Se há uma coisa que todos temos na virada deste ano é a
esperança. É verdade que toda regra tem sua exceção e a chacina em Campinas foi
a ação de um desesperançado.
Depois de um ano cheio de sobressaltos e apertos, muita
gente querida morrendo, nada mais lógico e natural que querer de que este novo
ano nos dê a esperança de que será melhor. No entanto, a esperança é
subversiva. Ela faz uma crítica ao presente e pensa o amanhã diferente. Ao
questionar o presente, os que dele tiram seu proveito, especialmente pelas vias
escusas da propina e corrupção, se sentem ameaçados. Usam dos meios que dispõem
para preservar o status quo, seja promulgando leis que só atendem aos seus
interesses ou prolatando sentenças monocromáticas que permitem a um preso sair
da cadeia para tomar posse como prefeito ou vereador.
Se a sociedade permanece alienada e não reage a estas
situações, por melhores e mais bem fundadas que sejam suas esperanças, elas se
tornarão em desesperança a curto prazo. Para que a esperança prospere, temos
que levar em conta que os atos de esperança não estão fundados na análise dos
passos pretéritos, no que fiz ou fizemos ontem. O que move para a concretização
é a visão do futuro, a qual gera a dinâmica de atuação no presente. É a u-topós
que se busca, no melhor sentido do ainda-não-dado, a utopia.
Por paradoxal que possa parecer, são os que mais sentiram a
desesperança os que têm maior força e vitalidade na construção da esperança.
Ela não é construída pelos que estão acomodados com o presente, pelos abonados
ou alienados. Só os que sentiram na carne a fome, a injustiça, a opressão, a
malandragem, a extorsão, podem dar musculatura e ossos à esperança.
Conservadores não têm esperança porque ela é o amanhã e eles só querem
preservar o hoje. Conservadores estão contentes com o que têm, mas os
desesperançados não querem continuar a viver nesta condição. Daí a semente da
esperança e da u-topia.
A esperança nasce do discurso que contagia. Não pode ser
solitária, mas coletiva e a transformação do solitário em coletivo se dá pela
pregação do sonho. Só sonhamos o amanhã quando, ao trocar ideias sobre o
presente e analisar em conjunto, em um processo de hermenêutica comunitária do
presente, nos damos conta de que precisa ser mudado e o amanhã sonhado e
construído. Esperança solitária é planta que nasce e morre com o primeiro sol.
A esperança solidária é árvore que sobrevive às intempéries.
A esperança solidária é dinâmica na medida em que é
processual, porque é construída na caminhada. Uma esperança rígida nos seus
detalhes é suicida. Talvez este tenha sido o erro de Marx e muitos marxistas. O
futuro tinha que ser só do jeito que sonharam.
Um dos problemas com os cristãos é que eles têm sua
esperança engessada: sabem com detalhes como será o amanhã, se há tribulação
antes, no meio ou depois, se vão viver no céu ou na Jerusalém celestial, se vão
reconhecer amigos na eternidade, se vão cantar hinos ou morar em palacetes. A
esperança de muitos é “sair-deste-mundo”, mas se esquecem que o mandato de
Jesus é “ir-ao-mundo” para ser sal da terra e luz do mundo. Na oração do Pai
Nosso nos ensinou a pedir “venha o Teu reino”, mas muitos oram “leva-me para o
Teu Reino”.
Como cristãos vivemos entre-mundos: o paraíso perdido e a
morada futura. Voltar ao passado é suicídio, porque impossível. Viver o
presente é suicídio porque opressivo e injusto. Sonhar e construir o futuro,
mudando hoje a mim e ao meu entorno é vida. Não haverá amanhã se todos os dias
continuo igual.
Marcos Inhauser