É
significativo que as duas maiores transformações da sociedade ocidental tenham
suas origens em acontecimentos religiosos cristãos: o nascimento de Cristo e a
reforma religiosa do séc. XVI que neste 31 de outubro completa quinhentos anos.
Uma visão
simplista deste segundo evento o considera como sendo de conotação espiritual,
um agir do Espírito para a retomada dos valores do cristianismo dos quais a
igreja havia se desviado, algo que aconteceu porque o monge Lutero recebeu uma
iluminação especial.
Isto é
verdade, mas não toda a verdade. A Reforma não teria sido o que foi se tivesse
se limitado aos pensadores (sacerdotes e filósofos) e à nobreza. Ela teve
impacto porque teve apoio popular.
Este apoio
se deu mais por razões políticas que por convicções religiosas. A sociedade
europeia do séc. XVI era feudal (baseada na iníqua equação de direitos da
nobreza e deveres da plebe), onde os pobres tinham chances quase nulas de
reverter sua situação pela obtenção de salários mais justos, pagamento de menos
impostos ou acesso à propriedade.
Lutero, ao
atacar o poder papal de decretar indulgências (perdão de pecados que eram
vendidos para financiar a pompa papal e a construção da catedral de São Pedro),
atacou também o poder de excomunhão, que era o instrumento político usado pelo
Vaticano para submeter a população e a nobreza, mantendo assim o estado feudal
que tanto lhe interessava. Desde cedo o povo percebeu que as teses de Lutero
eram revolucionárias porque podiam reverter o quadro social, político e
econômico em que viviam.
A análise
mais atenta da Reforma mostra que este engajamento popular permitiu que se
reformasse não só a religião vigente, mas a sociedade. Assim, a Reforma só foi
um evento significativo porque mexeu também com as estruturas sociais.
As
propostas de reforma social partiram não de formulações filosóficas ou
econômicas, mas do compromisso em obedecer ao princípio reformado de “Sola
Scriptura”.
Ao fazerem
mudanças na ordem política e econômica, o fizeram a partir da visão teológica
sobre a injustiça e o pecado. Calvino, em Genebra, criou a assistência
semi-estatal para os inválidos, doentes e velhos, promoveu a luta contra a
imoralidade, fiscalizou os preços, regulamentou o trabalho, estabeleceu
feriados e a guarda do domingo, promoveu a educação (André Bielér. O Pensamento
Econômico e Social de Calvino. S. P.: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p.
102).
O mesmo se
pode dizer dos reformadores radicais, os anabatistas. A partir da convicção de
que as questões de fé são de foro íntimo e que ninguém pode decidir o que o
outro deve crer, defenderam o batismo de adultos como forma de se respeitar o
princípio e negaram o poder estatal de decidir qual a religião que os súditos
deveriam ter. Como consequência disto, nascem os conceitos de liberdade de
consciência e a separação da Igreja e do Estado. Na sua vertente mais radical,
Tomas Muntzer promove a guerra dos camponeses para que estes tivessem acesso à
terra.
Vivemos uma
situação social de excludência da maioria, atirada à pobreza por mecanismos
econômicos injustos, onde verbas sociais são cortadas para financiar bancos
falidos, o perdão dos pecados é vendido juntamente com as bênçãos da
prosperidade.
Mais do que
nunca é necessário que a igreja olhe para sua história que ensina o erro de se
vender a benção (seja perdão de pecados, cura, libertação ou prosperidade), de
crer em revelações extra-bíblicas trazidas pelos iluminados de plantão
autointitulados de profetas e profetisas, deve combater com o compromisso da
“Sola Scriptura”, da “Sola Gratia”, “Sola Fide”, “Soli Deo glori” e “Solus
Christus”.
Marcos Inhauser