Na
narrativa bíblica se conta que Moisés teve o seguinte diálogo com Deus: “Moisés perguntou: Quando eu chegar diante dos israelitas e lhes disser:
O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês, e eles me perguntarem: ‘Qual é
o nome dele? ’ Que lhes direi? Disse Deus a Moisés: Eu Sou o que Sou. É isto
que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês" (Êxodo 3:13,14). A
expressão Eu-sou-o-que-sou só pode ser dita por Deus sobre si mesmo. Ninguém
mais pode afirmá-la.
Digo isto
porque, nós, humanos, não somos um “eu-puro”, um “eu-sou-eu-mesmo”. Somos, sim,
a somatória das obediências que prestamos a quem nos deu ordens e formou a
nossa forma de ser. Sou a somatória das ordens recebidas e para as quais não
tive poder de desobedecer.
Cada um de
nós tem algo de si mesmo, mas tem também um monte de coisas que os pais, a
família e a sociedade impuseram sobre nós. Ninguém pode dizer “eu-sou-eu
mesmo”, “eu-sou-só-eu”. Como já disse Ortega y Gasset, somos nós mesmos e o
contexto em fomos criados, as influências que recebemos.
Ainda que
haja no português e, mais especificamente no Brasil, a expressão
“e-sou-mais-eu”, ela não se refere ao grau de autonomia do eu, mas ao grau de
autoconfiança e autoestima que a pessoa tem.
Se somos
esta mistura de autonomia e heteronomia (a lei própria e a lei dos outros sobre
nós), ninguém pode se arvorar em ser completamente independente das pressões,
injunções, constrangimentos e obediências prestadas, ainda que de forma
inconsciente ou até mesmo consciente, as circunstâncias não permitem
desobedecer.
Assim, o
comportamento individual não é só um ato de volição autônomo, mas, antes, um
ato de obediência ou rebeldia. A obediência se dá quando o nível de poder não
permite outra coisa a fazer senão o que lhe pedem, ensinaram ou a sociedade
exige. O nível de desobediência se dá no exercício consciente da desobediência
pela avaliação de que se tem poder para enfrentar as consequências. Diante
disto, há mais “eu” nas rebeldias que nas obediências.
Isto posto,
digo que o conservador é um “ser-sem-opinião-própria” porque repete ad nausean o que lhe ensinaram e não tem
a mais mínima possibilidade, em função das coisas que lhe ensinaram e do poder
sobre ele exercido, de romper o círculo ideológico que o mantem preso. E quando
se trata de um “conservador-religioso” a coisa fica ainda mais complicada
porque o poder de quem ensinou as coisas que repete qual papagaio vieram com a
aura da infalibilidade, da Vox Dei, e afirmar algo diferente é pecado e
passível de condenação eterna. Pensar, refletir e se posicionar autonomamente é
desvio da fé, é ser herege, apóstata.
Fica assim
proibido o fazer perguntas ao texto sagrado, seja ele Bíblia, Alcorão, Bhagavad
gita ou algo assemelhado. Os dissidentes (os que pensam e tem posições
autônomas) são infiéis e merecem a morte. Isto explica a guerra entre xiitas e
sunitas, entre reformados e pentecostais e neopentecostais. Todos são donos da
verdade. E se são donos da verdade, quem não repete e não obedece o que
ensinam, merece morte e castigo eterno.
Fica fácil
entender porque tantos são mandados ao inferno pelos fundamentalistas,
conservadores e assemelhados. Na constelação dos eu não-pensam-mas-repetem, a
graça de Deus é heresia, o perdão é abominação e o amor ao inimigo é coisa de
louco varrido.
Marcos Inhauser