Por pura pachorra, li um monte de artigos sobre a reforma,
escritos nestes dias. A profusão deles se deve ao fato de que se está
comemorando os 500 anos do movimento consolidado com Martinho Lutero e depois
seguido por outros reformadores. No entanto, ao ler os artigos, uma questão me
perturbava e uma certa indignação tomava conta de mim.
Tive a impressão de que estudei em outras fontes das que os
escritores se basearam suas afirmações. A quase totalidade dos artigos não
citava os pré-reformadores, gente que, em várias partes e locais, foi
construindo um novo pensar que se consolidou na atitude de Lutero. Não havia
uma só palavra sobre os Albigenses ou
Cátaros, Valdenses, João Wycliffe, os Lolardos, João Huss, Savonarola
Muitos dos autores dos artigos que li louvava a coragem e
lucidez do bispo alemão, falavam de Calvino, o reformador de Genebra e pouco ou
nada falavam do terceiro reformador, o de Zurich, Zwínglio. Nada, absolutamente
nada sobre a Reforma Radical, também conhecida como movimento anabatista. O
anabatismo surgiu com a Reforma do século XVI, com a pregação da
liberdade de consciência, a negação da guerra definindo-a como pecado, a
negação do uso da violência, a dessacramentalização dos sacramentos, o batismo
como ato de fé consciente, o sacerdócio universal de todos os crentes
(diferindo da visão luterana), a prática da hermenêutica comunitária. Estas
posições eram diferentes e críticas a Lutero, Calvino e Zwínglio que mantiveram o baptismo
infantil, a vinculação da igreja ao Estado e os sacramentos .
Georg Blaurock, Conrad Grebel e Félix Manz ansiavam
por uma reforma mais radical e estabeleceram suas convicções no dia 21 de janeiro de 1525, fazendo-se rebatizar
em local próximo a Zurique, na Suíça. Perseguidos pelos reformadores,
Igreja Católica e reis, o movimento se espalhou pelo sul da Alemanha,
Vale do Reno e Países-Baixos.
Percebe-se que a igreja moderna muito deve aos anabatistas.
Foi com eles que nasceu a convicção de que a Igreja não pode se vincular ao
Estado, a noção de Estado Laico tão cara ao movimento protestante, sem que lhe seja
dado o devido crédito. A eles se deve a negação da guerra como forma de se
promover a justiça e a paz, a eles se deve o conhecimento sobre as práticas de
negociação e mediação em conflitos.
É verdade que nem tudo nos Anabatistas é louvável. Houve a
figura de Thomas Muentzer que pegou em armas e
liderou a guerra dos camponeses, houve quem, no arroubo de sua crença impediu a
realização de batismos infantis. Mas também há coisas nada louváveis em
Calvino, Lutero e Zwínglio e seus seguidores. No campo teológico, se se quer
ser honesto, o anabatismo nunca produziu um sistema teológico próprio, mas se
dedicou à eclesiologia, tomando conceitos emprestados de outros pensadores.
Isto se explica pelas ferozes perseguições que sofreram, forçando-os a se mudar
constantemente, sem contar a infinidade de líderes mortos.
Com isto, afirmo que a Reforma Protestante começou muito
antes de Lutero, e foi muito além de 1516, pois teve frutos duradouros, mesmo
com que perseguição e quase dizimação do movimento anabatista. Aos escritores
dos artigos sobre os 500 anos da Reforma Protestante, sugiro que releiam os
livros de história e se informem sobre o Anabatismo. Aos que promovem o culto
da Reforma, sugiro que pensem que os Anabatistas também são reformados, no que
pese as críticas de Calvino, Lutero e Zwínglio, todas fruto da reação às críticas
que receberam.
Marcos Inhauser