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quarta-feira, 27 de março de 2019

AUTODESTRUIDORES


Os exemplos se multiplicam. Basta prestar atenção a algumas pessoas e suas decisões. Parece que elas têm o instinto assassino de matar as oportunidades que a vida se lhes apresenta. No trabalho pastoral posso citar de memória um monte de casos de pessoas que agem desastradamente em prejuízo próprio.
Lembro-me de uma mulher que me procurou toda machucada. Soube que ela apanhava do marido há muito tempo. Orientei-a a dar queixa à polícia e se afastar dele para que sua vida fosse preservada. Nada fez e continuou apanhando. Outro que, enrolado até o pescoço com dívidas, foi convencido pelos amigos de apartamento que compartilhavam a vender uma motocicleta de primeira linha que possuía. Saiu no outro dia para se desfazer dela e saldar suas pendências. Quando voltou à casa, tinha vendido a moto, mas comprou um carro zero com prestações impagáveis.
Conheço outra que saiu de casa para comprar uma bolsa e voltou com uma SUV Toyota! Outra, vendeu uma casa que tinha, para ficar sem ter onde morar. Achou um muquifo, mudou-se para lá e o proprietário lhe ofereceu vender. Todos os que a conheciam e também conheciam o proprietário a avisaram que era uma tremenda fria fazer negócio com ele. Não escutou a ninguém, comprou, pagou e até hoje, depois de quase 15 anos, ainda está tentando regularizar a compra.
É o caso do pai que, avisado pelo filho de 17 anos que havia feito um negócio e que, por erro do vendedor, ele o carregou no catão do pai, ele afirma com alto e bom som que o filho o estava roubando. Nem considerou que o filho o estava comunicando um erro e tentando acertar as coisas. Perdeu a autoridade paterna sobre o filho.
Poderia citar os muitos casos de mulheres que, sabendo que o namorado era viciado em algum tipo de droga, mesmo assim decidiram se casar e, depois se arrependem amargamente. Criam piamente que conseguiriam “consertar o marido”.
Mais recentemente, no âmbito da política temos alguns exemplos de “suicídio”. Para ficar em um especialista em tiro no pé, cito o presidente que, sem contrapartida comum no campo da diplomacia, abre os vistos para estado-unidenses, canadenses, japoneses e australianos. Um visto para os EUA custa quase duas centenas de dólares (sem restituição caso seja negado), mais a humilhante entrevista para saber se você é um pretendente a morar e trabalhar naquele país. Ainda com o mesmo personagem, está a declaração dele, em solo chileno elogiando a ditadura de Pinochet. Falou de corda em casa de enforcado!
Acrescente-se a isto as desastradas declarações sobre o aumento de impostos, redução da alíquota do IR, os retuites das asneiras escritas pelos filhos, a comparação da crise com o presidente da Câmara, Maia, como sendo uma briga com a namorada. Há ainda a “carta branca” que deu ao Moro e que, depois, o obrigou a “desconvidar” a Ilona Szabó, especialista em Segurança Pública; a falta de posição no caso do laranjal do PSL que afeta o Ministro do Turismo, as idas e vindas (não sei se houve até agora alguma ida, porque me parece que só há retrocessos) no MEC; a presença esdrúxula do ex-aprendiz de astrólogo, Olavo de Carvalho, sentado à sua direita em reunião nos EUA; a continuidade da folclórica Damares no Ministério de Todas as Coisas; o exótico olavete Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores. Por falar nele, acho que ele tem sangue de barata. Excluído da conversa do Bolsonaro com o Trump, quando assunto tratado era todo relacionado à sua pasta, saiu-se dizendo que o filho do presidente também tem papel protagônico no trato destes assuntos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 20 de março de 2019

INVISIBILIDADE URBANA


Todas as tentativas de narrar a pré-história da humanidade mostram pequenos grupos preambulando em busca de caça e alimento. Os grupos, não mais de cem pessoas, quando muito, se fragmentavam quando cresciam, em função da estratégia da busca de sobrevivência, uma vez que, para se ter alimentos e caça para um grande número de pessoas, era mais problemático.
A convivência em um grupo reduzido de pessoas tem a vantagem de se ter relações afetivas fortes, laços de solidariedade e uma rede de proteção e apoio do tamanho do grupo. A pessoa é reconhecida nas suas qualidades e potencialidades. Ela existe socialmente falando!
Por outro lado, os pequenos grupos, pela dificuldade ou até inexistência de relações externas, tendem a se normatizar nos padrões aceitos pelo grupo, a buscar a homogeneização comportamental e de cosmovisão. Nestas sociedades a convivência com o diferente é mínima ou nula. Não há o treino para a vida com a novidade ou o diferente. É uma situação de conforto.
Quando a humanidade começou a se sedentarizar, vivendo mais tempo em um mesmo lugar, quando começou a dominar as técnicas da agricultura e pastoreio, quando o desenvolvimento comunitário começou a experimentar avanços, os grupos puderam crescer e assim fizeram. Agora se tinha mais gente vivendo juntas nos assentamentos onde se lavrava a terra e se cuidava dos rebanhos. O aumento dos grupos introduziu a necessidade da convivência com o diferente (ainda que em pequeno número).
A transposição do modelo rural/pastoril para o urbano trouxe implicações enormes. Cada pessoa teve que aprender a lidar com um número maior de pessoas e desconhecidos, com uma variedade maior de diferentes, com hábitos e comportamentos estranhos. À medida que o grupo aumentava, diminuía a capacidade de estabelecer relações afetivas significativas, menor era o reconhecimento social para a existência, uma vez que, em função da quantidade, o anonimato se instalava. Surgem os “walking deads”: seres que vivem sem vida social, invisíveis para a grande sociedade, não reconhecidos, não vistos, não ouvidos.
A forma de chamar a atenção, de gritar “olhem para mim”, “me escutem”, de chamar a atenção dos transeuntes, é usar penteados espalhafatosos, roupas “descoladas”, enormes brincos, piercings, tatuagens até na testa. Quanto mais invisível a pessoa se sente, mais ela chama a atenção.
Esta análise me vem ao pensar nos recentes episódios de massacre: Suzano e Christchurch, além dos casos de feminicídio resultantes da inconformidade com o fim da relação. Note-se que os atiradores dos massacres queriam “se tornar heróis, reconhecidos”, queriam dizer “eu existo” ainda que para isto, paradoxalmente, lhes custasse a vida! As Deep e Dark Web eram espaços onde encontravam pessoas dispostas a ouvi-los e lhes dar ajuda. A solidariedade para a fama questionável. Os invisíveis sociais ganharam as páginas dos jornais e as telas de televisão. Conseguiram ser vistos e estudados pela sociedade.
Os feminicidas, ao verem uma relação ruir, pela incapacidade de estabelecer novos relacionamentos porque sabem ser invisíveis sociais, matam quem os rejeita. A frustração de não ser ninguém os leva a matar quem, por um tempo, deu-lhes esperança e reconhecimento. Matam quem se interessava por eles, paradoxo dos paradoxos.
Faltam orelhas e olhos na sociedade. Todos de cabeça baixa olhando a tela e, ao redor, milhares pedindo: “olha prá mim!”.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 13 de março de 2019

A RETÓRICA E A PARRESIA


Michel Foucault, em uma de suas últimas aulas (01/08/94), fez comentários sobre o exercício da retórica e a parresia (que é o falar a verdade, sem esconder nada). Para ele, “na retórica não há vínculo entre aquele que fala e o que ele diz, mas a retórica tem por efeito estabelecer um vínculo obrigatório entre a coisa dita e aquele ou aqueles a quem ela é endereçada ... está no exato oposto da parresia”.
A parresia, por sua vez” estabelece entre aquele que fala e o que diz um vínculo forte, necessário, constitutivo, ... (que) se abre sob a forma de risco ... entre aquele que fala e aquele a quem ele se endereça. ... aquele a quem ele se endereça sempre pode não acolher o que lhe é dito. Ele pode (sentir-se) ofendido, pode rejeitar o que lhe dizem e pode, finalmente, punir ou vingar-se daquele que lhe disse a verdade”. É o falar sem dissimular.
Voltei a ler estes textos do Foucault em função de coisas acontecidas no passado recente e no presente da política brasileira. Não posso esperar de Foucault uma digressão sobre o significado e as consequências das Fake News, mesmo porque, nada data em deu suas últimas aulas, tal conceito ainda não havia sido elaborado. No que pese a isto, não posso desconsiderar que o termo é mais novo, mas o uso de meias verdade ou mentiras propositais sempre fizeram parte da política. Parece-me que a palavra “demagogia” está muito próxima ao conceito de retórica de Foucault, e é irmã gêmea de Fake News.
No anedotário político brasileiro há inúmeros exemplos de demagogia. Conta-se que Ademar de Barros subia ao palanque e, antes de começar a falar, tirava do bolso um sanduíche de mortadela, para que as pessoas o considerassem uma pessoa do povo. Também se conta que, quando suava em seus discursos, tirava do bolso um lenço e, propositalmente, caía um terço que ele o apanhava no chão e, com toda a reverência, o beijava e o recolocava no bolso. Assim fazia para mostrar que era católico fervoroso. Jânio Quadros afirmava que a Coca-Cola era um veneno e que iria fechar a fábrica e proibir o comercio do refrigerante. Nunca o fez e se sabia que era bravata eleitoreira.
A onda de Fake News, propiciada pela proliferação das redes sociais, onde pessoas reais, perfis falsos e robôs disseminam notícias e inverdades, é algo que está entre o demagógico e a retórica no sentido proposto por Foucault: sem nenhuma relação entre o que “envia as mensagens” e o que “recebe as mensagens”, sem conexão com a verdade dos fatos. Um paradoxo da problemática é que quem condena as Fake News, se vale delas para conseguir seus propósitos, haja visto os recentes episódios, tanto na política brasileira como na estado-unidense.
Exemplo claro desta retórica dissimuladora são os discursos do autocrata Maduro, diagnosticando como ataque do imperialismo ianque o que se sabe é incompetência do falastrão.
Tenho para comigo que os falastrões e Instagramers poliativos (para usar um neologismo para me referir às novas formas de falastrões midiáticos) são mais tendentes a ser retóricos e demagógicos, quando não fabricantes e disseminadores de inverdades ou meia verdades. Exemplo disto foi a controvérsia com o Bebiano, se falou ou não com o pai, quando este estava no hospital e mais recentemente a da jornalista do Estadão.
A parresia tem um preço e parece que os políticos não têm disposição de pagar. Quem paga o pato é o povo que engole meias verdade como verdade final.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 6 de março de 2019

É MUITA CINZA!


É verdade que o uso litúrgico das cinzas como símbolo de arrependimento remonta aos tempos bíblicos. Podemos ver o uso delas no arrependimento em Ester, quando Mardoqueu se veste de saco e se cobre de cinzas ao saber do decreto de Asuero I (Xerxes, 485-464 AC, da Pérsia, que condenou à morte todos os judeus de seu império Est 4:1). Outro personagem, Jó, mostrou seu arrependimento vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinzas (Jó 42:6). Daniel afirmou: "Volvi-me para o Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o cilício e a cinza" (Dn 9:3). O povo de Nínive proclamou jejum a todos e se vestiram de saco, inclusive o Rei, que além de tudo levantou-se de seu trono e sentou sobre cinzas (Jn 3:5-6). São exemplos do Antigo Testamento que mostram a prática estabelecida de valer-se das cinzas como símbolo de arrependimento.
Jesus fez referência ao uso das cinzas: "Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam se arrependido sob o cilício e as cinzas. (Mt 11:21).
Por outro lado, as cinzas também são símbolo de algo que foi destruído, queimado, que virou pó. Elas são a evidência do aniquilamento. “Tudo virou cinzas” é uma expressão que denota derrota, impossibilidade de se recuperar ou ressuscitar.
Quando penso na quarta-feira de cinzas fico entre a cruz e a espada. Não sei se as cinzas, no caso do brasileiro, seriam símbolo de arrependimento ou de aniquilamento. Digo isto porque o Carnaval tem sido um evento nacional que vem ganhando contornos cada vez maiores a cada ano e são exploradas comercialmente as festas que em seu nome se realiza. Muitos cometem excessos de todos os gêneros e pode ser que, ao voltar à vida de trabalho e estudos, se arrependam dos excessos cometidos e por eles peçam perdão.
Parece que o ex-governador Cabral foi acometido do espírito de arrependimento antes da quarta de cinzas. Decidiu entregar os podres de sua administração. Acho que mudou a estratégia para ver se esconde ou sobra algum do arsenal de dinheiro que tem sabe-se lá onde.
Mas o Bolsonaro parece que está fazendo cinzas das suas promessas de campanha. Prometeu que não haveria o toma-la-dá-cá e há fortes indícios de que abriu o balcão fisiológico para, ao menos, aprovar a Reforma da Previdência. Mas ele próprio já está queimando etapas ao explicitar o que pode ser mudado na proposta, antes mesmo de se iniciarem as negociações. A sabedoria virou cinzas!
Também virou cinzas a propalada decisão de não interferir na composição ministerial, dando aos ministros carta branca. O recente episódio do convite feito por Moro a Ilona Szabó e sua defenestração, antes mesmo que esquentasse na cadeira, mostra que a carta branca tem seus pontos cinzas bastante escuros. O mesmo se deu com o Bebiano, criticado por ter marcada na agenda uma reunião com o encarregado das Relações Institucionais da Globo.
Se as redes sociais o alçaram à presidência, estas mesmas redes têm dado balizamentos para suas ações. Mesmo que venha dizer que nenhum dos filhos interferirá no seu governo, parece que o MBL e outros viralizadores de comentários nas redes têm, sim dado a pauta para este governo.
Se o senador Jorge Kajuru votou pedindo a opinião para seus seguidores no Facebook, parece que o presidente está fazendo o mesmo, olhando parcialmente para a opinião pública via Whatsaap e Instagram.
Marcos Inhauser



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

NOVOS CHAVÕES


O advento da Lava Jato teve o condão de produzir alguns chavões, repetidos à exaustão, que mais parecem mantras. Frases como “as contas da minha candidatura foram aprovadas pela Justiça Eleitoral”, “todas as contas foram declaradas à Justiça Eleitoral”, “vou provar a inocência no decorrer do processo”, “são denuncias feitas por um delator que busca ter redução da penas para os seus próprios crimes”, “é perseguição política”, “a justiça está provando o improvável”, “a condenação desprezou os argumentos da defesa”, etc. 
Neste cipoal de chavões, chama-me a atenção o quanto se usa a Justiça Eleitoral para sacramentar a legalidade de contas escusas. O fato de levar ao TRE ou TSE e receber o carimbo de protocolo, dá aos políticos o argumento da regularidade de suas contas. Digo carimbo de protocolo porque, ao que tudo indica, a Justiça Eleitoral tem uma legislação que mais parece queijo suíço, de tantos furos que tem. Raras vezes as contas de um candidato ou eleito são exaustivamente examinadas, julgadas e, quando o são, muito tempo já se passou e os efeitos práticos da rejeição se tornam nulos. Ela é lenta, omissa, frágil, sem poder coercitivo concreto e suas sentenças são questionadas ad infinitum, perpetuando larápios do erário no controle da máquina pública.
É inadmissível que o Caixa Dois seja até hoje considerado como omissão de informação e não como crime, como deveria ser. Todo mundo da Lava Jato usa o argumento do Caixa Dois para tentar evadir-se da condenação.
Veja o caso do agora presidente do Senado (aquele que veio para ser o novo na política). Reportagem da Folha de São Paulo dá conta de que, há anos, ele vem omitindo informações sobre seu patrimônio imobiliário. Questionado sobre o fato (que se arrasta há mais de uma década) saiu-se com a pérola: “as possíveis imprecisões se devem à morosidade cartorial.” O Cabral argumentou com a chancela do TRE e TSE para as suas contas e alegou Caixa Dois. Parece que a prisão o levou a uma crise de sinceridade e veio agora confessar, com detalhes, o propinoduto que irrigou os seus governos e as maracutaias com as obras públicas.

Quando parecia que o novo ministro da Justiça, o Moro, iria apresentar algo para, enfim, criminalizar o Caixa Dois, incluindo a prática como crime inserida no pacote de medidas que apresentou, sabe-se lá por quais razões, decidiu ceder à pressão e separou o texto da proposta e o encaminhou como proposta autônoma. Os raposas ficaram felizes. Sabe quando será aprovado? Nunca! E não o será porque, quem vai votar a matéria, é uma legião de praticantes contumazes do Caixa Dois e ele não vão votar a própria incriminação.
Outro problema que surgiu nesta última eleição é o laranjal das candidaturas fantasmas. Novos chavões começaram a surgir: “a prestação de contas é de responsabilidade dos candidatos”, “se ela se candidatou, recebeu a verba e teve poucos votos é porque não tinha cacife eleitoral”, “a questão é insignificante”, “mulher não tem aptidão para a política e por isto recebem poucos votos”.
Como pagadores de pesados impostos e pessoas atentas aos fatos da política vamos ter que escutar estas barbaridades. Mas, como diz o ditado, é melhor escutar isto que ser surdo!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

OS TRAPALHÕES


Os recentes episódios da política brasileira, tão pródiga em trapalhadas e fonte inesgotável para os humoristas, me levaram a lembrar de uma frase do Platão: “ Quem ocupa um cargo – quer ele próprio o tenha escolhido como o mais honroso, quer nele tenha sido posto por um chefe – tem o dever, na minha opinião, de nele permanecer firme, qualquer que seja o risco, sem levar em conta a morte possível, nem qualquer perigo” (Apologia de Sócrates).
Sabe-se por dados públicos que o Bebiano foi o condutor-chefe da campanha do Bolsonaro, sendo o estrategista de primeira hora, o caixa da campanha e a figura central de tudo quanto se referia à campanha. Sabe-se também que ele e o Carlos Bolsonaro não eram grandes amigos, antes, pelo contrário, se estranhavam a toda hora. Por dedução basilar sabe-se que o Bebiano se candidatava a um cargo expressivo no governo do seu eleito, como “pagamento” pelo que fez durante a campanha, mas não foi dos primeiros nomeados, tendo sido o décimo primeiro. Se ele foi nomeado para o que todos já sabiam que o seria, por que demorou tanto para que seu nome fosse anunciado? O que dizer das notícias de que sua nomeação desagradou o filho mais novo, o Carlos, com quem já vinha mantendo alguns entreveros?
De outro lado, não pode ser desprezada a simbologia da presença do pitbull da família no carro durante a posse presidencial. Tampouco deve ser desprezada a simbologia da sua presença em reuniões do alto escalão executivo (sem que tivesse qualquer cargo no primeiro escalão), e também a sua presença em Davos.
Isto posto, se deve fazer uma avaliação crítica, entendendo que a avaliação e a crítica dos outros (Bolsonaro e Bebiano) tem duas possibilidades: interpretar e assimilar a avaliação crítica e mudar, ou indagar e questionar para extrair o que há de verdade nela. As rusgas entre o Pitbull e o Bebiano foram noticiadas e pouco avaliadas para se extrair a verdade dos fatos. O clímax da tensão feito no post em que o Carlos carimba o Bebiano de mentiroso tem sido alvo de muitas indagações e críticas e a verdade, ao que me parece, ainda não veio à tona. No entrevero Carlos e Bebiano, somou-se o respaldo do pai ao filho. Disto resultou a demissão do Bebiano.
Voltando ao Platão, o Bebiano teria “o dever, na minha opinião, de nele permanecer firme, qualquer que seja o risco, sem levar em conta a morte possível, nem qualquer perigo”. É verdade que ele não saiu, foi saído, o que torna a coisa ainda mais passível de investigações e conjecturas. Alegar “foro íntimo” é fugir da raia. Se o presidente diz que seu lema é o bíblico “conhecereis a verdade e a verdade nos libertará”, ele tem o dever de, em consonância com seu lema, vir a público e dizer a verdade libertadora.
Agora, se ele tergiversa, afaga no “live” que publicou e oferece a ele um cargo em Itaipu, seria esta a forma da nova política que ele se propõe a fazer? Neste céu que não é de brigadeiro, tem muita nuvem escura e a meteorologia política prenuncia chuvas e trovoadas, com deslizes e mais mortes políticas. O que me pasma é que os espaços vão sendo ocupados pelos militares. Isto, para mim, é sinal de que chuvas torrenciais virão!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A HISTÓRIA NÃO É JUSTA


A frase dita por Yuval Harari no seu livro Sapiens causou-me estranheza quando a li por vez primeira. Ao fazer a afirmação, elenca ele uma série de exemplos que corroboram a assertiva. 

Este veredicto me veio à mente nestes dias com intensidade e me obrigando à reflexão. As recentes tragédias que se abateram sobre o Brasil e que envolveram os quatro elementos (sem querer ser esotérico): Terra – Brumadinho; Água – enchentes no Rio de Janeiro; Fogo – CT do Flamengo e Ar – Boechat.

Que justiça pode ser vista nos desastres produzidos pela Vale em Mariana e Sobradinho? É justo tanta gente perder a vida e suas casas e a Vale passar incólume pelo desastre de Mariana e ir se safando das consequências de Brumadinho? Alguém, em sã consciência, acredita que a Vale vai pagar tudo o que está prometendo? Ou que vai se responsabilizar e trabalhar para minorar os impactos produzidos pelos desastres ambientais que provocou? É justo que tanta gente tenha morrido, tantas estejam de luto pela perda de parentes e amigos, por causa da incúria de administradores que trabalham com metas de lucros, sem pensar no humano?

É justo morrer dentro de um ônibus, indo para o trabalho, por uma avalanche que desceu do morro? É justo que as pessoas paguem o preço quando a Prefeitura sabia dos problemas e riscos que havia nas encostas dos morros e nada fez?

É justo um clube de futebol falar em incidente quando o que aconteceu no CT foi negligência, desrespeito continuado à legislação, uso de espaço interditado, material inapropriado na construção? É justo que meninos imberbes tenham suas vidas e sonhos ceifados porque um clube que deve montanhas ao INSS, que desobedece a legislação, que não oferece condições nos alojamentos, que não provê uma saída de emergência, que instala um ar-condicionado com gambiarra, que tenha sido notificado 31 vezes, continue sem ser severamente penalizado?

É justo pagar impostos pesados para ter uma Prefeitura, Estado, Bombeiros, Secretaria de Obras e tantos outros órgãos que nada fizeram para evitar tal tragédia? É justo sustentá-los se eles não interditaram o espaço? Para que serviram as multas? Só para aumentar a arrecadação? Fiscalização mais multa, sem punição efetiva na desobediência é negligência pura.

Para que serve a ANAC, com membros regiamente pagos e ainda com a suspeita de que têm suas vantagens oferecidas pelas companhias aéreas em forma de viagens de cortesia, se ela não fiscalizou a empresa dona do helicóptero que não podia fazer taxi aéreo? Quem contratou será punido? Repete-se, em escala menor, o acidente com a Chapecoense. Provavelmente os que contrataram o Boechat para vir a Campinas para a palestra, foram os mesmos que, para economizar, contrataram a SAE como taxi aéreo, provavelmente por ser mais barata. Assim foi com a Lamia e a Chapecoense que até hoje ainda não teve a indenização paga aos familiares. Quem vai pagar o seguro para os seis filhos do Boechat?

É justo o que o Maduro está fazendo na Venezuela? É justo fechar as fronteiras para evitar que a ajuda humanitária não entre?

Só espero que a reforma da previdência não seja um rosário de injustiças, uma vez que o decreto de posse de armas e alguns pontos do pacote Moro para combater a criminalidade tem seus elementos injustos.

Marcos Inhauser


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

FAZENDO HISTÓRIA


Com certeza você já ouviu ou pronunciou a frase: “estamos realizando um marco histórico”. Pode também ser uma frase assemelhada a esta. Fico estarrecido com a facilidade com que as pessoas acham que o que fazem se tornará fato histórico.
No final do ano um jovem me pressionava para que eu me posicionasse quanto ao então futuro governo do Bolsonaro e a indicação do Moro para o Ministério da Justiça. Eu dizia que não se podia fazer avaliações a priori e que os fatos relacionados à vida política se inserem no campo da história e que estes devem ser avaliados com algum tempo passado. Não se avalia fatos em cima dos atos, mas só o tempo pode dar uma dimensão mais clara da sua importância.
Sem querer atropelar este meu entendimento (que, diga-se de passagem, não é meu, mas o aprendi com outros), quero chamar a atenção para alguns fatos recentes e que poderão e deverão ser objeto de análises futuras porque tem o condão de serem marcos históricos na política brasileira.
Refiro-me à eleição no Senado da República. O Senado sói ser uma casa mais moderada, sem grandes arroubos, mesmo porque formada por gente mais velha e experimentada na vida e na política. Há quem diga que é um poder moderador. No entanto, o que se viu nas duas sessões para a eleição do presidente foi o teatro do horror, com direito a coisas impensadas para a casa senatorial.
A começar pela disputa sobre quem tinha o direito de presidir a sessão. O que estava em jogo eram as pretensões políticas de um raposa da política e com extensa ficha de denúncias de corrupção. Do outro lado, um do baixo clero, sem brilho próprio no tempo em que no Senado está, que, sabe-se lá por que e como, estava candidato, apoiado pelo Ministro da Casa Civil. Havia nesta postulação interesses vários e temo que nem todos republicanos, tal como também se dava com o outro lado da disputa.
A atuação histriônica e infantil da senadora Kátia Abreu é algo digno de nota e que também merecerá avaliação futura, quando os historiadores se debruçarem para avaliar os fatos. Quais os interesses motivaram a ex-ministra do PT a se atirar sofregamente sobre os papeis da presidência?
Neste caldo de fatos inusitados, merecerá também a atenção o papel do ministro do STF, Toffoli, que, mesmo tendo afirmado em seu discurso de início do ano judiciário que deveria ser respeitada a autonomia dos poderes, sem a ingerência de um sobre o outro, profere sentença monocraticamente anulando a decisão plenária do Senado. Qual a motivação que ele tinha em se negar e influir em decisão de outro poder? A história dirá.
Os historiadores também deverão se debruçar sobre a fraude constatada com a presença de votos fora do envelope padrão e com um voto a mais do esperado e regulamentar. Fraude em votação do Senado? Bem, não é a primeira vez e há que se lembrar do problema do painel eletrônico, quando Jader Barbalho e ACM estiveram envolvidos. Quem fez e porque fez, é assunto para historiadores.
Mais estupefaciente foi a decisão do Renan de, iniciada a votação e perceber que seria derrotado, retirou a candidatura porque não queria ter no seu currículo uma derrota acachapante. É o caso do menino dono da bola que, porque não gostou do gol marcado contra a sua equipe, vai embora e leva a bola.
Acho que não preciso esperar para dar meu veredicto (ainda que temerário): há grande chance de termos nos livrado deste câncer da política fisiológica.
Marcos Inhauser

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O VALE DA MORTE


O salmo 23 é um dos textos mais conhecidos no mundo e muitos o sabem de memória. Usando da metáfora do pastor e das ovelhas, traz algumas lições preciosas que tem sido de alento para muitos, especialmente em momentos de sofrimento.
Algumas coisas, no entanto, precisam ser destacadas para que este Salmo não diga o que ele não quer dizer e nem pode dizer. A primeira delas é que se trata de uma oração humana e não de uma promessa divina. Ainda que esteja na Bíblia e muitos a tomem como palavra de Deus, os Salmos, na quase totalidade, são orações humanas dirigidas a Deus. No caso específico do Salmo 23, mais que uma promessa de Deus de que “nada faltará”, que haverá “pastos verdejantes”, “águas tranquilas”, consolação no “vale da sombra da morte”, devemos entende-lo como desejo e súplica humanas. Quando estamos no sufoco, no vale da sombra da morte, queremos ser guiados para águas tranquilas e comida farta.
Com certeza, este Salmo está sendo recitado, clamado, e tem provocado muitas lágrimas ao lê-lo, especialmente pelos que estão diretamente relacionados com a tragédia de Brumadinho. Estão todos no “vale da sombra da morte”, assim como estiveram os moradores de Mariana.
Com o perdão do trocadilho, ocorre que a Vale é a sombra da morte e nela não há conforto algum, haja visto que até hoje ninguém responsável pelo desastre de Mariana foi punido, as famílias continuam sem ter onde morar e as desculpas se multiplicam. Agora vem o vale de Brumadinho que se transformou em vale de morte por incúria da Vale.
Neste turbilhão de fatos, notícias, opiniões, pareceres, diagnósticos de especialistas, percebe-se por parte de gente mais proximamente relacionada aos fatos que há uma batalha de palavras. Uns falam de tragédia anunciada, outros de tragédia, outros que foi um acidente e há quem tenha o desplante de dizer que foi um incidente. Vem o outro dizer que a barragem estava inativa há três anos, que há laudo de setembro atestando a estabilidade do sistema, que havia planos de fuga, etc. Nada disto é “vara e cajado” que consolam. A Vale é especialista em pegar os pastos verdes e entregar às suas ovelhas os dejetos da grama que come. Onde a Vale está, as águas não são tranquilas, mas vales de morte. Mariana e Brumadinho vão competir com o vale egípcio onde se enterravam os faraós: aqui vai ter muitos mais corpos sepultados.
Se Deus é onipresente, a Vale tem seu sentido de onipresença, porque está por toda parte, especialmente em Minas Gerais. Ela foi uma benção (dádiva) gestada pelas privatizações do governo FHC, vendida na bacia das almas a preço irrisório. O que era para ser um Vale de Benção se transformou em cemitério.
No marketing da empresa divulgados recentemente se fala da Vale com o abuso do prefixo “re”: reinventar, redescobrir, etc. Faltou falar de “reincidir”. A Vale vem se mostrando especialista em reincidir nas práticas delituosas e criminais de morte no atacado e crime ambiental. Acho que a Vale não se recupera. Tá viciada no lucro a qualquer custo, mesmo que sejam vidas humanas.
Haverá algum consolo para os que foram afetados? Haverá cajado (disciplina) para os responsáveis? Eu de minha parte, baseado nos fatos anteriores, não tenho esperança.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O FALAR A AMIGOS E INIMIGOS


Há duas máximas que as aprendi na juventude e que me marcaram muito, servindo como parâmetros para minha vida.
A primeira me foi ensinada em sala de aula, ainda na adolescência, pelo professor Luisão, quem, mais que um professor de matemática, era um amigo dos alunos. Ele nos aconselhou dizendo que quando a gente está diante de uma pessoa que quer nos incriminar ou julgar e ela faz perguntas, nunca se deve responder completamente à sua pergunta. A sua máxima era: “diante da pergunta do inquisidor, sempre dê a resposta pela metade”. Ele justificava esta sua orientação dizendo que quanto mais se fala, mais estaremos dando munição ao oponente. Constatei isto durante minha vida.
A segunda eu a aprendi em uma situação não muito agradável, mas que me marcou profundamente. A máxima aprendida foi: “Ao amigo não é preciso explicar, ao inimigo, não adianta explicar”. A razão para este procedimento é que o amigo, verdadeiro amigo, não precisa de explicações para continuar seu amigo. Ele entende, ele apoia, ele quer te ver saindo para frente. O inimigo, por outro lado, nem com mil boas e fundamentadas razões vai se convencer. E não se convence porque já tem opinião definida.
Ao ler certas passagens da vida de Jesus, quando foi ele inquirido por seus opositores, assumiu a posição de falar o mínimo possível. Quando lhe perguntaram se era lícito pagar tributos a César, laconicamente respondeu: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Quando curou o paralítico trazido pelos quatro amigos, mencionou o perdão dos pecados ao que foi censurado pelos doutores da lei. Outra vez, laconicamente, disse: “o que é mais fácil fazer? Perdoar pecados ou dizer toma teu leito e anda”? Diante de Pilatos, ao ser perguntado se era filho de Deus, ele foi ainda mais comedido; “Tu o dizes”.
Há uma terceira máxima que aprendi na caminhada: quando uma pessoa explica uma coisa e volta a explicar e explica pela terceira vez, as explicações são falaciosas. É uma tentativa de convencer pela insistência na repetição da história. Quando você analisa com cuidado as narrativas repetidas, percebe que cada uma delas acrescenta algo mais, que, não raro, atropela os fatos. A Lava Jato e seus depoimentos são exemplo desta máxima. Algo me diz que as explicações do Flávio Bolsonaro se enquadram neta máxima. Cada explicação dada tem levantado mais dúvidas que esclarecimentos.
Estas considerações me levam a lembrar um cartaz pregado na parede, muito mal escrito e que estava na tipografia em que trabalhei: “Nunca vi um ganhador em uma discussão”. Acho que foi neste contexto que o sábio veterotestamentário disse: “O falar é prata, mas o calar-se é ouro”. Há sabedoria no falar pouco, no silêncio.
Li uma enquete com respostas à pergunta; O que é luxo? Uma das respostas foi: “o silêncio é luxo e este luxo poucas pessoas sabem desfrutar.”
Silenciar-se diante do oponente ou do inimigo não é fraqueza, é estratégia. O opositor não sabe lidar com o luxo e a sabedoria do silêncio.
Marcos Inhauser