Tirei alguns dias
(talvez semanas) para ler dois livros do Michel Foucault que são as últimas
aulas que ele deu. Trata-se de “O governo de si e dos outros” e “A coragem da
verdade” onde ela faz análise do conceito de verdade e do falar a verdade (parresia) no exercício da política na
antiga Grécia, especialmente Atenas.
São leituras difíceis,
seja pela complexidade do tema, pela exegese que faz dos textos citando em
abundância o original grego ou pela quantidade de coisas que ele vê e extrai de
onde eu, no meu quase analfabetismo, não vejo nada. Ao ler o que ele vê onde
não vejo me dá um sentimento de imbecilidade.
Mas, acho que, nesta
minha experiência, foi a tristeza e a dor o que mais me afetaram ao confrontar
o exercício da verdade na vida pública com o exercício do cinismo e da mentira
que presenciamos nas lides congressuais do Brasil.
Causou-me espécie
recordar e reforçar algo que já tinha vago conhecimento de como Sócrates e os
socráticos pregavam o despojamento como forma de se conhecer a verdade. Também
ao ser relembrado da postura dos cínicos (os antigos e primitivos) em seu total
desprendimento de qualquer título, reconhecimento social ou bens.
A certa altura ele
afirma que a verdade tem quatro dimensões: a verdade minha que tenho coragem de
falar para mim mesmo, porque há gente que não tem coragem, de confessar a si
mesmo certas coisas que faz ou pensa. A segunda dimensão é a verdade minha que
tenho coragem de contar a alguém, amigo, confidente ou terapeuta. Mais
antigamente este papel de “escutador das nossas verdades” era do sacerdote e da
amante. A terceira dimensão é a verdade que tenho coragem de dizer em público. A
quarta é a verdade que ouço vindo dos outros e que dizem respeito a mim.
Ao ver a cara-de-pau
do Cunha, Renan, Lula, Jader, Edinho, Mercadante, Dilma, e tantos outros,
enredados até o pescoço com as investigações, lembro-me destas quatro facetas
da verdade. Fico a pensar se eles têm a coragem de se olhar no espelho e dizer
a sí mesmos o que fizeram. Duvido que contaram a seus amigos, confidentes ou
advogados todas as peripécias cometidas. Duas coisas eu tenho certeza: não
estão dizendo a verdade em público e nem estão aceitando a verdade que as ruas
estão a gritar. Ouvir o Cunha dizer que não tem interferido em nada no processo
de protelação em que se envolveu a Comissão de Ética da Câmara é vergonhoso.
Vergonhoso é vê-lo apoiado por parlamentares que se intitulam como evangélicos,
que o apoiam, como é o caso do campineiro, pastor da Assembleia de Deus, Paulo
Freire, do Marco Feliciano e outros.
Se política na antiga
Atenas tinha a parresia como alvo e
prática, na brasileira é a mentira, a enganação, a fraude, a jactância (vide a
gravação do Delcídio), a carteirada, a bravata. Prova cabal disto é a
judicialização do processo parlamentar, uma vez que ninguém mais acredita em
ninguém e se pede a arbitragem externa para que o diálogo próprio do parlamento
seja realizado. Quando isto se dá, não é a negociação, mas a imposição da
interpretação judicial, onde um grupo perde e outro ganha. Quando isto acontece
o povo, que deveria ser o beneficiário maior do processo, acaba pagando alto
custo, como são as demissões, a falta de investimento, a inflação, os pesados
impostos e a possibilidade de ressurreição de um morto que devia ter sido
cremado para nunca mais voltar: a CPMF.
O cinismo tem um preço
é o povo é quem tem pagado.
Marcos Inhauser