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quarta-feira, 29 de abril de 2020

O CONTEÚDO IDEOLÓGICO DO PODER

Já dizia o Maquiavel que: “percebendo os grandes (elites) que não podem resistir ao povo, começam a dar reputação a um dos seus elementos e o fazem príncipe, para poder, sob sua sombra, satisfazer seus apetites” (Maquiavel, Cap. IX, parágrafo II). Já disse Marx que o "Estado moderno não passa de um comitê instituído para gerenciar os interesses da Burguesia" (perdi o endereço da citação).

A democracia representativa via eleições que têm um amplo uso da mídia (caríssima) não é jogo para pequenos. Uma campanha para vereador, prefeito, deputado estadual, federal, senador ou presidência exige investimentos muitas vezes superior aos proventos que porventura venham a receber. Se ganha, precisa se locupletar para pagar o que gastou e ainda sair com algum. Se perde e tem o apoio do partido, pode receber algum do fundo partidário. Se não tem, está falido. É um investimento de alto risco!

Há que se considerar também que há um conjunto de regras, leis, decretos e verbas que facilitam a reeleição de quem já são deputados, prefeitos ou presidentes. No caso dos deputados e vereadores, há os assessores que, na verdade, funcionam como cabos eleitorais. No caso dos deputados, além dos assessores, as verbas parlamentares destinadas aos seus redutos eleitorais ajudam a alavancar os votos. Daí porque a renovação das câmaras e senado é mínima.

O coeficiente eleitoral é outro imbróglio, porque elege quem não teve votos, mas está um em partido que tem um Tiririca ou Enéas.

Se se entende que a democracia representativa, via voto popular, deve eleger os que têm a maioria de votos da população, é uma excrescência alguém ser eleito com 30% ou 35% dos votos válidos de uma nação. Ele vai representar a nação 100% com 30% de apoio! O eleito, financiado que foi seja pelo partido (uso de verbas públicas) ou via apoio de empresários ou elite econômica, o foi porque esta gente tem seus interesses que deverão ser defendidos. Ser financiados pela indústria das armas implica em legislar a favor da liberação das armas. A medida provisória 936, foi questionada e, em parte, foi revogada. O dono da Havan, apoiador número 1 do presidente, foi rápido no gatilho: em poucas horas da entrada em vigência ele fez uso dela e demitiu 11.000 funcionários. Parece que sabia de antemão o que iria ser editada. Estes funcionários estão agora em um limbo jurídico.

O Paulo Freire, tão vilipendiado pela atual administração, tem um parágrafo elucidador no seu “Educação como Prática da Liberdade” (pg. 17) “Do ponto de vista das elites, a questão se apresenta de modo claro: trata-se de acomodar as classes populares emergentes, domesticá-las em algum esquema de poder ao gosto das classes dominantes”. As idas e vindas no ministério da Educação mostram este acomodamento. Um ministro incompetente, que mal sabe escrever, que tem o dedo podre porque tudo o que toca vira piada, acomoda os sonhos dos emergentes via Enem e FIES, onde a reprovação é culpa do sonhador e o custo é bancado a posteriori por quem ousou sonhar e “alcançou seu sonho”.

Como um governo que tem 33% de apoio e 67% de rejeição, que tem metade da população querendo o seu impeachment ou renúncia, que troca o Superintendente da PF (Polícia Federal) e a transforma em PF (Polícia Familiar) pode se sustentar? Um piromaníaco que, tendo o incêndio do Corona Vírus não se contenta e ateia mais fogo?

Há segredos obscuros nas salas e cafezinhos de Brasília. Há financiamento inexplicáveis que o STF está tentando desvendar.

Marcos Inhauser

DOIS DISCURSOS SOBRE A IGNORÂNCIA

Semana passada, o Brasil e o mundo tiveram a possibilidade de ouvir dois discursos por ocasião da posse do novo ministro da Saúde. Foram dois discursos sobre a ignorância.

O discurso do presidente é o da ignorância de alguém que ignora a ciência, os dados estatísticos, a vivência de outras nações, as decisões acertadas e erradas, as lições que delas se podem tirar. É o discurso da ignorância de alguém que, tão somente baseado no seu instinto e premonição pelo achismo, faz afirmações sem base alguma em dados científicos e estatísticos. Nem mesmo as muitas conclusões de estudos sérios sobre a cloroquina, que não trazem resultados definitivos, é levada em conta. Ele as ignora.

O discurso do novo ministro da Saúde também foi o da ignorância. Ele disse que precisava conhecer melhor o SUS, que precisava de mais dados para tomar decisões, que as possíveis flexibilizações seriam feitas a partir de dados que ele não tinha. Ele afirma sua ignorância sobre detalhes da Covid-19.

Há uma diferença substancial entre os dois discursos: o primeiro é o da ignorância porque, deliberadamente, não quer conhecer ou considerar os dados. Não estuda a fundo o assunto e sai fazendo afirmações tresloucadas. Só empata com o ditador da Bielorrússia que diz que a vodca e sauna evitam o contágio. Bolsonaro tem se isolado e isto lhe garantiu o título de “o pior líder mundial a comandar uma reação contra a pandemia do novo coronavírus”. Seu posicionamento tem sido motivo de chacota internacional, a crer no que amigos que moram fora do Brasil me afirmam.

O discurso do Teich é o discurso da ignorância. Ele conhece muito e sabe que há muito mais por conhecer. É o discurso de quem, conhecendo a ciência médica com especialidade em um ramo complexo, a oncologia, sabe que o Corona está dando um baile na comunidade científica internacional. Ele, tal como seu antecessor, afirma que “basta a cada dia a sua surpresa”. Cada dia é um novo dia com novos conhecimentos e mistérios. Até agora não sabem ao certo se a falta de oxigênio é por problema nos pulmões ou na corrente sanguínea que é afetada pelo vírus.

Não é de hoje que pensadores, os mais variados, afirmam que a falta de conhecimento produz certezas absurdas. Quanto menos a pessoa sabe, mais ela acha que está certa. A maior evidência de uma pessoa burra é a somatória de certezas que ela tem. Quem tem conhecimento, que estuda, sabe que há muito mais por conhecer e que, mesmo o que sabe, está sujeito a revisões.

O pré-socrático Empédocles formulou uma teoria para a visão que se revelou maravilhosa para a sua época: vemos as coisas porque os olhos emitem fachos de luz que iluminam o objeto e assim os vemos. Foi preciso Aristóteles fazer uma pergunta certeira: se assim é, por que não enxergamos no escuro? Todo saber pode ser reformulado. Cabe relembrar outro filósofo grego: “desejar violentamente uma coisa é tornar-se cego para as demais” (frag 72).

A sabedoria está em saber o que se sabe, mas sempre estar aberto a novos saberes. A palavra chave da sabedoria é “talvez”, “está é uma possibilidade”, “hoje eu penso que as coisas são assim” e outras afirmações com mesmo sentido conceitual.

Dois discursos: um foi o da estultície; o outro tem sinais de sabedoria.

Marcos Inhauser

A QUARENTENA DE JESUS

Relatam os evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) que Jesus entrou em quarentena, logo no início de seu ministério. Os textos afirmam que ele foi levado ao deserto pelo Espírito e o diabo o tentou neste período. O que ele fez foi uma quarentena real porque foram quarenta dias isolado de tudo e todos.

Os relatos também afirmam que ele nada comeu neste período, findo o qual (ou no final dele) Jesus teve fome. Foi quando, espertamente, o diabo o tentou e a primeira das tentações foi transformar pedra em pães.

A primeira coisa que quero salientar deste episódio é que o isolamento social é algo que pode ser visto e encontrado em muitos personagens da história humana, seja ele um isolamento imposto ou autoimposto. No caso de Jesus ficamos com as duas possibilidades: ele foi imposto a Jesus pelo Espírito que o levou ao deserto ou foi autoimposto, em consonância com a terceira pessoa da trindade. Não há motivação externa para este isolamento, a não ser que, guiado pelo Espírito, o foi para ser tentado (no dizer de Mateus e Lucas). Não havia uma epidemia que o obrigasse a tal.

A segunda coisa é que houve privação de alimento durante a quarentena. Tal foi esta privação que o diabo, astuto, fez sua primeira tentação apoiada nesta situação famélica. Jesus percebeu que poderia comer se usasse o que podia fazer, mas que colocava sua vida e ministério em risco.

Estamos em quarentena imposta e há também os que assim estão por autoimposição, conscientes do momento que vivemos e dos riscos que corremos. Muitos são os que, como Jesus, veem minguar as possibilidades de ter e dar alimento aos seus, são tentados a abandonar o isolamento e dedicar-se às coisas que possam trazer o sustento. Há os que, acostumados com a rotina diária de sair e trabalhar, não se sentem confortáveis ficando “engaiolados”. Como passarinhos precisam sair para voar.

Todos, tal como Jesus, estamos tentados a transformar pedras em pães.

A segunda tentação foi a de mostrar o poder de ser imune à queda: “atira-te do pináculo do templo”. Usando do poder e ele poderia dar ordens aos anjos para que o protegessem. Muitos há que, neste tempo de infestação, acham que são intocáveis. Mudam até o salmo e dizem: “Porque ele me livra do laço do corona e desta peste. ... Não temo os terrores da pandemia, nem o vírus que voa de dia, nem peste que anda na escuridão, nem mortandade que assole ao meio-dia. Milhares vão morrer, dez mil à minha direita; mas eu não serei atingido”. (Sl 91).

Tal com o Jesus somos tentados a mostrar nossa fortaleza e o poder de não se contaminar

A terceira tentação foi a de dirigir sua adoração para outra coisa que não fosse Deus. O diabo lhe promete céus e terra. Como podia ele fazer isto se Deus é o criador e mantenedor de tudo e, por conseguinte, o dono de tudo? Estava oferecendo algo que não tinha poderes para oferecer. Nesta quarenta também há os que estão oferecendo o que não podem entregar. Baseados na ignorância que os caracteriza, afirmam e prometem o que não podem concretizar.

Tal como Jesus, somos tentados a adorar quem não tem poder nem para demitir um funcionário seu.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 8 de abril de 2020

O PRIMEIRO ISOLAMENTO SOCIAL

Ao que parece e se considerarmos o relato bíblico, podemos afirmar que o primeiro isolamento social se deu com Noé e sua família. Se se considera que a história bíblica inicia-se com o Abraão, estamos nos referindo a um período da pré-história bíblica.

A narrativa diz que “a terra estava corrompida diante de Deus, e cheia de violência ... eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra”. Há aqui um primeiro elemento a ser considerado: havia uma desordem social e moral que reinava. Não sabemos, com certeza, quais elementos influenciavam para esta corrupção da terra, mas o caos havia se instalado.

Creio que situação igual estamos vivendo: uma desordem social promovida pela ganância, onde uma elite detém mais de 50% da riqueza de toda a terra e o resto fica para os outros bilhões de moradores. Há uma desordem social nas relações de trabalho, onde a escravatura não foi abolida e muitos trabalham noite e dia por míseros trocados, para que os donos das empresas andem de jato e gastem fortunas em restaurantes, boutiques e cassinos., iates, etc.

Houve uma sentença: “O fim de toda carne é chegado”. Divinamente instruído, Noé começa a construir a arca, segundo as orientações técnicas que a divindade lhe havia passado. Não é exagero imaginar o quanto ele foi criticado, quantos quiseram demovê-lo da ideia, quanto acharam um absurdo. Ele estava seguro na sua empreitada. Acredito mesmo que deveria haver algum pretenso líder querendo mover as massas via WhatsApp para acabar com a “loucura de Noé”.

No tempo certo a arca foi finalizada e ele, sua esposa seus três filhos com suas respectivas esposas entraram na arca para uma quarentena. Aqui foi literal: quarenta dias de chuva, de infestação!

Tal como o tempo que vivemos, o vírus da inundação veio chegando e foi invadindo e tomando de sobressalto a todos. Era uma inundação democrática: nada escapou, nem primeiro ministro, nem príncipe, nem médico ou secretário da saúde. Os que estavam em isolamento social estavam a salvo.

É verdade que o estresse bateu nos confinados. Estavam doidos para dar uma volta. Noé, prudente e obediente às ordens emanadas da OMS, soltou uma pomba e ela logo regressou e ele concluiu que não era hora de decretar o fim do isolamento. Sete dias mais tarde, novamente soltou a pomba e ela voltou com um galho de oliveira. Sábio como era, Noé conclui que a curva da inundação estava entrando na decrescente. Mas ainda não era hora de sair do isolamento. Mais sete dias. Nova pomba foi solta e esta não mais voltou, pelo que concluiu que já se podia sair do isolamento em segurança.

A família inteira estava a salvo para uma novidade de vida em uma nova terra.
Perceba-se que havia um caos, houve um julgamento dolorido com muitas mortes, para então e só então, haver a novidade, a nova criação.

Acredito que estamos em um processo de juízo sobre a maldade imperante, sobre a estrutura econômica injusta, onde a vontade do Trump se sobrepõe sobre a necessidade de saúde de milhões, o que lhe dá o “direito” de sequestrar equipamentos. Acredito também que estamos em dores gestacionais de uma nova sociedade. Esperemos a pomba não mais voltar para saber que podemos reconstruir.

Marcos Inhauser




quarta-feira, 1 de abril de 2020

(RE)FLEXÕES


Flexão é o dobrar-se, curvar-se. Também se aplica à ginástica no sentido de exercícios específicos feitos. Reflexão é aqui usada em sentido diverso do dicionário, onde ela significa “Ação ou efeito de refletir, de se desviar da direção original; meditação, pensamento ou análise detalhada sobre um assunto, sobre si próprio ou sobre algum problema ou sentimento; atributo de quem se comporta com prudência.” Eu aqui o emprego no sentido de algo sobre o qual, mais uma vez me ponho a exercitar a capacidade (sic) interpretativa sobre algo que me parece complicado e não tenho respostas.
Assim, a (re)flexão que quero trazer está baseada em um dos Salmos bíblicos, o 42: “Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei pela salvação que há na sua presença. Ó Deus meu, dentro de mim a minha alma está abatida; ... Um abismo chama outro abismo ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas têm passado sobre mim. Contudo, de dia o Senhor ordena a sua bondade, e de noite a sua canção está comigo, uma oração ao Deus da minha vida. A Deus, a minha rocha, digo: Por que te esqueceste de mim? por que ando em pranto por causa da opressão do inimigo? Como com ferida mortal nos meus ossos me afrontam os meus adversários, dizendo-me continuamente: Onde está o teu Deus? Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele que é o meu socorro, e o meu Deus.
O que me intriga é o trecho que “um abismo chama outro abismo ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas têm passado sobre mim” onde se vê um indicativo para o juízo de Deus.
No contexto da crise que vivemos, tenho recebido muitos vídeos, mensagens, áudios e memes. O que tem me irritado é quantidade de apocalipsistas que têm se levantado para declarar com a autoridade de um asno que o corona é um vírus comunista, que saiu de um país comunista, que é o Satanás em forma de vírus, que é o castigo de Deus sobre as iniquidades da humanidade, que é sinal da segunda vinda de Jesus, que é uma das bestas apocalíticas, etc.
Outros, menos terroristas, afirmam que Deus está usando um microrganismo de DNA bastante simples para aplacar a arrogância dos governantes mundiais e da elite capitalista. É Deus fazendo seu juízo sobre a soberba humana.
Eu me pergunto: se o Corona é obra de Deus como castigo, como é que o salmista, em situação ao que parece mais ou menos idêntica à que vivemos hoje, me pede para me aquietar, para experimentar a bondade de Deus, para cantar de manhã e à noite? Se a bondade de Deus está comigo, por que Ele permite que os inimigos zombem de mim e me façam sofrer ainda mais? Se é castigo de Deus para os soberbos e gananciosos, porque eu, que não sou ganancioso, avarento ou explorador do próximo devo sofrer? Se o Corona é castigo de Deus, todos devem ser castigados, especialmente os mais velhos e com comorbidades?
Não tenho respostas e estou aberto para ouvir quem, com seriedade, queira ajudar a trazer luz para este texto.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 25 de março de 2020

MAQUIAVELISMO VIRÓTICO


Não concordo com nada do que a seguir vou dizer. Trata-se de um exercício de realismo fantástico.
Está assentado por todas as fontes confiáveis que a Covid-19 ataca a todos indistintamente, sendo que, na população com mais de 60 anos e portadora de alguma comorbidade, ele é fatal com taxas superiores às outras idades.
Imagine que ministros da Economia de alguns países, sejam formados e orientados pelas ideias de Nicolau Maquiavel, aquele que, entre outras coisas disse que “os fins justificam os meios” e  o “mal se deve fazer de uma só vez e o bem deve vir a prestação” (citei as ideias e não as frases exatas). Imagine que estes ministros e o governo que eles participam têm sérios problemas com a Previdência, especialmente porque a idade da população está aumentando exponencialmente. Imagine que eles fazem cálculos, puxam daqui, esticam dali e não encontram onde arrumar oxigênio para manter esta população geriátrica viva ou mesmo como diminuir os custos sociais e médicos que tal parcela da população acarreta.
Estes ministros enviam aos Congresso dos seus países projetos de Reforma da Previdência e enfrentam forte resistência da população, da mídia, da parte afetada e, especialmente, dos funcionários públicos (do legislativo, executivo e judiciário) porque a pressão para que seus salários de marajá sejam reduzidos é muito forte. Os ministros já retardaram as aposentadorias, mexeram nos benefícios, precarizaram a saúde para ver se a geriatria desistia de ir a hospitais. A reforma sai capenga, mas sem mexer no grande problema: os velhos aumentam como juros de agiota e os marajás continuam carvalhos: “imexíveis”.
Aí vem o Corona!
Há clamor popular para que se tomem medidas, mas os mesmos que pedem providências têm dificuldades em aceitar o autoexílio. Os chefes-mor minimizam e dizem que é gripezinha. Alguns outros líderes de países fazem coro.
Conversas prá todo lado, simulações mil sobre a curva de infecção e a possibilidade de achatamento dela para que o sistema de saúde não se colapse, os primeiros casos de morte são idosos que estavam no Sistema Privado de Saúde, fala-se no pior, prepara-se a população para um genocídio etário, entenda-se geriátrico. Aventa-se a impossibilidade de ter isolamento nas periferias das grandes cidades, fala-se da Índia, Bangadlesh, Afeganistão, a falta de água e sabão em muitas residências, compara-se a Itália, com a China, Coreia, Alemanha, França, Reino Unido. Acentuam-se as cores na quantidade de velhos morrendo. É uma forma sub-reptícia de dizer: preparem-se, os velhos morrerão.
Neste turbilhão liberam-se a astronômicas quantidades de recursos para aumentar o número de leitos e UTIs que não se sabe se vão se tornar reais nas proporções prometidas. Especialistas criticam a decisão. Alguns altruístas destinam pequena parcela de suas polpudas reservas para que o sistema de saúde tenha mais uns segundos de sobrevida. O tempo corre e a curva das mortes se acentua. Montam-se esquemas alternativos. O povo é destinatário de um monte de Fake News e a internet colapsa pela quantidade de gente em casa usando streaming. Surgem profetas, pregadores, especialistas, residentes em algum canto infestado, todos trazendo sua verdade sobre a crise, reforçando a ideia que é esperar que vai passar. Tudo vai dar certo! Vejam a China!
Pouca conversa de vizinhança, nada de papo de boteco onde as coisas podem ter uma interpretação diferente da mídia dominante.
Os maquiavélicos, em seus gabinetes desinfetados e imunes à desgraça, esperam a Reforma da Previdência que a natureza está promovendo. No final da crise, muitos dos aposentados não mais terão que ser pagos porque morreram. Alivia-se a curva ascendente e agora descendente dos gastos previdenciários. O fim da geriatria vai se conquistando. Uma nova realidade Previdência se implantará, graças a Maquiavel e seus seguidores.
Quem sobrou vivo vai dar graças a Deus por ter escapado do vírus. E a massa ignara aplaudirá os esforços feitos pelas “otoridades”.
As cenas aqui descritas são pura ficção e não têm nenhuma semelhança com qualquer fato real. Quem assim interpretar está dá sinais de que é analfabeto.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de março de 2020

MINHA EXPERIÊNCIA COM O CORONA


Viajei dos Estados Unidos para o Brasil no dia 01 de março, chegando ao Brasil no dia 02 pela manhã. Tinha estado na Califórnia (clima ameno) e Dayton – OH e Richmond – IN (climas bastante severos, com nevadas e temperaturas abaixo de zero).
Ao chegar fui visitar minha mãe no hospital, pois a mesma, com 90 anos de idade, havia sofrido uma queda e quebrado o fêmur. Na terça, dia 03 voltei a visitá-la na parte da manhã, mas, depois do almoço comecei a ter tosse, coriza, febre de 39 e muitas dores pelo corpo. Liguei para o SAMU pedindo orientação sobre como ser atendido e eles, depois várias pessoas que não quiseram dar instruções (isto eu ouvia pelo telefone, ao fundo), uma delas veio e me disse que deveria ir ao Pronto Socorro. Achei um tanto estranha a orientação, pois, se estava infectado para um local de concentração de pessoas.
Fiz segundo a orientação recebida e me dirigi, acompanhado de minha esposa, para o pronto socorro de um hospital de Campinas. Ela se dirigiu ao balcão, falou da suspeita e imediatamente me levaram para uma sala isolada. Até aí, tudo bem. A minha surpresa e estarrecimento começou quando médico plantonista, sem nenhuma proteção que o caso exige, entrou na sala, pediu que eu abrisse a minha boca, disse que estava com secreção de pus, mas que não era corona porque não havia caso “autóctone”. Argumentei que estava chegando dos Estados Unidos e que não se tratava de um caso autóctone brasileiro. Ele reafirmou que não havia “casos autóctones nos Estados Unidos” e que, definitivamente eu não estava com o corona vírus. Ele me deixou ali mais um tempo, minha esposa depois for ver o que que estava acontecendo e ele disse que eu não estava com dengue e que deveria tomar dipirona para a febre. Voltei para casa e, por conta própria, decidi entrar em isolamento.
Na sexta-feira o quadro se gravou e voltei a outro Pronto Socorro. Fui atendido com a presteza e cuidados que o quadro ameritava. O médico, todo paramentado com vestes apropriadas me examinou, fez uma série de perguntas e colheram material para o teste. Disse que iria me deixar em isolamento porque eu apresentava ciclos respiratórios curtos. Argumentei que tinha condições de ficar em isolamento em minha casa e que me comprometi a voltar caso o quadro se modificasse. Nisto estou desde o dia 6 de março.
Tal como orientado, nos primeiros dias, recebi chamadas telefônicas de controle, buscando informações sobre meu quadro. Comecei a perguntar sobre o resultado do teste e nada de me darem resposta conclusiva. Houve um dia em que eu disse que estava em isolamento e assim permaneceria por consciência da gravidade e que minha permanência não dependia do controle deles. Que eu estava fazendo a minha parte e que estava esperando que eles fizessem a parte deles: o resultado do teste. Nunca mais me ligaram!
Acionei alguns contatos e um deles, que tem acesso aos resultados do Fiocruz, me informou que meu resultado só sairá no dia 06 de abril! Fiquei indignado. Voltei ao hospital, mesmo porque a tosse persiste em ficar, e novo teste foi feito, cujo resultado demora quatro dia úteis! Não sabia que o corona trabalha só nos dias de semana.
Aqui estou de molho há 14 dias, sem perspectiva de alta e sem saber se o que tenho é o corona. Descobri que a mídia do governo é muito melhor que a prática, que, mesmo com um plano de saúde, estou nesta pendência e espera. O que será dos que precisam e precisarão nos momentos de pico da pandemia? Não quero nem pensar!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de março de 2020

A DURA BENÇÃO


Foi em julho de 1991 quando assisti ao primeiro curso com vistas ao meu mestrado. Tratava do processo de envelhecimento e o fazia em duas dimensões: o crescente envelhecimento da nação estadunidense (de resto, verdade para todas as demais) e o processo de envelhecimento individual, com os cuidados, custos e atenção que se deve dar a ele. Lembro-me, com bastante clareza, de muita coisa que foi passada, seja pele dificuldade inicial com a língua, seja porque apresentou alguns dados que nunca havia pensado.
Um deles, que me marcou muito, foi o processo visto como um retorno à infância. Nascemos precisando que nos carreguem, que nos deem comida na boca, dependentes, carentes afetivamente, vamos ganhando corpo, forças e, a cada dia, vamos nos libertando da dependência ao ponto de, em certo momento, podermos andar sozinhos. E assim caminhamos até o dia em que a idade nos tira parte das forças das pernas, nos torna mais dependentes, a cada dia temos uma nova necessidade de ajuda, precisamos que alguém volte a colocar a comida na nossa boca e voltamos a usar fraldas.
Cuidar de um bebê é cuidar da esperança: amanhã ele vai estar maior, mais seguro, mais forte e logo, logo, vai andar sozinho. Cuidar do ancião é o cuidado sem esperança: a cada dia uma coisa nova a definhar e tirar energias. É o cuidado da graça que cuida sem esperar retorno.
Na época em que estudei isto, fiquei impactado, mas uma coisa é saber a outra é viver. Nos últimos sete anos tive minha mãe morando comigo. Ela veio com 83 anos, estava bem, andava, fazia tudo, comia de tudo. À medida que foi envelhecendo com a gente, percebemos que passou a dormir mais tempo, a ter menos energia para certas coisas, resmungava quando tinha que tomar banho, ficou mais agressiva nas respostas, confundia datas, não se recordava com precisão certas coisas fundamentais da sua vida. Fomos acompanhando este processo dia-após-dia e nos certificando que a velhice é um processo de infantilização.
No curso que mencionei, por se tratar de um Seminário, deu-se muita atenção ao conceito da benção que se tem ao cuidar dos pais. Sempre acreditei nisto e vivi isto nos dias em que tivemos minha mãe conosco. Foram momentos alegres e difíceis, houve momentos prazerosos e outros em que deu vontade de mandar para uma clínica. Sempre pensei que ela seria tratada por estranhos. Aqui, por mais difícil que fosse, era um filho e uma nora cuidando dela.
Sabíamos que ela orava todos os dias por nós e todos os dias, antes de ir deitar ela vinha orar comigo. Era sempre a mesma oração que ela havia aprendido na infância e que, em certa parte, ela dava uma ênfase peculiar: “... e pela noite gostoooooosa que Tu vais nos dar”. Quando precisávamos sair à noite para uma visita ou compras ela ficava sentada na sala esperando a nossa volta, não importando o horário que voltávamos. Havia nela um cuidado e a ideia mágica de ficar nos esperando nos guardaria. Mas não era mágica: ela ficava orando pela nossa volta. Quando chegávamos, invariavelmente, ela nos recebia com um “bem vindos” espontâneo e acolhedor. Vou sentir falta disto e da oração repetida ao dormir.
Seu sonho era chegar aos 90 anos, idade que ninguém da sua extensa família havia chegado. Ela chegou, celebrou seus 90 anos em grande estilo reunindo os parentes e se recolheu para os paramos celestiais. Deixou e exemplo de uma mulher forte, dedicada, fiel ao Senhor e mãe admirada pelos filhos, noras e netos. Foi trabalhoso, mas valeu pela benção de tê-lo conosco até os últimos momentos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de março de 2020

CADÊ OS PROFETAS?


Não é de hoje que me preocupo com a dimensão profética da igreja. Não me refiro às profetadas, tão comum em centros de adivinhações e chutes prognósticos, nem aos “porta-vozes de Deus” que manipulam a vida de incautos, mas à dimensão veterotestamentária: pessoas vocacionadas para diagnosticar o presente, denunciar os pecados individuais, sejam eles cometidos por pessoas simples como pelos reis, e o pecado nacional (tão esquecido pelos púlpitos e dos animadores de auditório religioso). Falo do pro+phemi, do pro+phetai, dos Isaías, Jeremias, Amós, Habacuques modernos.
Lembro-me de ter conversado com o presidente de uma igreja protestante de Cuba em 1989, que me falava das maravilhas do ser igreja naquela nação, da liberdade que tinham em pregar e evangelizar dentro das quatro paredes, da dimensão querigmática, diacônica, didática que estavam exercendo. Quando lhe perguntei sobre a dimensão profética, senti que ele se encolheu mais que maracujá maduro. E respondeu que tudo tem seu tempo.
O mesmo aconteceu com um renomado pastor guatemalteco, diretor de seminário e aclamado como teólogo, que em uma reunião de seminários em Campinas, dizia ser a Guatemala o país latino americano mais evangélico e evangelizado em todo o continente. Na hora das perguntas eu lhe perguntei como explicava o fato de ser (falo de 1990) o país mais violento politicamente da América. Ele me disse que não estava ali para falar de política. Mas este homem, quando pastor de uma igreja que fica atrás do Palácio Nacional, permitiu que tropas do Exército se colocassem na torre da Igreja para vigiar e atirar nos manifestantes. E ele sabia que eu sabia disto, porque estive na sua igreja e constatei isto.
Olho para a igreja brasileira e fico a procurar profetas no sentido bíblico e não os encontro. Conheci o Federico Pagura, argentino, metodista, um p(r)o(f)eta, mistura de profeta e poeta. Conheci o Dom Pedro Casaldáliga, outro p(r)o(f)eta. Li sobre o Helder Câmara e o respeitei e o respeito. E entre os evangélicos? Quem foi ou é profeta? Quem está levantando de forma profética e poética sua voz para denunciar os escândalos, os desmandos, a locupletação da coisa pública, as hienas do erário, o dono do Maranhão, os boquirrotos?
Que igreja é esta, muito mais conhecida pelos “louvores”, solicitação de ofertas e dízimos, pelos escândalos de seus “líderes”, pela falta de ética em seus vereadores, deputados e senadores? Que igreja é esta que seus líderes gostam mais de holofotes, de palcos, multidões,  carrões, televisão, rádio que ter cara e coragem para denunciar os políticos? Quem é profeta nesta igreja brasileira? Quem está dando sua cara? Onde estão os Jeremias, Amós, Habacuques, Isaías, Miquéias?
Não temos profetas porque a igreja evangélica brasileira não prega sobre o pobre e o empobrecido, sofre as viúvas e órfãos, sobre a injustiça no campo e na cidade. A igreja brasileira produziu gramáticos como bem cita Eber Ferreira da Silva em sua tese (Eduardo Carlos Pereira, Othoniel Motta, Erasmo Braga, Francisco Augusto Pereira Junior, entre outros). Mas profetas? ... Nunca!
Esta é uma igreja manca porque sua teologia está centrada em uma só perna. Enferma, deficiente, anormal, porque prega um evangelho pela metade, só prega o que interessa ao grande público e não confronta os empoderados. Falta-lhe coragem para o ministério que não dá holofotes, que mais leva às cavernas que aos palcos. Uma igreja que tem mais cantores e milagreiros que pastores e profetas. Uma igreja que tem mais animadores de auditório que doutrinadores, que tem mais excitação que adoração, mais embusteiros que mensageiros.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A MOTIVAÇÃO PROFÉTICA

Figura tão antiga quanto as religiões, o profeta teve status máximo na religião judaica. Durante séculos eles foram vistos, ouvidos, criticados e (per)seguidos. Há indícios e referências bíblicas para a existência de “escola de profetas”. Ao que tudo indica, a organizada por Samuel, (I Sm 10.5; 19.20) é a primeira. Elias e Eliseu foram responsáveis pela escola dos profetas, que funcionou como resistência à apostasia imperante no reino do norte (II Rs 2.3; 4.38; 6.1). Havia destas escolas em Ramá, Gibeá (I Sm. 19.20; 10.5,10) Gilgal, Betel e Jericó (II Rs. 4.38; 2.3,5,7,15; 4.1; 9.1). Uns cem estudantes faziam parte da escola dos profetas de Eliseu. Quando Elias e Eliseu foram ao Jordão, cinquenta da escola dos profetas estavam com eles (II Rs. 2.7,16,17).

Ser profeta não é uma questão de escolha pessoal, ainda que muitos assim decidam, indevidamente, devo dizer. Se olharmos para as histórias bíblicas dos profetas, constataremos que todos eles receberam um chamado e que foram relutantes em aceitar o mandato e a missão. Haja visto o exemplo de Jeremias que se sentiu chamada quando ainda era um “nah’ar” (imberbe, adolescente).

Percebe-se também que o profeta era alguém que tinha uma mensagem dura, denunciando os pecados do povo e especialmente dos governantes. Como disse Max Weber, em Israel havia uma classe social formada pelos reis e sacerdotes que explorava a segunda classe que era o povo. A terceira era a dos profetas que denunciava a exploração, se colocava ao lado do pobre, explorado, estrangeiro, órfão, e os defendia da tirania. Eles eram a oposição ao governo corrupto dos reis e sacerdotes!

Não é de estranhar que foram execrados. No dizer do escritor aos Hebreus, os profetas praticaram a justiça, da fraqueza tiraram forças, foram torturados, experimentaram escárnios, açoites, cadeias, prisões, foram apedrejados, serrados ao meio, morreram ao fio da espada, necessitados, aflitos e maltratados. Eram homens que o mundo não era digno!

Eles não alcançaram a promessa que anunciavam, mas nem por isto esmoreceram. Havia neles a consciência da vocação. Jeremias quis desistir e veja no que deu: “Seduziste-me, ó Senhor, e deixei-me seduzir; mais forte foste do que eu, e prevaleceste; sirvo de escárnio o dia todo; cada um deles zomba de mim. Pois sempre que falo, grito, clamo: Violência e destruição; porque se tornou a palavra do Senhor um opróbrio para mim, e um ludíbrio o dia todo. Se eu disser: Não farei menção dele, e não falarei mais no seu nome, então há no meu coração um como fogo ardente, encerrado nos meus ossos, e estou fatigado de contê-lo, e não posso mais. ... Mas o Senhor está comigo, tropeçarão os meus perseguidores, e não prevalecerão; ficarão muito confundidos, porque não alcançarão êxito, sim, terão uma confusão perpétua que nunca será esquecida. (Jr 20:7 ss).

Ser profeta é questão de vocação e não de opção. Ser profeta é ser chamado para ser questionado, odiado e viver em solidão porque os “amigos” fugirão na hora agá. Ser profeta é não ser o que gostaria de ser, mas é ser o que sente que deve fazer e o faz com um sentido de missão e obediência ao chamado. Ser profeta é ter experimentado o que Agostinho definiu como o chamado da “graça irresistível” e Calvino disse que “é “vocação eficaz, tão eficaz que não aceita o não!
Marcos Inhauser