Leia mais

Há outros artigos e livros de Marcos e Suely Inhauser à sua disposição no site www.pastoralia.com.br . Vá até lá e confira

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

RECEPTADORES LEGALIZADOS?

O Código Penal, no seu Art. 180, define a receptação como “adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte”
Em outras palavras, se recebo, compro ou tenho vantagem com o produto de um crime, ainda que não praticado por mim, sou receptador e, por tanto, passível de condenação.
Agora, por que não são considerados receptadores os advogados que defendem os criminosos da Lava Jato, Carf, PCC, CV e outras organizações, que estão recebendo honorários milionários, pagos com dinheiro produto de crime? Não estão eles se beneficiando de algo que sabem é corrupção, roubo, peculato, etc? Por que o que se paga a eles é isento de punição?
Isto é ainda mais grave quando o parágrafo 6º do mesmo artigo, estabelece que: “tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro”. Se o que estes advogados regiamente pagãos recebem é fruto do que seus clientes roubaram dos governos federal, estaduais e municipais, da Petrobrás, do Metrô, do Comitê Olímpico, da Funasa, etc. por que não estão incursos nos parâmetros da retro mencionada lei?
Que me perdoem os doutos, mas qual a diferença entre o dono de um desmanche que pega um carro roubado, separa as peças e as vende e assim tira proveito de um crime e um que, ainda que não seja dono de um ferro velho, recebe um criminoso, dá-lhe uma maquiada conceitual no crime e ganha horrores com a plástica feita? Qual a diferença com os que fizeram as 78 cirurgias plásticas no colombiano Abadia, traficante de drogas, como forma de despistar a polícia? O dinheiro que ganharam era dinheiro de crime e usado para que escapasse da justiça.
Conheço o caso da esposa de um alto funcionário governamental de um determinado país. O marido, com as devidas anuências e cumplicidade da esposa, ganhou milhões de dólares. Como a chapa estava esquentando, ela contratou professora particular para a filha, empregadas para a casa, motoristas particulares e pagou salários altíssimos. O acordo era que, se acontecesse alguma coisa com ela, eles se encarregassem de pagar as contas da filha na escola e cuidassem dela.
Quando a coisa estourou, não só deram busca na casa da autoridade e o prenderam, bem assim sua esposa, como na casa de todos os amigos e funcionários e pegaram tudo que tivessem e que foi dado pelo casal.
A questão dos salários não veio à tona. Mas como a filha continuava a frequentar a mesma escola caríssima, a polícia foi investigar quem estava pagando e como estava pagando. Sobrou para eles também.
Aqui no Brasil, o Sérgio Machado não continua a morar na mesma casa, com todas as mordomias? O Lula está pagando uma penca de advogados com o dinheiro dos seus proventos? Como o Palloci está pagando os muitos que o defendem? Como estão sendo pagos os advogados do Vaccari? E os do Cerveró, Duque, Barusco, Pedro Correia e outros mais?
Que me expliquem os entendidos: é isto legal? É isto justo? É isto honesto? É isto receptação legalizada?
Na minha cabeça, confesso, há um nó. Não entendo e quero entender. Quem puder, me ajude com explicações plausíveis.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

NÃO DOEI UM CENTAVO

NÃO DOEI UM CENTAVO
Fico admirado com a capacidade dos políticos brasileiros de criarem normas para serem burladas ou para burlar as que não fizeram. Exemplos disto são conhecidos, tais como auxílios moradia, gastos com gasolina e correio, assessores, empréstimos para assessores que são formas disfarçadas de reter parte dos salários, doações “legais” de propinas, etc.
Diante deste quadro não é de se estranhar que as novas regras para financiamento das campanhas políticas tenham sido alvo desta criatividade burladora dos políticos. Os dados publicados mostram que mais de 34% das alegadas contribuições reportadas estão sub-judice, uma vez que há mortos que contribuíram, quem doou mais do que podia, beneficiários do Bolsa Família e gente que nem sabe que doou.
Ë verdade que a legislação estabelece regras para as doações. Segundo elas “somente pessoas físicas podem fazer doações; toda doação deve ser feita através de recibo assinado pelo doador, com um valor limitado a 10% dos rendimentos brutos do ano anterior do doador; as doações só poderão ser realizadas através de cheques cruzados e nominais, transferências eletrônicas de depósitos, depósitos identificados em espécie, ou através do sistema disponível no site do candidato, partido ou coligação na internet, com a possibilidade do uso do cartão de crédito (o sistema deverá obrigatoriamente, identificar o doador e emitir o recibo para cada doação)”. Mas se até morto doou, significa que encontraram brechas na forma de “fazer aparecer dinheiro na conta do candidato”.
Desde que estas notícias começaram a aparecer, fiquei preocupado e explico por quê. As identificadas doações irregulares são as que foram feitas por mortos, beneficiários do Bolsa Família e gente que deu mais de 10% da sua declarada renda no ano anterior. Estes dados são de domínio da Justiça Eleitoral e da Receita Federal. Se algum destes candidatos usou meu CPF para fazer alguma “doação fajuta” e ela ficou nos limites dos 10%, quando eu for fazer a minha declaração em abril de 2017, por não saber disto, não vou declarar que doei. É aí onde a coisa se complica.
Se tivesse feito a doação, teria como provar que fiz, por causa do recibo que teria em mãos. Como não doei e nem que sei que “doei”, como provar algo que não fiz? Se eles declaram que doei e eu digo que não, como sair-se desta?
Lembro que o CPF é algo de “quase-domínio-público”. Onde você vai e compra algo, pedem CPF. Os cheques trazem o CPF, assim como o RG e a CNH. Tem gente vendendo listas de nomes e dados pessoais, hackeados de sites e banco de dados. Os aposentados sabem como isto é verdade porque são infernizados com telemarketing oferecendo empréstimo consignado. Eles têm os dados completos de quem se aposenta e quanto é o benefício que recebem. Quem me garante que meus dados não foram usados para estas doações criminosas? E se o foram, como vou saber?
Provar a não-doação terá a dor de um parto. A Receita Federal irá me notificar, me autuar, determinará uma multa e como faço para provar a não-existência da doação? Eles têm documentos, eu não!
Não quero problemas para minha cabeça. Por prevenção, faço esta declaração pública, sob pena da lei, de que não doei um centavo sequer a qualquer partido político ou candidato. Se algo aparecer com meu nome e CPF é fajuta e o declarante deve ser incriminado por falsidade ideológica!
Tenho dito!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

PAZ VERDADEIRA

A paz segura não se consegue pelo processo de dissuasão mútua. Quando ambos estão sem mais argumentos um para com o outro, não significa que a paz está reinando. O máximo que se pode dizer é que está se prevenindo a guerra por tempo limitado. Este processo até pode servir a um propósito, mas nunca será solução permanente. O mesmo se pode dizer do cessar-fogo temporário ou a trégua. Interrompem, por um tempo, o ciclo de violência, mas não estabelecem a paz!
A paz permanente é a vontade de Deus para toda a sua criação. Com isto estou afirmando que a paz tem dimensões ecológicas também. É a paz entre os seres humanos e a paz destes com a criação. Não há paz verdadeira enquanto os seres humanos se agridem e matam, nem enquanto eles agridem a criação, a maltratam e a matam. Não há paz enquanto houver gente passando fome, gente sofrendo enfermidades para as quais se conhece a medicina, crianças morrendo de diarreia, animais sendo extintos, rios sendo poluídos, etc. Não há paz enquanto houver racismo, sexismo, intolerância religiosa.
A paz na sociedade e entres seus grupos se realiza quando o estado de justiça é reciprocamente reconhecido. Não há, no entanto, uma medida absoluta e eterna que diga o que é justo para sempre. A justiça é uma justiça contextual e processual. Por isto, a lei do amor deve ser mais abrangente que a prática da justiça porque “a letra da lei mata, mas o amor edifica”. A justiça que não contemple as variedades culturais não é justiça, porque intolerante.
Para o cristão, a paz não é uma opção: é uma imposição do evangelho e da práxis cristã. Cristão não comprometido radicalmente com a paz deve ser questionado no seu cristianismo. Amar ao próximo é conditio sine qua non para a justiça e a para a paz. São tão essenciais na vida cristã que a ausência deles é a negação de Jesus Cristo. No entanto, estas práticas não são naturais no ser humano, mas algo que é fruto do Espírito na vida daqueles que experimentaram o amor renovador e transformador de Jesus Cristo.
O cristão autêntico não empurra para debaixo do tapete as questões espinhosas que afetam a vida plena da paz, antes, tal como os profetas veterotestamentários, os traz à luz e os denuncia para que haja mudanças. Percebe-se com isto que a paz não é uma condição estática, tal como a pensavam os gregos, nem a ausência de guerras, como queriam os romanos. Para estes, a vitória sobre o inimigo era o estabelecimento da paz. Este mesmo conceito, em certa medida, está presente nos textos históricos do Antigo Testamento.  Os estóicos entendiam a paz como uma disposição mental e espiritual, de harmonia interior, com certa resignação diante dos fatos que atentavam contra a paz. Vencer era estabelecer a paz. Por isto mesmo, uma paz unilateral e deficitária. A verdadeira paz é uma busca constante e incessante de um estado pleno de harmonia.
Este é o sonho do profeta Isaías: “Irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do SENHOR e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra do SENHOR, de Jerusalém. Ele julgará entre os povos e corrigirá muitas nações; estas converterão as suas espadas em relhas de arados e suas lanças, em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra. (2:3,4)
Que me perdoem os militares, mas eles vão perder o emprego no Reino de Paz.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A PAZ E AS DIFERENÇAS

O profeta Zacarias disse certa feita que “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta. Destruirei os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e o arco de guerra será destruído. Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar e desde o Eufrates até às extremidades da terra.” (9:9,10)
A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, montado em um jumento, deve ser vista como a diferença de sua visão. Ele não veio montado em cavalo, animal usado pelos soldados guerreiros. Veio no jumento, porque sua mensagem não era a do arco e espada, mas a da paz, da verdade e do amor. Veio não da forma esperada, mas quebrando paradigmas.
Para se entender o conceito cristão de paz é preciso quebrar os paradigmas que nos levam a pensar que a paz reina quando não há guerra, não há conflito. No entanto, esta é uma visão reducionista da paz cristã. Tomando por base a concepção antiga do shalom, a paz cristã tem a ver com saúde, harmonia, ausência de violência em todos os seus níveis (físico, emocional e psicológico), com moradia segura, alimentação necessária, com descanso regular, com reconciliação e outras coisas mais.
Sem a reconciliação não há paz. Sem o perdão não há paz. Sem a tolerância não há paz. Em uma sociedade onde reina a intolerância, onde torcedores de uma equipe agridem a matam os de outra equipe, onde o diferente é pisoteado, o homossexual é execrado pública e privativamente, onde o negro é desprezado por ter uma cor diferente, onde o gordo é visto como glutão ou sem autocontrole, a paz é um imperativo iniludível e uma prática impostergável.
Mas o evangelho da paz não é o anúncio de uma vida fácil e cômoda. A fidelidade a Deus e a Seu Filho, que implicam em práticas de paz, implicam em perseverança. As dificuldades não nos devem assombrar, antes fortalecer, uma vez que fomos alertados: “neste mundo tereis aflição, tende bom ânimo, eu venci o mundo”. Não devemos esperar melhores tempos que os profetas e Jesus tiveram. Todos eles, na sua proclamação e prática da paz, padeceram e não poucos morreram por ela.
Isto é paradoxal. Ao proclamarmos e praticarmos a paz seremos alvos da violência dos que ganham com a exploração do próximo, dos que são corruptos, ladrões. Evitar a perseguição por meios desonestos é desonestidade igual à praticada por quem persegue. Há um preço a se pagar pela paz.
Saliente-se que Jesus iniciou seu ministério pregando o arrependimento e a chegada do Reino de Deus, um reino de paz. Isto se daria não pela reforma das instituições políticas e econômicas existentes, mas pela vivência de uma nova comunidade, alicerçada em um novo paradigma: amor ao próximo como a si mesmo. Se se ama o outro na mesma intensidade com que se amo a si mesmo, não há lugar para depreciar, mesmo que seja ou pense diferente. A diferença não será motivo para separação e exclusão, mas para conhecimento, enriquecimento com o conhecimento e vivência da diferença: isto é paz.
Aceitar o outro na sua condição, com suas ideias e comportamento é amor. Discriminar, acusar, vilipendiar porque é diferente é ser prepotente, arrogante e assassino do outro. Nesta atitude não se promove a paz.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A CONTRIBUIÇÃO DA TEOLOGIA DA PAZ

Em minha última coluna, na qual questionava a extensão e protagonismo da Reforma Protestante de dos Reformadores Lutero e Calvino, colocava a participação essencial da Reforma Radical, que produziu o movimento Anabatista. Salientava as inúmeras contribuições que a teologia anabatista fez para a igreja ao redor do mundo, algumas delas que são hoje verdades inquestionáveis (separação da Igreja e do Estado, a Igreja como associação espontânea e não por decisão autoritária, entre outras).
Adiciono outra contribuição anabatista, para mim, da mais alta importância: a teologia da paz. Há que se recordar que Lutero, ao ser excomungado e perseguido, refugiou-se e foi sustentado pelo rei Federico o Sábio, quem o levou para o Castelo de Warburg e ali o refugiou. Calvino escreveu suas Institutas de Religião Cristã e as dedicou ao rei Francisco I. Tanto um como o outro nunca se posicionaram contra a “guerra justa”, como se alguma o fosse justa.
Os anabatistas foram, como não poderiam deixar de ser dada sua radicalidade, veementes na condenação da guerra, não aceitando que nenhuma delas fosse justa, por mais razões que se apresentem. Dois motivos podem ser apontados para este posicionamento radical: a compreensão literal dos ensinamentos de Jesus com a obediência radical dos seus discípulos e a situação política vivida por eles. Deve-se recordar que, minoritários em um contexto amplamente contrário às suas teses, perseguidos e empobrecidos pelas constantes mudanças, fugas e expropriações, não poderiam, sob pena de suicídio coletivo, pregar o uso da violência como forma de se resolver conflitos.
É verdade que houve a Guerra dos Camponeses, liderada por Thomas Muntzer, que se declarava anabatista, mas que não era reconhecido como tal pelos líderes sobreviventes e hoje se tem consenso de que sua inspiração para a fomentar a guerra não eram os ideais anabatistas. Pelo contrário, muitos dos grupos perseguidos encontraram guarida em outros locai, foram amparados por reis mais condescendentes e uma razão para isto era o caráter laborioso e pacífico dos anabatistas.
Como decorrência deste seu postulado pacífico e pacifista, também se dedicaram ao estudo e à prática de processos de resolução de conflitos e mediação, sendo hoje reconhecidos como grandes autoridades no assunto. Projetos de pacificação social, de reconciliação entre vítimas e ofensores, de resolução de conflitos familiares, eclesiais, laborais e de vizinhança se multiplicam por todo o mundo sob o impulso das igrejas anabatistas.
No desenvolver e amadurecer destas ideias pacíficas e pacificadoras, aos anabatistas se valeram em grande escala da interpretação literal e contextualizada do sermão das Bem-aventuranças, também conhecido como Sermão do Monte. Vários estudiosos, teólogos e leigos trouxeram significativas contribuições para os textos das Bem-aventuranças, especialmente os relacionados ao andar a segunda milha, dar a outra face, ter fome e sede de justiça no sentido de ser justo e não permitir que a injustiça seja praticada, ser misericordioso e manso, etc. A tal ponto a contribuição atravessou fronteiras que hoje, um dos maiores expoentes da não violência e da aplicação radical das Bem-aventuranças é um sacerdote católico, John Dear, já nominado certa feita para o prêmio Nobel da Paz.
Lembremos que Jesus foi anunciado pelos anjos cantando “paz na terra” e que se apresentou depois da ressurreição dizendo “paz seja convosco”. Se recordarmos que na Bíblia a palavra paz” aparece 9.480 vezes na Bíblia, sendo 7.965 vezes no Antigo Testamento e 1.515 vezes no Novo Testamento. Diante disto, a insistência do tema no meio anabatista mostra uma faceta extremamente bíblica do movimento.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A REFORMA FOI SÓ ISTO?

Por pura pachorra, li um monte de artigos sobre a reforma, escritos nestes dias. A profusão deles se deve ao fato de que se está comemorando os 500 anos do movimento consolidado com Martinho Lutero e depois seguido por outros reformadores. No entanto, ao ler os artigos, uma questão me perturbava e uma certa indignação tomava conta de mim.
Tive a impressão de que estudei em outras fontes das que os escritores se basearam suas afirmações. A quase totalidade dos artigos não citava os pré-reformadores, gente que, em várias partes e locais, foi construindo um novo pensar que se consolidou na atitude de Lutero. Não havia uma só palavra sobre os Albigenses ou Cátaros, Valdenses, João Wycliffe, os Lolardos, João Huss, Savonarola
Muitos dos autores dos artigos que li louvava a coragem e lucidez do bispo alemão, falavam de Calvino, o reformador de Genebra e pouco ou nada falavam do terceiro reformador, o de Zurich, Zwínglio. Nada, absolutamente nada sobre a Reforma Radical, também conhecida como movimento anabatista. O anabatismo surgiu com a Reforma do século XVI, com a pregação da liberdade de consciência, a negação da guerra definindo-a como pecado, a negação do uso da violência, a dessacramentalização dos sacramentos, o batismo como ato de fé consciente, o sacerdócio universal de todos os crentes (diferindo da visão luterana), a prática da hermenêutica comunitária. Estas posições eram diferentes e críticas a LuteroCalvino e Zwínglio que mantiveram o baptismo infantil, a vinculação da igreja ao Estado e os sacramentos .
Georg BlaurockConrad Grebel e Félix Manz ansiavam por uma reforma mais radical e estabeleceram suas convicções no dia 21 de janeiro de 1525, fazendo-se rebatizar em local próximo a Zurique, na Suíça. Perseguidos pelos reformadores, Igreja Católica e reis, o movimento se espalhou pelo sul da Alemanha, Vale do Reno e Países-Baixos.
Percebe-se que a igreja moderna muito deve aos anabatistas. Foi com eles que nasceu a convicção de que a Igreja não pode se vincular ao Estado, a noção de Estado Laico tão cara ao movimento protestante, sem que lhe seja dado o devido crédito. A eles se deve a negação da guerra como forma de se promover a justiça e a paz, a eles se deve o conhecimento sobre as práticas de negociação e mediação em conflitos.
É verdade que nem tudo nos Anabatistas é louvável. Houve a figura de Thomas Muentzer que pegou em armas e liderou a guerra dos camponeses, houve quem, no arroubo de sua crença impediu a realização de batismos infantis. Mas também há coisas nada louváveis em Calvino, Lutero e Zwínglio e seus seguidores. No campo teológico, se se quer ser honesto, o anabatismo nunca produziu um sistema teológico próprio, mas se dedicou à eclesiologia, tomando conceitos emprestados de outros pensadores. Isto se explica pelas ferozes perseguições que sofreram, forçando-os a se mudar constantemente, sem contar a infinidade de líderes mortos.

Com isto, afirmo que a Reforma Protestante começou muito antes de Lutero, e foi muito além de 1516, pois teve frutos duradouros, mesmo com que perseguição e quase dizimação do movimento anabatista. Aos escritores dos artigos sobre os 500 anos da Reforma Protestante, sugiro que releiam os livros de história e se informem sobre o Anabatismo. Aos que promovem o culto da Reforma, sugiro que pensem que os Anabatistas também são reformados, no que pese as críticas de Calvino, Lutero e Zwínglio, todas fruto da reação às críticas que receberam.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A HERESIA DO PERGUNTAR

O modelo vigente nas igrejas por séculos é o da cátedra, onde há uma confissão de fé, aceita pela denominação como expressão final e definitiva das crenças e ensinamentos exarados nas Escrituras, ensinados domingo após domingo pelo catedrático (pregador). O pregador, no uso da palavra não interrompida e nunca questionada no momento em que é proferida, deve ser a repetição para consolidação dos ensinamentos confessionais.
O problema com este tipo de religiosidade é que o líder não pode pensar, não pode fazer teologia, porque a sua já está feita e consolidada na Confissão de Fé de sua denominação. Se ousa dizer algo fora do que preceitua o receituário doutrinal, será inquirido, processado eclesiasticamente poderá ser disciplinado por um período de suspensão ou afastamento definitivo. Eu passei por isto, juntamente com alguns outros colegas.
Ousamos pensar e criticar algo e fomos acusados por uma mente fundamentalista, quem, treinado na letra da lei, só via obediência e jamais podia aceitar o questionamento. Para estas confessionalidades, a pergunta inquisitiva e exploratória de novas possibilidades é pecado. Perguntar arguindo o estabelecido é pecado sem perdão. É atentar contra a sacralidade de um Manual Doutrinário que, não importa quando foi estabelecido, nem as circunstâncias históricas em que tal se deu, aceitam que as formulações ali contidas têm a aura da infalibilidade. Um amigo foi fazer um curso de teologia contemporânea dado por uma pessoa recém-chegada com o título de ThD (Doctor in Theology). Ele começou na patrística, foi até Calvino e terminou seu curso. Meu amigo o questionou sobre os teólogos contemporâneos e ele disse que, depois de Calvino, não houveram mais teólogos.
Falar o novo, pensar o diferente, perguntar sobre o estabelecido é garantia de ser rotulado como herege. Herege não é um título que alguém se dê a si mesmo. Encontrar-se-ão milhares dos que se afirmam ortodoxos, conservadores, fieis à Palavra, fundamentalistas. Mas alguém que, sem estar sendo irônico, se caracterize como herege, é algo raro, incomum mesmo. Herege é sempre o outro. Dizer que o outro é herege é um ato de exercício de um pretenso poder de julgar quem é quem e quem está certo ou errado. Neste processo muitos foram sacrificados pelos donos do poder eclesiástico, tanto nas inquisições, como nos tribunais eclesiásticos das igrejas não-católicas.
Se perguntar criticamente sobre a fé e a confissão é ser herege, devo admitir que o sou. Por estar em uma denominação, talvez a única no mundo, que se afirma como não-credal (não temos um credo) e não-confessional (não temos uma confissão de fé), não há lugar para ser herege no seio dela. Nela não há quem tenha a autoridade de dizer: “você está errado”. O máximo que podemos é discordar, dizendo: “eu não penso como você”. Posso até dar as razões pelas quais creio diferente, mas sem acusar ou discutir opiniões.
No seio desta denominação, por isto, se pratica a hermenêutica comunitária, onde todos podem e devem participar da interpretação do texto estudado naquele momento. É no exercício de todos os dons presentes na comunidade que se dá a interpretação consensual. Nela o perguntar é virtude, o discordar é maturidade, o afirmar o que se pensa é essencial.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

FÉ? O QUE É ISTO?

Há enorme quantidade de gente que, perguntada sobre o que é a fé, não hesitariam em responder com a afirmação constante no livro dos Hebreus: “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem” (Hb 11:1). No entanto, a definição acima traz dificuldades intrínsecas, uma vez que só se aplica às coisas que se esperam e às que se não veem. Interpretada a definição literalmente, não há fé nas coisas passadas e nem nas que se veem.
Se ela só se aplica ao que se espera, como ter fé no Jesus histórico que veio e que é fato do passado? Como crer nos relatos bíblicos da libertação do povo de Deus do Egito, nas pragas, na passagem do Mar Vermelho e outras narrativas do passado? Se são passado, já não são alvo de espera e se não o são, não são objeto da fé.
Como fica a narrativa de Tomé que precisou ver para crer? “Se eu não vir o sinal dos cravos nas suas mãos, e não meter o dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei” (Jo 20:27).
Se olharmos para o Antigo Testamento e para as narrativas de fé que ali se encontram, vamos perceber que não há nele um manual de crenças, ou um compêndio de teologia conceitual. Antes, pelo contrário, vamos encontrar uma coletânea de narrativas de fé de que Deus estava agindo na história a favor do seu povo. Parece mais uma página de um diário de fé nos atos de Deus. Criam no Deus da história que faz dela o seu palco revelacional. Deixar de ver nas minúcias dos atos históricos concretos o agir de Deus é cegar-se à revelação.
Pasma-me que os púlpitos e os cânticos em moda nos templos pouco ou nada façam desta leitura do agir de Deus na história hoje. Parece que as prédicas ensinam um Deus que morreu no passado, ou em um Deus catatônico que deixou de agir e está paralisado. Ficou mudo no dia em que, sábios teólogos concluíram quais os livros que fazem parte do cânon e depois disto proibiram Deus de continuar falando e se revelando.
Olham para o passado para encontrar histórias bonitas de como Deus agiu, mas são cegos para o presente e para os atos de Deus na história brasileira, latino americana e mundial do ano de 2016. O Deus mudo e catatônico das modernas pregações se limita a curar enfermos, expulsar demônios e dar prosperidade aos bispos de igrejas gananciosas.
Deus encolheu. Foi exuberante no passado, mas perdeu seu brilho e vigência no século da tecnologia. Como discípulos devemos viver das glórias do passado, ir aos templos que são museus a contar histórias antigas, preservar a memória de um povo, e acreditar que um dia a glória será restabelecida na mesma Jerusalém de antanho. Ele fazia milagres e hoje ... bem .... hoje ... é diferente.
Mais que pregadores, deveriam ser “leitores da história”. Como disse o Karl Barth, um bom pregador é o que tem a Bíblia em uma mão e o jornal na outra. Um iluminando o outro. O jornal trazendo luzes para a leitura bíblica e a Bíblia iluminando o entendimento dos acontecimentos atuais.
Um Deus fora da história é marionete nas mãos de pregadores analfabetos e inescrupulosos.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

SOMOS?

Na narrativa bíblica se conta que Moisés teve o seguinte diálogo com Deus: “Moisés perguntou: Quando eu chegar diante dos israelitas e lhes disser: O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês, e eles me perguntarem: ‘Qual é o nome dele? ’ Que lhes direi? Disse Deus a Moisés: Eu Sou o que Sou. É isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês" (Êxodo 3:13,14). A expressão Eu-sou-o-que-sou só pode ser dita por Deus sobre si mesmo. Ninguém mais pode afirmá-la.
Digo isto porque, nós, humanos, não somos um “eu-puro”, um “eu-sou-eu-mesmo”. Somos, sim, a somatória das obediências que prestamos a quem nos deu ordens e formou a nossa forma de ser. Sou a somatória das ordens recebidas e para as quais não tive poder de desobedecer.
Cada um de nós tem algo de si mesmo, mas tem também um monte de coisas que os pais, a família e a sociedade impuseram sobre nós. Ninguém pode dizer “eu-sou-eu mesmo”, “eu-sou-só-eu”. Como já disse Ortega y Gasset, somos nós mesmos e o contexto em fomos criados, as influências que recebemos.
Ainda que haja no português e, mais especificamente no Brasil, a expressão “e-sou-mais-eu”, ela não se refere ao grau de autonomia do eu, mas ao grau de autoconfiança e autoestima que a pessoa tem.
Se somos esta mistura de autonomia e heteronomia (a lei própria e a lei dos outros sobre nós), ninguém pode se arvorar em ser completamente independente das pressões, injunções, constrangimentos e obediências prestadas, ainda que de forma inconsciente ou até mesmo consciente, as circunstâncias não permitem desobedecer.
Assim, o comportamento individual não é só um ato de volição autônomo, mas, antes, um ato de obediência ou rebeldia. A obediência se dá quando o nível de poder não permite outra coisa a fazer senão o que lhe pedem, ensinaram ou a sociedade exige. O nível de desobediência se dá no exercício consciente da desobediência pela avaliação de que se tem poder para enfrentar as consequências. Diante disto, há mais “eu” nas rebeldias que nas obediências.
Isto posto, digo que o conservador é um “ser-sem-opinião-própria” porque repete ad nausean o que lhe ensinaram e não tem a mais mínima possibilidade, em função das coisas que lhe ensinaram e do poder sobre ele exercido, de romper o círculo ideológico que o mantem preso. E quando se trata de um “conservador-religioso” a coisa fica ainda mais complicada porque o poder de quem ensinou as coisas que repete qual papagaio vieram com a aura da infalibilidade, da Vox Dei, e afirmar algo diferente é pecado e passível de condenação eterna. Pensar, refletir e se posicionar autonomamente é desvio da fé, é ser herege, apóstata.
Fica assim proibido o fazer perguntas ao texto sagrado, seja ele Bíblia, Alcorão, Bhagavad gita ou algo assemelhado. Os dissidentes (os que pensam e tem posições autônomas) são infiéis e merecem a morte. Isto explica a guerra entre xiitas e sunitas, entre reformados e pentecostais e neopentecostais. Todos são donos da verdade. E se são donos da verdade, quem não repete e não obedece o que ensinam, merece morte e castigo eterno.
Fica fácil entender porque tantos são mandados ao inferno pelos fundamentalistas, conservadores e assemelhados. Na constelação dos eu não-pensam-mas-repetem, a graça de Deus é heresia, o perdão é abominação e o amor ao inimigo é coisa de louco varrido.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

PERPETUAÇÃO POLÍTICA

Nenhum poder político é natural e inerente. Sempre é concessão via votos, eleições ou, em casos extremos e recrimináveis, via violência do golpe ou pelas “vias constitucionais” (vide exemplo da Venezuela e Bolívia). Nenhum poder político é eterno. Mesmo os mais poderosos imperadores e reis sucumbiram pela morte, deposição ou queda. O exercício do poder democrático é o exercício do diálogo, ao contrário do poder autocrático que é o monólogo de “um-que-tudo-sabe”. Na democracia se busca a maturidade cidadã (ao menos é o que se espera), na autocracia se produz o paternalismo.
Por outro lado, já dizia Maquiavel, que não há posse mais duradoura que a ruína. Quem se torna senhor de uma nação livre e não a destrói, será destruído por ela. O desejo de liberdade não se esquece nunca e ele será o motor para destronar os reis que arruínam a vida do seu povo.
O exercício do poder político se dá sobre um determinado povo e espaço geográfico. Não há controle remoto nesta matéria. Quando os poderosos deixam de cooperar para o bem do seu povo, mesmo que antes o tenham feito, este mesmo povo, anteriormente beneficiado, se levantará contra para recuperar o que lhe foi tirado ou para ampliar o que tem. Quando o povo tem os benefícios e estes se mantêm iguais por um longo período, a insatisfação cresce e o poder político está ameaçado. Eis, assim, o paradoxo: se não dá o que o povo espera, é derrubado. Se dá e se mantém no mesmo nível, o povo se insurge querendo mais.
Como todo poderoso tem o desejo de se tornar eterno no poder e que seu reinado se perpetue na lembrança do povo, precisa ele ser hábil nas concessões e na administração das insatisfações. Ser eterno, eis a questão.
Para que este projeto se realize, precisam conquistar o poder, prometendo ao povo, aos mais necessitados, aquilo que anseiam porque vital para eles: saúde, educação e segurança. Daí porque os discursos de campanha se repetem a cada nova rodada.
Na história recente do Brasil viu-se projetos que esperavam vinte ou mais anos de poder. Se inicialmente produziram alguns benefícios para o povo, enveredam-se por caminhos os mais desastrados possíveis. Assim foi o Sarney com o Plano Cruzado que redundou na hiperinflação (ainda que, dizem as más línguas, ele se eternizou no poder); assim foi com o Collor e sua “caça aos marajás”, que redundou na sua própria caçada e de seu tesoureiro. O FHC com sua ambição produziu o advento da reeleição e, depois de terminar seu mandato, muitos dos seus tinham vergonha de colocá-lo ao lado nas aparições públicas. Assim foi com o PT: do “Fome Zero” para o Mensalão e Petrolão.
Muito se fala que o povo não sabe votar. Isto é verdade em parte. Muitos dos corruptos, dos malandros, dos propineiros não conseguiram se eleger ou se reeleger. Ficaram pelo caminho. Partidos há que encolheram, perdendo votos, prefeituras e representação nas Câmaras Municipais. O PMDB encolheu 12,5% e o PT bateu os 60,9%. Como toda regra tem sua exceção, o PP, todo enrolado com a Lava Jato, manteve-se praticamente igual: -0,1%.
Houve significativa renovação nos quadros políticos, o que dá certa esperança de que gente nova terá novos hábitos e nova forma de fazer política. E assim deve ser, haja visto a alta taxa de abstenção, votos nulos e em branco. Somados, pode-se entender como uma nota Zero para a classe política.

Marcos Inhauser