Todas as tentativas de narrar a pré-história da humanidade
mostram pequenos grupos preambulando em busca de caça e alimento. Os grupos,
não mais de cem pessoas, quando muito, se fragmentavam quando cresciam, em
função da estratégia da busca de sobrevivência, uma vez que, para se ter
alimentos e caça para um grande número de pessoas, era mais problemático.
A convivência em um grupo reduzido de pessoas tem a vantagem
de se ter relações afetivas fortes, laços de solidariedade e uma rede de
proteção e apoio do tamanho do grupo. A pessoa é reconhecida nas suas
qualidades e potencialidades. Ela existe socialmente falando!
Por outro lado, os pequenos grupos, pela dificuldade ou até
inexistência de relações externas, tendem a se normatizar nos padrões aceitos
pelo grupo, a buscar a homogeneização comportamental e de cosmovisão. Nestas
sociedades a convivência com o diferente é mínima ou nula. Não há o treino para
a vida com a novidade ou o diferente. É uma situação de conforto.
Quando a humanidade começou a se sedentarizar, vivendo mais
tempo em um mesmo lugar, quando começou a dominar as técnicas da agricultura e
pastoreio, quando o desenvolvimento comunitário começou a experimentar avanços,
os grupos puderam crescer e assim fizeram. Agora se tinha mais gente vivendo
juntas nos assentamentos onde se lavrava a terra e se cuidava dos rebanhos. O
aumento dos grupos introduziu a necessidade da convivência com o diferente
(ainda que em pequeno número).
A transposição do modelo rural/pastoril para o urbano trouxe
implicações enormes. Cada pessoa teve que aprender a lidar com um número maior
de pessoas e desconhecidos, com uma variedade maior de diferentes, com hábitos
e comportamentos estranhos. À medida que o grupo aumentava, diminuía a capacidade
de estabelecer relações afetivas significativas, menor era o reconhecimento
social para a existência, uma vez que, em função da quantidade, o anonimato se
instalava. Surgem os “walking deads”:
seres que vivem sem vida social, invisíveis para a grande sociedade, não
reconhecidos, não vistos, não ouvidos.
A forma de chamar a atenção, de gritar “olhem para mim”, “me
escutem”, de chamar a atenção dos transeuntes, é usar penteados espalhafatosos,
roupas “descoladas”, enormes brincos, piercings, tatuagens até na testa. Quanto
mais invisível a pessoa se sente, mais ela chama a atenção.
Esta análise me vem ao pensar nos recentes episódios de
massacre: Suzano e Christchurch, além dos casos de feminicídio resultantes da
inconformidade com o fim da relação. Note-se que os atiradores dos massacres
queriam “se tornar heróis, reconhecidos”, queriam dizer “eu existo” ainda que
para isto, paradoxalmente, lhes custasse a vida! As Deep e Dark Web eram
espaços onde encontravam pessoas dispostas a ouvi-los e lhes dar ajuda. A
solidariedade para a fama questionável. Os invisíveis sociais ganharam as
páginas dos jornais e as telas de televisão. Conseguiram ser vistos e estudados
pela sociedade.
Os feminicidas, ao verem uma relação ruir, pela incapacidade
de estabelecer novos relacionamentos porque sabem ser invisíveis sociais, matam
quem os rejeita. A frustração de não ser ninguém os leva a matar quem, por um
tempo, deu-lhes esperança e reconhecimento. Matam quem se interessava por eles,
paradoxo dos paradoxos.
Faltam orelhas e olhos na sociedade. Todos de cabeça baixa
olhando a tela e, ao redor, milhares pedindo: “olha prá mim!”.
Marcos Inhauser
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