Foi em julho de 1991 quando assisti ao primeiro curso com
vistas ao meu mestrado. Tratava do processo de envelhecimento e o fazia em duas
dimensões: o crescente envelhecimento da nação estadunidense (de resto, verdade
para todas as demais) e o processo de envelhecimento individual, com os
cuidados, custos e atenção que se deve dar a ele. Lembro-me, com bastante
clareza, de muita coisa que foi passada, seja pele dificuldade inicial com a
língua, seja porque apresentou alguns dados que nunca havia pensado.
Um deles, que me marcou muito, foi o processo visto como um
retorno à infância. Nascemos precisando que nos carreguem, que nos deem comida
na boca, dependentes, carentes afetivamente, vamos ganhando corpo, forças e, a
cada dia, vamos nos libertando da dependência ao ponto de, em certo momento,
podermos andar sozinhos. E assim caminhamos até o dia em que a idade nos tira
parte das forças das pernas, nos torna mais dependentes, a cada dia temos uma
nova necessidade de ajuda, precisamos que alguém volte a colocar a comida na
nossa boca e voltamos a usar fraldas.
Cuidar de um bebê é cuidar da esperança: amanhã ele vai
estar maior, mais seguro, mais forte e logo, logo, vai andar sozinho. Cuidar do
ancião é o cuidado sem esperança: a cada dia uma coisa nova a definhar e tirar
energias. É o cuidado da graça que cuida sem esperar retorno.
Na época em que estudei isto, fiquei impactado, mas uma
coisa é saber a outra é viver. Nos últimos sete anos tive minha mãe morando
comigo. Ela veio com 83 anos, estava bem, andava, fazia tudo, comia de tudo. À
medida que foi envelhecendo com a gente, percebemos que passou a dormir mais
tempo, a ter menos energia para certas coisas, resmungava quando tinha que
tomar banho, ficou mais agressiva nas respostas, confundia datas, não se
recordava com precisão certas coisas fundamentais da sua vida. Fomos
acompanhando este processo dia-após-dia e nos certificando que a velhice é um
processo de infantilização.
No curso que mencionei, por se tratar de um Seminário, deu-se
muita atenção ao conceito da benção que se tem ao cuidar dos pais. Sempre
acreditei nisto e vivi isto nos dias em que tivemos minha mãe conosco. Foram momentos
alegres e difíceis, houve momentos prazerosos e outros em que deu vontade de
mandar para uma clínica. Sempre pensei que ela seria tratada por estranhos.
Aqui, por mais difícil que fosse, era um filho e uma nora cuidando dela.
Sabíamos que ela orava todos os dias por nós e todos os
dias, antes de ir deitar ela vinha orar comigo. Era sempre a mesma oração que
ela havia aprendido na infância e que, em certa parte, ela dava uma ênfase
peculiar: “... e pela noite gostoooooosa que Tu vais nos dar”. Quando
precisávamos sair à noite para uma visita ou compras ela ficava sentada na sala
esperando a nossa volta, não importando o horário que voltávamos. Havia nela um
cuidado e a ideia mágica de ficar nos esperando nos guardaria. Mas não era
mágica: ela ficava orando pela nossa volta. Quando chegávamos, invariavelmente,
ela nos recebia com um “bem vindos” espontâneo e acolhedor. Vou sentir falta
disto e da oração repetida ao dormir.
Seu sonho era chegar aos 90 anos, idade que ninguém da sua
extensa família havia chegado. Ela chegou, celebrou seus 90 anos em grande
estilo reunindo os parentes e se recolheu para os paramos celestiais. Deixou e
exemplo de uma mulher forte, dedicada, fiel ao Senhor e mãe admirada pelos
filhos, noras e netos. Foi trabalhoso, mas valeu pela benção de tê-lo conosco
até os últimos momentos.
Marcos Inhauser
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