Em minha última coluna, na qual questionava a extensão e
protagonismo da Reforma Protestante de dos Reformadores Lutero e Calvino,
colocava a participação essencial da Reforma Radical, que produziu o movimento
Anabatista. Salientava as inúmeras contribuições que a teologia anabatista fez
para a igreja ao redor do mundo, algumas delas que são hoje verdades
inquestionáveis (separação da Igreja e do Estado, a Igreja como associação
espontânea e não por decisão autoritária, entre outras).
Adiciono outra contribuição anabatista, para mim, da mais alta
importância: a teologia da paz. Há que se recordar que Lutero, ao ser
excomungado e perseguido, refugiou-se e foi sustentado pelo rei Federico o
Sábio, quem o levou para o Castelo de Warburg e ali o refugiou. Calvino
escreveu suas Institutas de Religião Cristã e as dedicou ao rei Francisco I. Tanto
um como o outro nunca se posicionaram contra a “guerra justa”, como se alguma o
fosse justa.
Os anabatistas foram, como não poderiam deixar de ser dada sua
radicalidade, veementes na condenação da guerra, não aceitando que nenhuma
delas fosse justa, por mais razões que se apresentem. Dois motivos podem ser
apontados para este posicionamento radical: a compreensão literal dos
ensinamentos de Jesus com a obediência radical dos seus discípulos e a situação
política vivida por eles. Deve-se recordar que, minoritários em um contexto
amplamente contrário às suas teses, perseguidos e empobrecidos pelas constantes
mudanças, fugas e expropriações, não poderiam, sob pena de suicídio coletivo,
pregar o uso da violência como forma de se resolver conflitos.
É verdade que houve a Guerra dos Camponeses, liderada por
Thomas Muntzer, que se declarava anabatista, mas que não era reconhecido como
tal pelos líderes sobreviventes e hoje se tem consenso de que sua inspiração
para a fomentar a guerra não eram os ideais anabatistas. Pelo contrário, muitos
dos grupos perseguidos encontraram guarida em outros locai, foram amparados por
reis mais condescendentes e uma razão para isto era o caráter laborioso e
pacífico dos anabatistas.
Como decorrência deste seu postulado pacífico e pacifista,
também se dedicaram ao estudo e à prática de processos de resolução de
conflitos e mediação, sendo hoje reconhecidos como grandes autoridades no
assunto. Projetos de pacificação social, de reconciliação entre vítimas e
ofensores, de resolução de conflitos familiares, eclesiais, laborais e de
vizinhança se multiplicam por todo o mundo sob o impulso das igrejas
anabatistas.
No desenvolver e amadurecer destas ideias pacíficas e
pacificadoras, aos anabatistas se valeram em grande escala da interpretação
literal e contextualizada do sermão das Bem-aventuranças, também conhecido como
Sermão do Monte. Vários estudiosos, teólogos e leigos trouxeram significativas
contribuições para os textos das Bem-aventuranças, especialmente os
relacionados ao andar a segunda milha, dar a outra face, ter fome e sede de
justiça no sentido de ser justo e não permitir que a injustiça seja praticada,
ser misericordioso e manso, etc. A tal ponto a contribuição atravessou
fronteiras que hoje, um dos maiores expoentes da não violência e da aplicação
radical das Bem-aventuranças é um sacerdote católico, John Dear, já nominado
certa feita para o prêmio Nobel da Paz.
Lembremos que Jesus foi anunciado pelos anjos cantando “paz na
terra” e que se apresentou depois da ressurreição dizendo “paz seja convosco”.
Se recordarmos que na
Bíblia a palavra “paz” aparece 9.480 vezes na Bíblia, sendo 7.965 vezes no Antigo Testamento e 1.515 vezes no Novo Testamento. Diante disto, a
insistência do tema no meio anabatista mostra uma faceta extremamente bíblica
do movimento.
Marcos Inhauser