espaço para conhecer o outro que comigo participa, saber da sua fé e experiências. É o lugar para perceber a diferença e para entender e aceitar que não são as diferenças que nos unem no culto, mas a humanidade comum que temos e a nossa necessidade de Deus. Na oração conjunta, onde oro e recebo as orações de outros que, tanto quanto eu, também estão ansiosos. Nisto sou aliviado e curado.
O culto e a missa, por serem celebrações públicas, são espaços para tornar cada um dos participantes visíveis e públicos. Não pode ser espaço para o anonimato, para segregação. É o espaço para tornar pública minha oração individual e privada. Onde é que, nos cultos e missas, o adorador/cultuador tem a chance e oportunidade de orar em voz alta o que lhe vai no coração?

Marcos Inhauser

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

FMF

Também poderia ser FaMedFa ou FaMedFac.
Tenho ficado impressionado com a quantidade de coisas que entram no meu e-mail, Whatsapp ou Facebook falando de remédios alternativos, que curam desde calo até Alzheimer. Juntamente com esta enxurrada, vem as “pesquisas” de cientistas e Universidades, que “descobriram” isto ou aquilo.
Já escrevi aqui que não sou afeito às redes sociais. Uso-as esporádica e parcimoniosamente. Mesmo assim estou entupido de coisas médicas e pesquisas mil. Imagino quem é aficionado ou viciado nas redes. Não é para menos que a quantidade dos hipocondríacos tem aumentado exponencialmente.
Por outro lado, percebo na conversa de certas pessoas que há, cada vez mais, gente que se julga entendida nas doenças. Mencione em uma roda de pessoas que você tem gastrite, pressão alta, intestino preso, tosse há algum tempo, alergia ou dorme mal: você receberá um caminhão de receitas!
Isto tem resultado numa multidão que recorre aos médicos para que estes receitem o que já sabem e querem. Eles chegam, dizem ao médico o que têm e pedem que ele receite o remédio X, Y ou Z. Conversando com alguns deles, senti que eles enfrentam a geração “medicina Google”. Pegam o resultado de um exame, veem palavras difíceis, vão ao Google, digitam e já saem com um diagnóstico. Um deles me perguntou: para que vir ao consultório se já sabem o que têm e que remédio tomar?
Há algum tempo recebi de um médico amigo um e-mail. Estranhei porque ele tratava das maravilhas da banana. O e-mail dizia que ela cura uma enormidade de enfermidades, repõem potássio, vitaminas, regulariza intestino, tem baixa caloria e tem alto poder nutritivo, etc. e tal. Ao final ele dizia: estou largando a medicina e fechando o consultório. Vou plantar banana porque, com todas estas capacidades da fruta, não terei mais espaço para a minha prática.
Aliado a isto há os remédios milagrosos para fazer nascer cabelo, para insônia, para perda de pessoa, suplementos vitamínicos os mais variados, todos com poderes acima da média. Ressuscitam até mortos, a acreditar-se na propaganda. Busca-se informações e tem-se, invariavelmente: vendido somente pelo site ou telefone. Não se sabe o laboratório, farmacêutico responsável, se tem ou não aprovação da Anvisa. Ainda bem que nuinca ninguém veio me falar das maravilhas do chuchu, da abobrinha e do jiló. Morro de fome, mas não como isto!
Outros dizem que curam a fibromialgia. É uma mensagem que, quando você se dispõe a assistir, toma uns 40 minutos, falando e repetindo coisas para, ao final, tentar vender um livro.
Some-se a isto os propagadores da cultura fitness. Exercício os mais variados, malhação diária, levantamento de pesos, caminhadas, bicicleta, trilha, etc. Cada um deles, no fundo estão vendendo algo.
Vivemos uma geração de formados em Medicina pela FaMedFac: Faculdade de Medicina do Facebook. E como todo autodidata, estes “médicos Face” (ou Fake?) tem a arrogância de quem se acha o dono da verdade e detentor da cura dos males mais comuns. Desde limão em jejum, berinjela a granel, abacate sem açúcar, regime de alface, dieta da lua, nutrição dos astronautas, e outras coisas que dá para encher o jornal.
Não perca tempo discutindo. Nem cometa a besteira de falar de doença perto deles. Vai ouvir montanhas e nada de escutarem. Pensando bem, acho que vou abrir um blog sobre “como suportar os chatos médicos fakes”.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O BENEVOLENTE

Não gosto dele. Eu o acho narcísico ao extremo e com uma postura que não se coaduna com o cargo que tem. Falo do ministro Gilmar Mendes. Fala pelos cotovelos, fala fora dos autos (inadmissível para um juiz), fala mal de companheiros de toga, de Procurador Geral, mantém amizade suspeita com o Presidente Temer, trocou inúmeros telefonemas com o Aécio no tempo em que este estava sub-judice do STF, etc.
Já o mencionei em minhas colunas (Gilmar Noel Mendes foi uma delas), apontando sua benevolência para com os criminosos. Foram dele os habeas corpus para o Cacciola (responsável por crimes bancários e financeiros) e para o Abdelmassih (condenado por crimes sexuais contra pacientes), que usaram do HC para fugir do país. Trazê-los de volta custou uma fortuna, que, acho, deveria ser paga pelo magistrado. Foi o Gilmar quem soltou o Jacob Barata ("rei do ônibus"), Eike Batista (rei do investimento via Power Point), e outros mais, ao ponto de ter ganho o apelido de Gil-Lax (Gilmar Laxante porque “solta tudo”).
Ontem, em mais uma destas suas façanhas, ele suspendeu a remoção do condenado Sérgio Cabral para o Presídio Federal, determinada pelo juiz Marcelo Bretas. A decisão do juiz Bretas estava baseada no fato de Cabral ter citado o ramo de atividade da família do juiz, o que, no contexto e dadas as características da fala, ele interpretou como ameaça.
As falas e as atitudes do réu Cabral na audiência em que tal fato ocorreu foram acintosas, agressivas e mal-educadas. Não era a de um réu sentado em um banco para responder perguntas sobre crimes praticados, antes era de alguém que queria se impor, como se ainda tivesse a majestade que tinha, sustentada por asseclas propinados.
Na sentença proferida pelo narcísico ministro, ele disse que mencionar a família do magistrado não é crime. Nem poderia ser porque, se assim considerasse, teria que aceitar a tese de muitos de que ser padrinho de casamento da filha do Jacob Barata é impedimento para julgar a ação.
Confesso que, em certos momentos, achei que eu estava sendo implicante com o ministro. Cheguei a pensar que o caso estava se tornando pessoal (da minha parte para com ele, mesmo porque, não tenho a veleidade de que ele leia ou leve em consideração minhas opiniões sobre ele). Mas ... depois do entrevero dele com o ministro Barroso, em que este último, em plenário do STF, com a TV transmitindo, expôs suas diferenças com o Gilmar e afirmou que ele tem se mostrado leniente com os criminosos de colarinho branco, fiquei com a consciência tranquila.
Digo mais: na minha quase laicidade com o mundo das leis, no que pese o fato de ter estudado Direito, acho que a benevolência do Gilmar é proporcional à notoriedade do réu: quanto mais notório for, mais benevolente ele tem se mostrado. Uma equação perversa, maligna e desabonadora do poder Judicial.
Já houve um pedido de impeachment dele, com mais de um milhão de votos virtuais. Sintomaticamente, este e outros pedidos já formulados, não foram decididos pela Presidência da Câmara. Foram engavetados e lá permanecem. Para que tirar quem pode amanhã dar um HC para um senador ou deputado condenado pela Lava Jato? Melhor mantê-lo para garantia da liberdade.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A REFORMA PROTESTANTE E A POLÍTICA

No dia 31 de outubro de 1517 o monge agostiniano, Martinho Lutero, afixou na porta da Catedral de Wittemberg 95 teses que queria discutir com a comunidade acadêmica e que versavam sobre a autoridade papal para perdoar pecados e vender indulgências. Este fato é tido como o ponto inicial do movimento da Reforma Protestante do século XVI.
Lutero foi seguido por Calvino, quem foi o Reformador de Genebra, onde estabeleceu uma nova forma de governo, formado pelo Consistório, um modelo mais representativo de participação popular no governo da cidade.
Em Zurich surgiu Zwínglio. Como ponto central da reforma estava o fato de que as Escrituras, e somente elas, são obrigatórias aos crentes e normatizam a vida de fé e prática. Zwínglio cria que a comunidade era a palavra final na interpretação das Escrituras, criando um conceito que mais tarde veio a se chamar “comunidade hermenêutica”. Com esta posição Zwínglio estava sentando as bases para o movimento da Reforma Radical, também conhecido por Anabatismo, onde, em suas raízes, não tinha um pregador-que-sabe-que-ensina-quem-não sabe, mas pela participação de todos, se constrói a interpretação.
Três dos seus seguidores estavam inconformados com a falta de coragem de Zwínglio em levar às últimas conseqüências as afirmações que sustentava. Acreditavam que o batismo, por ser um ato de fé, só pode ser feito por quem tenha consciência do ato. Zwínglio assim creu e ensinou, mas depois, por pressão do Conselho da cidade, recuou.
Os Radicais negavam a validade da prática do batismo infantil. Estes três discípulos do reformador Zwínglio, Blaurock, Grebel e Mantz, decidiram se rebatizar. O fato teve profundas implicações políticas, porque ao se rebatizarem, estavam negando o poder estatal de decidir a religião dos súditos, afirmando que a fé é uma questão de foro íntimo e que ninguém pode decidir por alguém qual a religião que irá seguir.
Como consequência, passaram a pregar a separação da igreja e do estado, fato revolucionário em uma época em que a Igreja Católica era um estado, em que Lutero e Calvino estavam vinculados ao estado seja para proteção ou para governo, e Zwínglio estava em caminho parecido ao dos demais reformadores.
Os anabatistas foram perseguidos por suas posições revolucionárias e fugiram de uma parte a outra da Europa, em busca de regiões onde os reis os tolerassem. Desenvolveram a ética do trabalho, sendo exímios lavradores, forma encontrada para evitar que fossem constantemente expulsos, por causa dos lucros que traziam.
O conceito de separação da Igreja e do Estado foi ganhando força e hoje é aceito na quase totalidade dos países do mundo ocidental. O modelo constitucional norte americano da completa separação está influenciado por anabatistas e não é coincidência que a declaração de independência tenha sido feita na Pennsylvania, terra então majoritariamente habitada por menonitas, quackers e irmandade.
Trago estas coisas históricas por duas razões: estamos comorando mais um aniversário da Reforma e mais do que nunca estes princípios de separação da igreja e estado precisam ser relembrados, em um momento em que setores da igreja evangélica brasileira se envolvem com a política, transformam púlpitos em palanques e têm projetos de criar um estado religioso de fundamentação cristã/evangélica, deputado evangélico está envolvido em corrupção, a bancada evangélica acha que dar uma Bíblia ao presidente é evangelizar, pastores vivem mendigando benesses do poder público para a reforma do templo ou a cessão de um terreno, etc.
Isto é negar um dos elementos basilares da Reforma: Igreja é Igreja, Estado é Estado. A Igreja pode e deve ter uma atitude profética para com o Estado, denunciando os pecados existentes e os cometidos por ele. Para fazer isto, não pode ter o rabo preso.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

REFORMA E OS RADICAIS

Transpiração e inspiração são irmãs gêmeas do processo criativo. Uma descoberta, para ter impacto, deve responder à algumas condicionantes históricas. Newton, Thomas Edison, Pascal e outros, fizeram descobertas que não eram totalmente novidade, mas tinham antecedentes nas pesquisas, descobertas e pensamentos anteriores.
No campo da Reforma religiosa do século XVI, Lutero também não pode ser apontado como alguém que teve todas as idéias que o motivaram a posicionar-se da forma como o fez, mas Wycliffe, os Valdenses, Albingenses, os Cátaros, John Huss, Savanarola são comumente citados como antecessores da Reforma.
Mais que isto, a “descoberta” de Lutero que a justificação do pecador se dá pela fé e esta é obra da graça de Deus, só foi possível porque teve acesso a pensamentos divergentes da teologia oficial e porque esta descoberta teve ambiente histórico, econômico e político para ser aceita larga e amplamente como resposta esperada pela população, tendo em vistas as opressões que sofriam do senhor feudal e da própria igreja através de suas autoridades. Não fossem dadas estas circunstâncias históricas, Lutero, Calvino, Zwínglio e outros talvez não teriam sido quem foram.
Estranha-me que, quando se fala em Reforma, os assim autodenominados reformados, ser esquecem de mencionar uma importante ala da Reforma, que fez com que ela avançasse para além dos limites que Lutero, Calvino e Zwínglio avançaram; a Reforma Radical promovida pelos Anabatistas. A separação da Igreja do Estado, a liberdade de culto e consciência, a opção livre e espontânea para a escolha da fé, foram feitos que os Anabatistas trouxeram. Estes postulados hoje são conditio sine qua non para a vida religiosa, mas há muitos que se esquecem que devem isto aos radicais.
Entender esta dimensão histórica e as condicionantes políticas e econômicas do contexto em que tal se deu, é fundamental. Talvez seja por isto que há quem, hoje em dia, não entendendo estas implicações, querem reproduzir a Reforma do século XVI em pleno século 21.
Tendo isto em mente se deve entender a expressão reformada que se tornou bandeira, ainda que na prática quase nada tem acontecido: Igreja Reformada sempre reformando.
Neste 31 de outubro a igreja reformada e protestante estará celebrando os 500 anos da Reforma, uma pergunta deve estar na mente: o que mudou na igreja reformada nestes anos? Não são as igrejas reformadas réplicas de práticas seculares e, portanto, defasadas no tempo e inócuas nas respostas aos cidadãos do século 21?
Aqui, me parece, reside uma das questões que as igrejas reformadas (e também a católica) devem analisar quando avaliam os problemas pelos quais estão passando, que se traduz na perda de membros e frequência, na falta de vitalidade e no pouco envolvimento de seus membros: está a igreja respondendo às questões das pessoas que vivem no mundo atual? Ou está a igreja repetindo respostas de centenas de anos, que se foram próprias naquele momento, hoje nada dizem?
Há os que pedem uma nova Reforma. Estariam eles dispostos a uma ruptura radical com o atual modelo? Não são muitos destes, pessoas que pedem reforma, mas a querem para reforçar o que já fazem há séculos?
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

REFORMA COMO RETORNO

Os Reformadores tiveram a visão direcionada ao passado. Estavam interessados ​​em descobrir no Novo Testamento as origens do cristianismo, influenciados pelo Humanismo Renascentista que acreditava que a verdade estava nas origens.
Como resultado, os reformadores estavam interessados ​​no estudo do grego e do hebraico, deixando de lado o latim que era a língua oficial da Igreja Católica.
Ao procurar as línguas originais para a verdade do Novo Testamento, eles deixaram de lado a tradução oficial e normativa da Vulgata, tradução feita pelo monge Jerônimo, e que foi criticado por muitos por não ser fiel aos originais.
Este retorno ao passado implicou um grande risco para a Igreja Católica, porque o cristianismo, nas suas origens, não validava a estrutura, a pompa e muito do que a Igreja tinha e fazia.
O perigo era real. Além dos Reformadores clássicos (Lutero, Calvino e Zwinglio), houve a Reforma Radical promovida pelos anabatistas, que levou as reivindicações da Reforma às últimas consequências.
Para entender isto há que se lembrar que a teologia não é feita apenas pelo confronto do calvinismo versus o arianismo, do misticismo versus racionalismo, do liberalismo versus neo-ortodoxia. Ela não é uma discussão para dentro de si mesma, mas diálogo com o contexto, o que envolve o histórico, o cultural, o filosófico, o econômico, o social, o político, etc. Ela é uma resposta às questões em que o mundo vive. A teologia reformada é um pensamento, reflexão, meditação, escrita em diálogo teológico com o mundo que abandonou o paradigma cristão.
O século XVI teve grandes luminares, como Cortes, Carlos V, Pizarro, Copérnico, Lutero, Da Vinci, Maquiavel, Erasmus, Bacon, Galileu, Loyola, Knox, Calvino, Cervantes e tantos outros. Muitas mudanças e transformações que eles promoveram causaram impactos nas mentes dos europeus e uma delas foi o cristianismo do Renascimento. Havia uma contração econômica, as monarquias inglesas e francesas estavam em processo de deterioração, o sistema feudal tornava-se obsoleto e o uso do papel permitia que a memória fosse mantida indefinidamente.
Foi um período de crescimento populacional, da revolução impressa, do aumento do capitalismo, da reforma e contrarreforma, dos estados nacionais, etc. Vários modelos de desenvolvimento e economia foram desenvolvidos
Na política, os reis ganharam o poder com alianças e casamentos arranjados politicamente.
Além disto, não se pode falar de uma só Europa no século XVI. Havia várias. Quase toda a população da Europa Central, Sul e Ocidental vivia em comunidades rurais. A Europa Central e Oriental foi mais opressiva e feudal do que o resto do continente. Na Europa Central e Oriental, as condições eram críticas para a maioria da população camponesa, porque as leis davam direitos para retirar os bens dos camponeses. Na Inglaterra, a população rural aumentou seu grau de liberdade, o que deu origem ao proletariado rural.
Muitos tumultos e revoltas foram a marca do século.
O pensamento dogmático da Idade Média, do tomismo e seus universais, cedeu a um renascimento em literatura, direito, matemática e outras ciências.
A ruptura da perspectiva religiosa e a diversificação do conhecimento geraram incertezas e mudanças.
Houve uma troca entre crenças autênticas, preconceitos e avaliações com interesses pessoais ou grupais. Em termos religiosos, a tolerância e a liberdade de crença seguiram caminhos diferentes.
Não há dúvida de que, em 31 de outubro de 1517, abriu um debate hermenêutico, soteriológico, eclesiológico e ético. A interpretação correta da Bíblia, a suficiência das Escrituras, a graça, a relação da Igreja com o Estado e o estilo de vida do clero eram fundamentais.
Uma nova ordem se estabelecia e a liberdade ganhava espaço na religião, na sociedade e no pensamento.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

DEPOIS DE QUINHENTOS ANOS

É significativo que as duas maiores transformações da sociedade ocidental tenham suas origens em acontecimentos religiosos cristãos: o nascimento de Cristo e a reforma religiosa do séc. XVI que neste 31 de outubro completa quinhentos anos.
Uma visão simplista deste segundo evento o considera como sendo de conotação espiritual, um agir do Espírito para a retomada dos valores do cristianismo dos quais a igreja havia se desviado, algo que aconteceu porque o monge Lutero recebeu uma iluminação especial.
Isto é verdade, mas não toda a verdade. A Reforma não teria sido o que foi se tivesse se limitado aos pensadores (sacerdotes e filósofos) e à nobreza. Ela teve impacto porque teve apoio popular.
Este apoio se deu mais por razões políticas que por convicções religiosas. A sociedade europeia do séc. XVI era feudal (baseada na iníqua equação de direitos da nobreza e deveres da plebe), onde os pobres tinham chances quase nulas de reverter sua situação pela obtenção de salários mais justos, pagamento de menos impostos ou acesso à propriedade.
Lutero, ao atacar o poder papal de decretar indulgências (perdão de pecados que eram vendidos para financiar a pompa papal e a construção da catedral de São Pedro), atacou também o poder de excomunhão, que era o instrumento político usado pelo Vaticano para submeter a população e a nobreza, mantendo assim o estado feudal que tanto lhe interessava. Desde cedo o povo percebeu que as teses de Lutero eram revolucionárias porque podiam reverter o quadro social, político e econômico em que viviam.
A análise mais atenta da Reforma mostra que este engajamento popular permitiu que se reformasse não só a religião vigente, mas a sociedade. Assim, a Reforma só foi um evento significativo porque mexeu também com as estruturas sociais.
As propostas de reforma social partiram não de formulações filosóficas ou econômicas, mas do compromisso em obedecer ao princípio reformado de “Sola Scriptura”.
Ao fazerem mudanças na ordem política e econômica, o fizeram a partir da visão teológica sobre a injustiça e o pecado. Calvino, em Genebra, criou a assistência semi-estatal para os inválidos, doentes e velhos, promoveu a luta contra a imoralidade, fiscalizou os preços, regulamentou o trabalho, estabeleceu feriados e a guarda do domingo, promoveu a educação (André Bielér. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. S. P.: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 102).
O mesmo se pode dizer dos reformadores radicais, os anabatistas. A partir da convicção de que as questões de fé são de foro íntimo e que ninguém pode decidir o que o outro deve crer, defenderam o batismo de adultos como forma de se respeitar o princípio e negaram o poder estatal de decidir qual a religião que os súditos deveriam ter. Como consequência disto, nascem os conceitos de liberdade de consciência e a separação da Igreja e do Estado. Na sua vertente mais radical, Tomas Muntzer promove a guerra dos camponeses para que estes tivessem acesso à terra.
Vivemos uma situação social de excludência da maioria, atirada à pobreza por mecanismos econômicos injustos, onde verbas sociais são cortadas para financiar bancos falidos, o perdão dos pecados é vendido juntamente com as bênçãos da prosperidade.
Mais do que nunca é necessário que a igreja olhe para sua história que ensina o erro de se vender a benção (seja perdão de pecados, cura, libertação ou prosperidade), de crer em revelações extra-bíblicas trazidas pelos iluminados de plantão autointitulados de profetas e profetisas, deve combater com o compromisso da “Sola Scriptura”, da “Sola Gratia”, “Sola Fide”, “Soli Deo glori” e “Solus Christus”.

Marcos Inhauser

FALASTRÕES

Não sei se em algum outro momento da história humana se teve tantos falastrões em postos-chave da política. Nos dias que correm, há quase uma dezena deles, enchendo os noticiários com suas diátribes.
Exemplo maior deles é o Donald Trump. Quando abre a boca, impropriedades saem com fluência, veemência e insensatez. Fala o que quer, quando quer, onde quer. Haja vista que transformou a reunião da ONU em palco de ataques e ameaças.  Ele atira para todos os lados e acaba de comprar briga com os jogadores do futebol americano e do basquete. Não mediu as palavras e ouviu o que não deveria ter ouvido, como presidente que é.
Suas ameaças à Coreia do Norte foram interpretadas pelas autoridades do país (e com razão, digo eu), como declaração de guerra. Parlapatão, precisa de gente atuando como bombeiro para apagar os incêndios que provoca. A cada pouco vem a porta-voz dizer que o que ele disse não é o que disse. Neste mar de impropriedades diárias, muitos dos seus colaboradores já se foram, porque não queriam servir de acólitos no show do boquirroto.
Na América do Sul, como a seguir-lhe os passos, está Nicolas Maduro. Sua retórica bombástica ataca e acusa os Estados Unidos como a causa de todos os seus erros e desatinos. Sua fala, segundo ele, inspirada em Hugo Cháves que o visita como pássaro ou borboleta, além de parecer espada (comprida e chata, bem ao estilo do seu mentor, Fidel Castro), em nada deve às impropriedades do Trump.
Mais calmo nos últimos tempos, há o Evo Morales da Bolívia. Andou falando aos quatro cantos, disse o que quis e, ainda não entendi direito a razão, está em período de “silêncio obsequioso”.
No cenário brasileiro há alguns exemplares. Cito o Bolsonaro, tão falastrão quanto os anteriores, com a agravante de que defende torturador, a ditadura e fez apologia ao estupro. Um boquirroto que insufla a violência contra marginais e de sexualidade alternativa.
Outro exemplo é o Cristiano Zanin, advogado do Lula. Quando comenta o que aconteceu, tenho a impressão de que ele acredita que sua tergiversação dos fatos criará uma nova realidade. Ainda que não promova a violência física, tem o condão que tentar colocar todos contra o sistema judiciário brasileiro, único culpado pelos crimes atribuídos ao seu cliente.
Não posso deixar de citar neste rol o Silas Malafaia, histriônico, narcísico e oportunista, fala o que lhe dá holofotes.
O Gilmar Mendes é boquirroto-mór. Fala sobre tudo, dá palpite sobre qualquer assunto, desde cesariana até motor à explosão. Já disse que me parece que ele tem orgasmos quando ouve sua voz. Seus votos no STF são peças cansativas e de uma lógica toda peculiar, tanto que, quase sempre, são vencidos pela maioria. Quando tem um habeas corpus para julgar monocromaticamente, libera o médico Abdelmassih, o banqueiro Cacciola, os amigos da máfia do transporte do Rio, mas nega quando se trata de Joesley e Wesley (que, a bem da verdade, devem mesmo continuar presos). Ele se considera insuspeito para julgar até uma ação em que ele próprio é réu. É o caso, único na história da humanidade, da imparcialidade absoluta.

O silêncio deles seria uma benção divina!
Marcos Inhauser