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quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A AUTODIVINIZAÇÃO



Se Deus é infinito e incognoscível, conhecê-lo se coloca no campo das possibilidades e das tentativas. É uma ação enquadrada no campo do não-poder, da impossibilidade, que, longe de impedir a busca, se faz no limite da consciência da incapacidade de conhecê-lo em sua plenitude. Quando se tem esta consciência, o conhecimento que se tem passa pelo filtro da lógica e aflora sob o manto da humildade, uma vez que, nunca será o conhecimento absoluto e definitivo. Mais ainda: será o conhecimento aberto às novas buscas e saberes, sabendo que é uma caminhada sem fim, mas que pode estar no rumo certo.
O problema do fundamentalismo de qualquer naipe e religião é que o portador de um “saber” (ainda que não necessariamente errado) entende que o seu conhecimento é absoluto, definitivo, normativo. Confunde o que pode saber sobre Deus com o próprio Deus e a enunciação da verdade que diz possuir tem a aura de ser a vox Dei. Ainda que possa ter passado pelo filtro da lógica, o fundamentalista se caracteriza pela enunciação arrogante de “suas verdades” porque entende que fala o que Deus falaria.
Ao assim proceder tem outra característica no discurso: a ênfase na condenação dos que pensam ou agem diferente do que pensam e agem. Eles não toleram a diferença! Na sua visão, dicotomizam o mundo entre fieis e infiéis, santos e pecadores, justos e injustos. Esta visão maniqueísta, onde tudo é preto ou branco, os cinzas do questionamento, da busca incessante da verdade, a crítica, a pergunta inteligente, a explicitação das incoerências são vistos como obra demoníaca e passível de condenação.
Parece que se alegram com os que são condenados e não com os que são salvos. Cada um que é “condenado” pelas suas ortodoxias é mais um ponto de mérito para os iguais que repetem a mesmice ad eternum.
Aqui se tem outro dado deste comportamento: a novidade é proibida. Os fundamentalistas não podem pensar, só repetir o que há tempos vem sendo dito. Quais papagaios religiosos, sabem umas tantas coisas de memória que as repetem à exaustão e, em um círculo de louvação mútua, se parabenizam pela fidelidade em “re-dizer” as coisas. Assim se tem um comportamento bipolar: louvam-se mutuamente e execram os dissidentes ou diferentes. Haja espírito de corpo (ou de porco?) para que se retroalimentem infinitamente.
Um amigo que não é liberal, mas que pensa, ao fazer uma análise do filme Perdido em Marte em paralelo com a parábola do Bom Samaritano, foi execrado por xiitas cristãos que declararam guerra santa e prometeram detonar tudo quanto viesse a escrever.
Há uma semana recebi artigo de um pastor indignado com a falta de sensibilidade artística. Uma imagem (bastante decente e sóbria) da Eva comendo uma maçã com uma serpente envolta em seus pés, tinha à sua frente a Maria grávida e ela pisava com seus pés a cabeça da serpente. A celeuma criada foi porque o texto bíblico não fala de maçã como o fruto proibido e porque a promessa bíblica é que Jesus pisaria a serpente e não Maria. Isto era endeusar a Maria! Haja literalismo e burrice artística!
Os que acreditam que o que conhecem sobre Deus é a palavra final, tem, por consequência, a autoridade para julgar e condenar. Conseguem ver nas vírgulas heresia, nas exclamações hedonismo, na valorização do ser humano humanismo. Sem saber o que isto quer dizer, acusam de existencialista, marxista, evolucionista, darwiniano, esquerdista, apóstata, adepto da teologia relacional, etc. Eles assim o fazem porque creem com profunda convicção de falam como se deuses fossem. É a autodivinização só reconhecida por eles e seus pares de louvação mútua!
 Marcos Inhauser

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

PROFUNDOS CONHECEDORES DO INCOGNOSCÍVEL

Fico estarrecido com a facilidade de certos “intindidos de Deus” em fazer ousadas asseverações acerca dEle, como se o conhecessem tão bem quanto a si mesmos. São comuns as frases como: “a vontade de Deus é ...”; ‘o que Deus quer te ensinar é ...”; “Deus vai pesar sua mão sobre você”; “isto é castigo de Deus”; “o que Deus quer é ...”; “Deus vai fazer isto ou aquilo”; “Deus quer te dar uma lição”; “é a mão de Deus que está pesando sobre você”; “Deus vai operar maravilhas hoje”; “o centro da vontade de Deus é ...”; “a família é o projeto do coração de Deus”; “este Deus mandou para o inferno”; etc.
Nos últimos tempos tenho visto ousadia ainda maior. Gente que afirma que “o que Jesus tinha em mente quando falou isto é ...”” Desafio a estes “intindidos” a dizer o que estou pensando enquanto escrevo estas linhas. Se não conseguem precisar isto, como podem se arvorar em detentores do conhecimento da mente de Jesus?
Não só o conteúdo destas frases mostra a arrogância de quem as fala pela pretensão de conhecerem a mente de Deus, mas, e muito mais grave, é a petulância arrogante com que as pronunciam. Usam deste pretenso conhecimento para manipular e se colocar como seres mais próximos de Deus que os simples mortais.
Se, por definição, Deus é o Ser Absoluto, Infinito, Incompreensível, o conhecimento sobre Ele só pode ser tentativo, especulativo e deve ser feito em humildade de quem só sabe que dois mais dois são quatro diante da complexidade de toda a matemática.
Aliado a esta pretensão do conhecimento do que não é possível conhecer na sua integridade, alia-se a preguiça mental dos ouvintes. É mais fácil dar crédito a um imbecil do que avaliar e criticar a mensagem de um pretenso iluminado. Isto me faz lembrar da frase de um amigo de longa data que dizia que “todo palhaço tem sua plateia”. Mas o que mais me assusta é que são estas mentes brilhantes que conseguem entender a totalidade do ser de Deus os que mais plateia tem, sinal inequívoco do que as Escrituras afirmam sobre os últimos tempos: cercar-se-ão de mestres segundo suas cobiças. Mudo a frase: cercar-se-ão de mestres segundo suas preguiças mentais.
Há alguns anos escrevi aqui quatro colunas. Teologia com ponto final, com exclamação, com interrogação e com reticências. Nelas eu já colocava estas minhas preocupações e dizia que a teologia com ponto final é problemática. Diante de Deus posso ficar maravilhado (!), intrigado (?) ou reticente (...), mas nunca posso ser taxativo (.). A palavra chave no pensar teologia é talvez, pode ser, há possibilidade ...
Se o teologizar é o caminho da possibilidade com a necessidade constante de revisão das crenças, a certeza absoluta perde terreno. Instala-se o reino da possibilidade e isto foge ao conceito da religião como coleção das certezas endeusadas como absolutas, tão ao gosto das massas preguiçosas em pensar e consumidoras fáceis e contumazes de ideias alheias com tempero de absoluto.
Por outro lado, o pregador das possibilidades tem seus suores na tarefa de fazer pensar. Se hoje o sucesso de uma igreja se mede pela quantidade de gente, o pregador das possibilidades tem mais dificuldades com arrebanhar multidões. Assim, para mim, templos cheios é evidência de local das certezas absolutas e, portanto, da negação do teologizar sério.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A CERTEZA DEIFICADA



Temos horror à incertezas! A dúvida nos corroe e nos mata. A pergunta sem resposta atemoriza e nos traz desconforto. O silêncio do outro nos deixa intranquilos.
Precisamos de certezas, de diagnósticos, de verdades, de respostas de soluções. Quanto mais inseguros somos, quanto menos resolvidos formos, mais medo teremos da dúvida, mais nos agarraremos a qualquer certeza que se nos apresente, fazendo-o a acriticamente. Uma pergunta que possa trazer alguma dúvida é vista como arma do inimigo para roubar a paz que a certeza dá.
Os mais imaturos se apegam a "verdades" proferidas por alguém e se apegam a elas com fervor proporcional ao brilho que o "iluminado" tem.
Com estas considerações tenho pensado na religião como o esforço coletivo para a preservação de certas verdades que dão resposta e segurança aos imaturos. Toda religião que se preze tem uma confissão de fé ou um credo, conjunto das certezas adotadas e defendidas com as armas da rotulagem de herege, apóstata a quem ousa pensar diferente. Estes, no mais das vezes, são expulsos e anatematizados. Estes recursos garantem a preservação da "sã doutrina" e das certezas adotadas.
Percebe-se assim porque pregadores, pastores sacerdotes são como papagaios que repetem frases conhecidas. A função deles não pode ser a do propor o novo, mas repetir ad nauseam o velho, o sabido, o que dá a paz das certezas. Por isto eles não são treinados na arte de perguntar, mas adestrados na tolice de ter respostas para tudo. Como animais pavlovianos são agraciados a cada resposta que dão, sejam elas fundamentadas ou não. As questões mais cruciais recebem rótulos pomposos de "obra de Satanás", possessão, vontade de Deus, castigo de Deus, está colhendo o que plantou, etc.
Sob está perspectiva a religião é a divinização das respostas, a deificação das certezas, a glorificação do não-pensar, a imbecilização do eterno repetir, a demonização do perguntar, a heresia do questionar, o descarte da incoerência, o assassinato da lógica.
Pensar e perguntar não fazem parte destas espiritualidades. Ouvir, dia após dia, as mesmas argumentações, o mesmo raciocínio, as mesmas coisas é ser espiritual. Perguntar e questionar são sinais de " carnalidade". Repetir abobrinhas é santidade. Odiar quem pergunta é ação louvável. Matar infieis é jihad, guerra santa. Ser xiita, sunita, fundamentalista, conservador, ortodoxo é garantia de salvação e galardão no paraíso.
Assim, as religiões nunca foram e não podem ser democráticas. Elas não podem abrir a discussão sob pena de perder o controle. Elas exigem um "sábio que tudo sabe" e uma horda de concordantes. Transformam na congregação da violência simbólica, onde a ignorância é elogiada, a verdade monocromática estabelecida, a participação comunitária na construção do conhecimento e das certezas evitada e condenada.
Tem-se um universo de formigueiro: uma rainha desfrutando de um exército de fiéis operários.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O NOVO ANÊMICO


Dizem que os ditados traduzem a sabedoria popular. Eu acho que também servem para consolidar o senso comum. Um deles tem para mim mais cheiro de senso comum que de sabedoria: “ano novo, tudo novo”. Uma variação dele é “ano novo, vida nova”.

No Brasil de hoje e deste final de ano, tenho minhas restrições em pensar que a magia de cruzar a meia noite de um dia para outro seja suficiente para que coisas novas aconteçam. Bem que eu gostaria que isto acontecesse, mas a meu espírito mais cético que esperançoso me faz a advertência: “devagar com o andor porque o santo é de barro”.

Como esperar vida nova e tudo novo diante do cenário político e econômico que estamos encerrando o ano? Há mágica que dê conta de transformar tudo com a passagem do ano? É ato de fé esperar um milagre neste cenário?

Vamos lá. Não fosse um profeta Jeremias, talvez eu me encorajasse a pensar que um milagre poderia acontecer. No que pese a misericórdia de Deus, ele castigou o seu povo por causa das perversidades, mentiras, corrupção de sacerdotes e reis (e seus asseclas). A idolatria grassava solta em Israel e ele deixou que o curso da história seguisse e o povo colhesse os frutos de suas loucuras. Foram castigados pelo seus próprios atos desvairados.

É verdade que está ruim com o PT, mas será muito pior com o PMDB! Olhe para as lideranças destes dois partidos e se verá uma penca de gente acusada e sendo investigada por mal feitos na administração da res pública que eles insistem em tratar como se fosse “res própria”. Quem os colocou lá? O povo através do voto. Se eles agem indevidamente o fazem porque tiveram seus mandatos renovados, no que pese as acusações que sobre eles pesavam. Exemplos? Collor, Jader, Renan, Cunha, Lobão, Jucá, Maluf, para citar só os mais notórios. Se o povo insiste em escolher raposas para cuidar do galinheiro público, que moral tem para agora criticar e pedir a intervenção divina? Se não foram fieis no pouco, com certeza se locupletarão no muito. E é o que fizeram.

Confesso que chego às portas do novo ano com uma esperança prá lá de anêmica. Sempre brinquei com uma frase que parece que se aplica a este momento: “dias piores virão”. Não acredito que algo espetaculoso ou milagroso possa acontecer, haja visto as manobras do Temer se associando ao Cunha contra o Renan, a troca do ruim pelo péssimo na economia, a judicialização do legislativo, a legisferante atividade do STF, as infelizes declarações do Falcão no exercício da presidência do PT, as intervenções inadequadas e impróprias do ex-presidente que ainda acha que é, a demora em se tomar providências mais robustas contra o Collor, o Renan, o Lobão, o Jader, etc.

Lembro-me de uma frase de Paulo na sua carta aos Romanos, referindo-se a Abraão: “em esperança, creu contra a esperança”. Outra na mesma carta: “se espero o que vejo, isto já não é esperança”.

O que vejo, entendo e prognostico como inevitável me coloca na categoria do cético absoluto. Tenho fé em um Deus que, no que pese as nossas barbaridades, pode vir e intervir na nossa história. Como Gideão, estou em uma prova de fé. Não vejo saída, mas a fé me coloca uma nesga de esperança. Anêmica é verdade, mas é fé.

Marcos Inhauser


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

E SE FOR MENTIRA?


E tem todos os ingredientes para ser.

Não há uma só prova material de que ele tenha existido. Desde o ponto de vista da história e dos comprovantes não há nada, absolutamente nada!

Não se sabe ao certo a data do seu nascimento, o local exato em que isto se deu, onde viveu na infância, se tinha irmãos ou primos, a linhagem da mãe e do pai, não há um só documento que fale dele e que tenha sido escrito nos tempos em que supostamente viveu, ele mesmo nunca escreveu nada e quando o fez foi na areia da praia, não se tem uma relíquia dele, não se sabe exatamente onde foi crucificado e onde o sepultaram. O que dizem ser provas são facilmente refutadas pelos meios científicos.

Tem tudo para ser uma estória.

Mas se é uma estória como explicar algumas coisas? Como uma estória tão fantástica e ingênua pôde durar tanto tempo? Como a estória de um filho gerado só da mulher, nascido em condições insalubres, em local incerto, pôde ser contada durante tanto tempo? Como uma estória de uma criança de pais desconhecidos, sem vínculos com os partidos políticos e religiosos da época, com atuação na periferia de Israel, pôde ser a estória mais contada e repetida na história da humanidade?

Como uma estória destas, a partir da insignificância dos pais e do nascimento, marcado pela ausência de maiores informações sobre sua infância e adolescência, tendo surgido publicamente só aos trinta anos de idade (e até nisto há controvérsias), com um fim tão trágico como foi a crucificação, pôde ser a mais significativa estória da humanidade, ao ponto de ser divisor da história entre o antes e o depois?

Como uma estória tão simples pôde inspirar tantos compositores que escreveram mais belas músicas da humanidade, haja visto o Aleluia de Haendel e tantos outros clássicos de natal? Qual outra história foi mais encenada em palcos ao redor de todo o mundo que a do natal? Qual outra estória mudou a vida de tanta gente como a do natal? Qual outra estória produziu mais “conversões” que a do nascimento, vida e morte dele? Qual outra estória tem mobilizado tanta gente para a solidariedade, a fraternidade e ao perdão que esta estória?

Que me perdoem os que discordam de mim e de milhões que assim acreditam: para mim não é estória e sim história!

Não preciso de provas materiais e históricas para crer na realidade do natal (sem nem mesmo saber exatamente a data e local). Não preciso ver um suposto pedaço do manto, da cruz ou lágrimas colhidas por uma tal Verônica. Não preciso de um manuscrito escrito por ele ou sobre ele, redigido nos dias em que ele viveu para acreditar que ele é real. Para mim não se trata de estória, mas de fato da fé que historiciza a sua presença em mim e através de mim.

Não preciso provar a historicidade dele. Preciso viver a realidade da vida dele em mim e nos que, como eu, acreditam nele. Não tenho a obrigação de “convencer” ninguém que ele real, porque ele se encarrega disto pelo exercício da sua graça. Isto é tão forte que Agostinho disse que a graça é irresistível! Quando ele quis mostrar sua realidade a Paulo, este até do cavalo caiu!

Só afirma que o natal é estória quem nunca “caiu do cavalo” pela graça de Deus. A queda faz com que a estória vire história!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A ARTE DO CINISMO


Tirei alguns dias (talvez semanas) para ler dois livros do Michel Foucault que são as últimas aulas que ele deu. Trata-se de “O governo de si e dos outros” e “A coragem da verdade” onde ela faz análise do conceito de verdade e do falar a verdade (parresia) no exercício da política na antiga Grécia, especialmente Atenas.

São leituras difíceis, seja pela complexidade do tema, pela exegese que faz dos textos citando em abundância o original grego ou pela quantidade de coisas que ele vê e extrai de onde eu, no meu quase analfabetismo, não vejo nada. Ao ler o que ele vê onde não vejo me dá um sentimento de imbecilidade.

Mas, acho que, nesta minha experiência, foi a tristeza e a dor o que mais me afetaram ao confrontar o exercício da verdade na vida pública com o exercício do cinismo e da mentira que presenciamos nas lides congressuais do Brasil.

Causou-me espécie recordar e reforçar algo que já tinha vago conhecimento de como Sócrates e os socráticos pregavam o despojamento como forma de se conhecer a verdade. Também ao ser relembrado da postura dos cínicos (os antigos e primitivos) em seu total desprendimento de qualquer título, reconhecimento social ou bens.

A certa altura ele afirma que a verdade tem quatro dimensões: a verdade minha que tenho coragem de falar para mim mesmo, porque há gente que não tem coragem, de confessar a si mesmo certas coisas que faz ou pensa. A segunda dimensão é a verdade minha que tenho coragem de contar a alguém, amigo, confidente ou terapeuta. Mais antigamente este papel de “escutador das nossas verdades” era do sacerdote e da amante. A terceira dimensão é a verdade que tenho coragem de dizer em público. A quarta é a verdade que ouço vindo dos outros e que dizem respeito a mim.

Ao ver a cara-de-pau do Cunha, Renan, Lula, Jader, Edinho, Mercadante, Dilma, e tantos outros, enredados até o pescoço com as investigações, lembro-me destas quatro facetas da verdade. Fico a pensar se eles têm a coragem de se olhar no espelho e dizer a sí mesmos o que fizeram. Duvido que contaram a seus amigos, confidentes ou advogados todas as peripécias cometidas. Duas coisas eu tenho certeza: não estão dizendo a verdade em público e nem estão aceitando a verdade que as ruas estão a gritar. Ouvir o Cunha dizer que não tem interferido em nada no processo de protelação em que se envolveu a Comissão de Ética da Câmara é vergonhoso. Vergonhoso é vê-lo apoiado por parlamentares que se intitulam como evangélicos, que o apoiam, como é o caso do campineiro, pastor da Assembleia de Deus, Paulo Freire, do Marco Feliciano e outros.

Se política na antiga Atenas tinha a parresia como alvo e prática, na brasileira é a mentira, a enganação, a fraude, a jactância (vide a gravação do Delcídio), a carteirada, a bravata. Prova cabal disto é a judicialização do processo parlamentar, uma vez que ninguém mais acredita em ninguém e se pede a arbitragem externa para que o diálogo próprio do parlamento seja realizado. Quando isto se dá, não é a negociação, mas a imposição da interpretação judicial, onde um grupo perde e outro ganha. Quando isto acontece o povo, que deveria ser o beneficiário maior do processo, acaba pagando alto custo, como são as demissões, a falta de investimento, a inflação, os pesados impostos e a possibilidade de ressurreição de um morto que devia ter sido cremado para nunca mais voltar: a CPMF.

O cinismo tem um preço é o povo é quem tem pagado.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

PÁTRIA EDUCADORA


Já mencionei aqui, mais de uma vez, a minha admiração por dois irmãos nicaraguenses, poetas e cantores, os Mejía Godoy. Dia destes estava ouvindo pela enésima vez suas músicas. Deparei-me, outra vez, com a de Terencio Acahualinca, onde ele conta a estória desta pessoa que, sendo perguntado por um burocrata sobre sua formação educacional, se saiu com este verso, aqui livremente traduzido:

Não sou leigo, nem estudado em alguma ciência,

Mas já estou pós graduado pela experiência.

Um curso de alta miséria me fez doutor.

Sou graduado em pobreza,

Mestre em desnutrição.

Que me perdoem todos os amigos

Que estão na rançosa burocracia

Com seus diplomas conseguidos em Bretanha ou gringolândia,

Ninguém pode ostentar este recorde

E esta é a pura verdade

Porque assim canta Terencio com tremenda realidade:

Não sou leigo, nem estudado em alguma ciência,

Mas já estou pós graduado pela experiência.

Um curso de alta miséria me fez doutor.

Sou graduado em pobreza,

Mestre em desnutrição.


Fosse Terencio Acahualinca brasileiro, pouca ou nenhuma mudança precisaria fazer na letra para adequá-la à sua realidade. Muito ao contrário talvez pudesse acrescentar algo como

Fiz um elementar básico,

Secundário meia boca

Sonhei com a riqueza,

Adotei a esperteza,

 tomei o caminho mais curto:

Virei político!

Graduei-me em ética pelo noticiário

Mestrado em mentira vendo declarações de senadores e deputados,

Doutorado em cinismo acompanhando CPIs.

Aluno de Calheiros, Cunha, Sarney, Delcídio e do PT

Fiz especializações no PMDB, PSDB e antigo Pefelê.

Nas artimanhas do submundo sou touro,

mas ando morrendo de medo do Moro.

Acertei a mão e ganhei uma bolada,

Mas, pelo visto, lá se vai ela com a delação premiada.

Queria entrar para história como notícia,

mas acabei nas páginas da polícia.

A cela me deu rugas

E no medo do que pudesse contar, me ofereceram fugas.

Bendito gravador:

lá se foi um senador!

Por causa do cartel:

Está se implodindo o bordel!



Marcos Inhauser


quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A VERDADE ANTI-ESCRAVIDÃO

Já gastei algumas linhas trabalhando a expressão jesuânica do quarto evangelho de que “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Na última vez, disse que a expressão precisa ser analisada e entendida no seu contexto (o próprio evangelho), onde o tema da vida plena é central. Assim a libertação de que se fala é a libertação para a vida plena.
Quero trabalhar outro aspecto, agora pela via negativa: a mentira escraviza, manipula, trata o outro como incapaz de conhecer e suportar a verdade. Seja qual for o motivo para a sua existência, há da parte do mentiroso motivações manipuladora e escamoteadora. Por causa disto, tanto o mentiroso como o que é vítima dela são escravizados. O primeiro pela própria mentira que deve manter a qualquer custo, o último porque não tem acesso à verdade que liberta, mas se vê enredado nas tramas da manipulação de quem mente.
Tenho pensado nisto diante da avalanche de mentiras contadas e descobertas com a operação Lava Jato.
Ainda que a mentira possa ter dado um certo alívio a quem a contou no início e até certo prazer, o custo de mantê-la e, por fim, vê-la desmascarada, é cruel. Lembro-me de uma frase do Barusco na CPI (um dos poucos que falou neste festival de “reservo-me no direito de permanecer calado”) quando disse mais ou menos isto: num determinado perdi a tranquilidade e o sono por não saber como explicar a montanha de dinheiro que tinha”. A confissão foi alívio porque libertadora.
O imbróglio de mentiras do Cunha e as suas “explicações”, são novas mentiras para sustentar as anteriores. É um escravo das mentiras contadas. A mesma coisa se pode dizer do Delcídio e sua súbita demonstração de espírito solidário com o Cerveró. A versão contada no seu depoimento é tão esfarrapada que acabou se enredando ainda mais no cipoal da escravidão da mentira.
Com isto, quero esclarecer o seguinte paradigma: a mentira escraviza, a verdade liberta. Acrescento: toda verdade é libertadora, ainda que ela tenha seu custo e dor inicial.
Nestes dias, em uma viagem de ônibus, sentou-se ao meu lado uma jovem mãe com sua filha de ano e meio. Depois de mais de uma hora de conversa, ela me contou que, quando tinha 11 anos de idade, surpreendeu sua mãe com um homem na cama. Aquilo para ela foi terrível. Porque sabia que seu pai também não era santo, nunca falou para a mãe o que tinha visto, mas isto a matava por dentro. Há dois anos teve uma conversa com a mãe e contou o ocorrido. No dizer dela: “senti que um peso saiu de mim. Nasceu um riso nos meus lábios, voltei a viver. Eu vivia uma farsa com minha mãe simulando que tudo estava bem e não era verdade. Quando contei a ela o que eu sabia, a relação nossa melhorou e muito”. Uma verdade que a libertou!
Na sucessão de verdades que estão vindo à tona, há um processo de libertação. Creio que estamos sendo libertos de corruptos contumazes, de políticos desonestos, de governantes inescrupulosos, de gurus enfatuados, de marqueteiros manipuladores, de ex-presidentes que mentiram e continuam mentindo.
A verdade nos está libertando!!!
Marcos Inhauser