Se Deus é infinito e incognoscível, conhecê-lo se coloca no
campo das possibilidades e das tentativas. É uma ação enquadrada no campo do
não-poder, da impossibilidade, que, longe de impedir a busca, se faz no limite
da consciência da incapacidade de conhecê-lo em sua plenitude. Quando se tem
esta consciência, o conhecimento que se tem passa pelo filtro da lógica e
aflora sob o manto da humildade, uma vez que, nunca será o conhecimento
absoluto e definitivo. Mais ainda: será o conhecimento aberto às novas buscas e
saberes, sabendo que é uma caminhada sem fim, mas que pode estar no rumo certo.
O problema do fundamentalismo de qualquer naipe e religião é
que o portador de um “saber” (ainda que não necessariamente errado) entende que
o seu conhecimento é absoluto, definitivo, normativo. Confunde o que pode saber
sobre Deus com o próprio Deus e a enunciação da verdade que diz possuir tem a
aura de ser a vox Dei. Ainda que
possa ter passado pelo filtro da lógica, o fundamentalista se caracteriza pela
enunciação arrogante de “suas verdades” porque entende que fala o que Deus
falaria.
Ao assim proceder tem outra característica no discurso: a
ênfase na condenação dos que pensam ou agem diferente do que pensam e agem.
Eles não toleram a diferença! Na sua visão, dicotomizam o mundo entre fieis e
infiéis, santos e pecadores, justos e injustos. Esta visão maniqueísta, onde
tudo é preto ou branco, os cinzas do questionamento, da busca incessante da
verdade, a crítica, a pergunta inteligente, a explicitação das incoerências são
vistos como obra demoníaca e passível de condenação.
Parece que se alegram com os que são condenados e não com os
que são salvos. Cada um que é “condenado” pelas suas ortodoxias é mais um ponto
de mérito para os iguais que repetem a mesmice ad eternum.
Aqui se tem outro dado deste comportamento: a novidade é
proibida. Os fundamentalistas não podem pensar, só repetir o que há tempos vem
sendo dito. Quais papagaios religiosos, sabem umas tantas coisas de memória que
as repetem à exaustão e, em um círculo de louvação mútua, se parabenizam pela
fidelidade em “re-dizer” as coisas. Assim se tem um comportamento bipolar:
louvam-se mutuamente e execram os dissidentes ou diferentes. Haja espírito de
corpo (ou de porco?) para que se retroalimentem infinitamente.
Um amigo que não é liberal, mas que pensa, ao fazer uma
análise do filme Perdido em Marte em paralelo com a parábola do Bom Samaritano,
foi execrado por xiitas cristãos que declararam guerra santa e prometeram
detonar tudo quanto viesse a escrever.
Há uma semana recebi artigo de um pastor indignado com a
falta de sensibilidade artística. Uma imagem (bastante decente e sóbria) da Eva
comendo uma maçã com uma serpente envolta em seus pés, tinha à sua frente a
Maria grávida e ela pisava com seus pés a cabeça da serpente. A celeuma criada
foi porque o texto bíblico não fala de maçã como o fruto proibido e porque a
promessa bíblica é que Jesus pisaria a serpente e não Maria. Isto era endeusar
a Maria! Haja literalismo e burrice artística!
Os que acreditam que o que conhecem sobre Deus é a palavra
final, tem, por consequência, a autoridade para julgar e condenar. Conseguem
ver nas vírgulas heresia, nas exclamações hedonismo, na valorização do ser
humano humanismo. Sem saber o que isto quer dizer, acusam de existencialista,
marxista, evolucionista, darwiniano, esquerdista, apóstata, adepto da teologia
relacional, etc. Eles assim o fazem porque creem com profunda convicção de
falam como se deuses fossem. É a autodivinização só reconhecida por eles e seus
pares de louvação mútua!
Marcos Inhauser
Nenhum comentário:
Postar um comentário