O fundamentalismo cristão tem dois fundamentos (daí o nome)
sobre as quais constrói seu universo cognitivo: a inerrância e a infalibilidade
das Escrituras. Para que isto se consolide, ele afirma outros dois fundamentos derivados:
inspiração verbal e plenária das Escrituras. Com isto, as Escrituras não trazem
nenhum erro e, portanto, tudo quanto diz é infalível. E é infalível porque cada
e toda palavra das Escrituras foi “soprada” por Deus a homens que escreveram o
que ouviram ou viram. Os mais radicais chegam a afirmar uma ação mecânica do
escritor que seria mero transcritor do que Deus ia lhe ditando.
Na esteira destes fundamentos há afirmações consequenciais.
Uma delas é que as Escrituras comportam uma única interpretação que é a que
interpreta fielmente a mensagem (também única) que o texto traz. Se duas
pessoas interpretam um mesmo texto de duas maneiras diferentes, uma delas,
certamente, estará errada. Como é quase impossível alguém reconhecer que a sua
interpretação é a errada, fica fácil perceber a anatematização do dissidente. O
herege sempre é o outro! Se a minha interpretação é a correta e, por
consequência, a que apreende a palavra de Deus infalível, a minha interpretação
também é infalível, confundindo-se com a própria Escritura. Agora as Escrituras
e minha interpretação são infalíveis.
Outra afirmação consequencial: a Bíblia tem resposta para
tudo. Ainda que ela não diga nem uma linha sobre férias de trinta dias, direito
ao décimo terceiro salário e à aposentadoria, licença maternidade, seguro
desemprego (isto para ficar no campo dos direitos trabalhistas), por
inferências, deduções enviesadas e conclusões questionáveis, estes
fundamentalistas insistem em encontrar na Bíblia resposta para tudo. Já ouvi
que a Transamazônica estava prevista na Bíblia, que não se deve comprar imóvel
na praia porque o mar vai virar sangue, que seria impossível ao homem pisar na
lua, que o Kissinger, Hitler, Busch, Reagan, Saddan Hussein, Mao Tse Tung,
Lenin e o Papa são a besta do apocalipse. Já ouvi mais de seiscentas e sessenta
e seis explicações sobre o significado do número, todas as vezes com a chancela
de interpretação infalível.
Como decorrência dos fundamentos, há a maniqueização da
humanidade: nós e eles. Nós somos os bons, os salvos, os santos. Eles são os
ímpios, condenados, devassos, promíscuos, corruptos, etc. E porque vão mesmo
para o inferno e têm a capacidade de infernizar as nossas vidas, podemos dar
uma ajuda a Deus mandando-os para inferno antes da hora. Declara-se a “guerra
justa” versão antiga e cristã da moderna “guerra santa” dos jihadistas. Foi o
que fizeram nas Cruzadas, na Inquisição, na Guerra dos Camponeses, entre tantas
outras. Este também é substrato que alimenta grupos armados fundamentalistas
que existem ao redor do mundo, e especialmente nos Estados Unidos, quase todos
de tendência apocalíptica. Exemplo disto são David Koresh e seu compound e Jim Jones com o suicídio
coletivo nas Guianas. Mais recentemente tem havido um incremento de novos
grupos armados de inspiração cristã para combater os muçulmanos fanáticos,
notadamente o Boko Haran e o Estado Islâmico.
Por assim crer e agir, o fundamentalista tem uma
característica comum: são arrogantes! Não conseguem manter um diálogo, antes
insistem em falar compulsivamente, como para impedir que uma visão diferente
possa prevalecer. Diante de uma pergunta para a qual não têm resposta, ao invés
de dizer “não sei” preferem estigmatizar o perguntador como herege. A
ignorância deles é heresia em quem pergunta.
Quase sempre terminam uma tentativa de diálogo afirmando: ou
você aceita o que lhe digo ou você vai arder no fogo do inferno.
Para lá já fui mandado muitas vezes.
Marcos Inhauser
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