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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

E SE FOR MENTIRA?


E tem todos os ingredientes para ser.

Não há uma só prova material de que ele tenha existido. Desde o ponto de vista da história e dos comprovantes não há nada, absolutamente nada!

Não se sabe ao certo a data do seu nascimento, o local exato em que isto se deu, onde viveu na infância, se tinha irmãos ou primos, a linhagem da mãe e do pai, não há um só documento que fale dele e que tenha sido escrito nos tempos em que supostamente viveu, ele mesmo nunca escreveu nada e quando o fez foi na areia da praia, não se tem uma relíquia dele, não se sabe exatamente onde foi crucificado e onde o sepultaram. O que dizem ser provas são facilmente refutadas pelos meios científicos.

Tem tudo para ser uma estória.

Mas se é uma estória como explicar algumas coisas? Como uma estória tão fantástica e ingênua pôde durar tanto tempo? Como a estória de um filho gerado só da mulher, nascido em condições insalubres, em local incerto, pôde ser contada durante tanto tempo? Como uma estória de uma criança de pais desconhecidos, sem vínculos com os partidos políticos e religiosos da época, com atuação na periferia de Israel, pôde ser a estória mais contada e repetida na história da humanidade?

Como uma estória destas, a partir da insignificância dos pais e do nascimento, marcado pela ausência de maiores informações sobre sua infância e adolescência, tendo surgido publicamente só aos trinta anos de idade (e até nisto há controvérsias), com um fim tão trágico como foi a crucificação, pôde ser a mais significativa estória da humanidade, ao ponto de ser divisor da história entre o antes e o depois?

Como uma estória tão simples pôde inspirar tantos compositores que escreveram mais belas músicas da humanidade, haja visto o Aleluia de Haendel e tantos outros clássicos de natal? Qual outra história foi mais encenada em palcos ao redor de todo o mundo que a do natal? Qual outra estória mudou a vida de tanta gente como a do natal? Qual outra estória produziu mais “conversões” que a do nascimento, vida e morte dele? Qual outra estória tem mobilizado tanta gente para a solidariedade, a fraternidade e ao perdão que esta estória?

Que me perdoem os que discordam de mim e de milhões que assim acreditam: para mim não é estória e sim história!

Não preciso de provas materiais e históricas para crer na realidade do natal (sem nem mesmo saber exatamente a data e local). Não preciso ver um suposto pedaço do manto, da cruz ou lágrimas colhidas por uma tal Verônica. Não preciso de um manuscrito escrito por ele ou sobre ele, redigido nos dias em que ele viveu para acreditar que ele é real. Para mim não se trata de estória, mas de fato da fé que historiciza a sua presença em mim e através de mim.

Não preciso provar a historicidade dele. Preciso viver a realidade da vida dele em mim e nos que, como eu, acreditam nele. Não tenho a obrigação de “convencer” ninguém que ele real, porque ele se encarrega disto pelo exercício da sua graça. Isto é tão forte que Agostinho disse que a graça é irresistível! Quando ele quis mostrar sua realidade a Paulo, este até do cavalo caiu!

Só afirma que o natal é estória quem nunca “caiu do cavalo” pela graça de Deus. A queda faz com que a estória vire história!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A ARTE DO CINISMO


Tirei alguns dias (talvez semanas) para ler dois livros do Michel Foucault que são as últimas aulas que ele deu. Trata-se de “O governo de si e dos outros” e “A coragem da verdade” onde ela faz análise do conceito de verdade e do falar a verdade (parresia) no exercício da política na antiga Grécia, especialmente Atenas.

São leituras difíceis, seja pela complexidade do tema, pela exegese que faz dos textos citando em abundância o original grego ou pela quantidade de coisas que ele vê e extrai de onde eu, no meu quase analfabetismo, não vejo nada. Ao ler o que ele vê onde não vejo me dá um sentimento de imbecilidade.

Mas, acho que, nesta minha experiência, foi a tristeza e a dor o que mais me afetaram ao confrontar o exercício da verdade na vida pública com o exercício do cinismo e da mentira que presenciamos nas lides congressuais do Brasil.

Causou-me espécie recordar e reforçar algo que já tinha vago conhecimento de como Sócrates e os socráticos pregavam o despojamento como forma de se conhecer a verdade. Também ao ser relembrado da postura dos cínicos (os antigos e primitivos) em seu total desprendimento de qualquer título, reconhecimento social ou bens.

A certa altura ele afirma que a verdade tem quatro dimensões: a verdade minha que tenho coragem de falar para mim mesmo, porque há gente que não tem coragem, de confessar a si mesmo certas coisas que faz ou pensa. A segunda dimensão é a verdade minha que tenho coragem de contar a alguém, amigo, confidente ou terapeuta. Mais antigamente este papel de “escutador das nossas verdades” era do sacerdote e da amante. A terceira dimensão é a verdade que tenho coragem de dizer em público. A quarta é a verdade que ouço vindo dos outros e que dizem respeito a mim.

Ao ver a cara-de-pau do Cunha, Renan, Lula, Jader, Edinho, Mercadante, Dilma, e tantos outros, enredados até o pescoço com as investigações, lembro-me destas quatro facetas da verdade. Fico a pensar se eles têm a coragem de se olhar no espelho e dizer a sí mesmos o que fizeram. Duvido que contaram a seus amigos, confidentes ou advogados todas as peripécias cometidas. Duas coisas eu tenho certeza: não estão dizendo a verdade em público e nem estão aceitando a verdade que as ruas estão a gritar. Ouvir o Cunha dizer que não tem interferido em nada no processo de protelação em que se envolveu a Comissão de Ética da Câmara é vergonhoso. Vergonhoso é vê-lo apoiado por parlamentares que se intitulam como evangélicos, que o apoiam, como é o caso do campineiro, pastor da Assembleia de Deus, Paulo Freire, do Marco Feliciano e outros.

Se política na antiga Atenas tinha a parresia como alvo e prática, na brasileira é a mentira, a enganação, a fraude, a jactância (vide a gravação do Delcídio), a carteirada, a bravata. Prova cabal disto é a judicialização do processo parlamentar, uma vez que ninguém mais acredita em ninguém e se pede a arbitragem externa para que o diálogo próprio do parlamento seja realizado. Quando isto se dá, não é a negociação, mas a imposição da interpretação judicial, onde um grupo perde e outro ganha. Quando isto acontece o povo, que deveria ser o beneficiário maior do processo, acaba pagando alto custo, como são as demissões, a falta de investimento, a inflação, os pesados impostos e a possibilidade de ressurreição de um morto que devia ter sido cremado para nunca mais voltar: a CPMF.

O cinismo tem um preço é o povo é quem tem pagado.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

PÁTRIA EDUCADORA


Já mencionei aqui, mais de uma vez, a minha admiração por dois irmãos nicaraguenses, poetas e cantores, os Mejía Godoy. Dia destes estava ouvindo pela enésima vez suas músicas. Deparei-me, outra vez, com a de Terencio Acahualinca, onde ele conta a estória desta pessoa que, sendo perguntado por um burocrata sobre sua formação educacional, se saiu com este verso, aqui livremente traduzido:

Não sou leigo, nem estudado em alguma ciência,

Mas já estou pós graduado pela experiência.

Um curso de alta miséria me fez doutor.

Sou graduado em pobreza,

Mestre em desnutrição.

Que me perdoem todos os amigos

Que estão na rançosa burocracia

Com seus diplomas conseguidos em Bretanha ou gringolândia,

Ninguém pode ostentar este recorde

E esta é a pura verdade

Porque assim canta Terencio com tremenda realidade:

Não sou leigo, nem estudado em alguma ciência,

Mas já estou pós graduado pela experiência.

Um curso de alta miséria me fez doutor.

Sou graduado em pobreza,

Mestre em desnutrição.


Fosse Terencio Acahualinca brasileiro, pouca ou nenhuma mudança precisaria fazer na letra para adequá-la à sua realidade. Muito ao contrário talvez pudesse acrescentar algo como

Fiz um elementar básico,

Secundário meia boca

Sonhei com a riqueza,

Adotei a esperteza,

 tomei o caminho mais curto:

Virei político!

Graduei-me em ética pelo noticiário

Mestrado em mentira vendo declarações de senadores e deputados,

Doutorado em cinismo acompanhando CPIs.

Aluno de Calheiros, Cunha, Sarney, Delcídio e do PT

Fiz especializações no PMDB, PSDB e antigo Pefelê.

Nas artimanhas do submundo sou touro,

mas ando morrendo de medo do Moro.

Acertei a mão e ganhei uma bolada,

Mas, pelo visto, lá se vai ela com a delação premiada.

Queria entrar para história como notícia,

mas acabei nas páginas da polícia.

A cela me deu rugas

E no medo do que pudesse contar, me ofereceram fugas.

Bendito gravador:

lá se foi um senador!

Por causa do cartel:

Está se implodindo o bordel!



Marcos Inhauser


quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A VERDADE ANTI-ESCRAVIDÃO

Já gastei algumas linhas trabalhando a expressão jesuânica do quarto evangelho de que “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Na última vez, disse que a expressão precisa ser analisada e entendida no seu contexto (o próprio evangelho), onde o tema da vida plena é central. Assim a libertação de que se fala é a libertação para a vida plena.
Quero trabalhar outro aspecto, agora pela via negativa: a mentira escraviza, manipula, trata o outro como incapaz de conhecer e suportar a verdade. Seja qual for o motivo para a sua existência, há da parte do mentiroso motivações manipuladora e escamoteadora. Por causa disto, tanto o mentiroso como o que é vítima dela são escravizados. O primeiro pela própria mentira que deve manter a qualquer custo, o último porque não tem acesso à verdade que liberta, mas se vê enredado nas tramas da manipulação de quem mente.
Tenho pensado nisto diante da avalanche de mentiras contadas e descobertas com a operação Lava Jato.
Ainda que a mentira possa ter dado um certo alívio a quem a contou no início e até certo prazer, o custo de mantê-la e, por fim, vê-la desmascarada, é cruel. Lembro-me de uma frase do Barusco na CPI (um dos poucos que falou neste festival de “reservo-me no direito de permanecer calado”) quando disse mais ou menos isto: num determinado perdi a tranquilidade e o sono por não saber como explicar a montanha de dinheiro que tinha”. A confissão foi alívio porque libertadora.
O imbróglio de mentiras do Cunha e as suas “explicações”, são novas mentiras para sustentar as anteriores. É um escravo das mentiras contadas. A mesma coisa se pode dizer do Delcídio e sua súbita demonstração de espírito solidário com o Cerveró. A versão contada no seu depoimento é tão esfarrapada que acabou se enredando ainda mais no cipoal da escravidão da mentira.
Com isto, quero esclarecer o seguinte paradigma: a mentira escraviza, a verdade liberta. Acrescento: toda verdade é libertadora, ainda que ela tenha seu custo e dor inicial.
Nestes dias, em uma viagem de ônibus, sentou-se ao meu lado uma jovem mãe com sua filha de ano e meio. Depois de mais de uma hora de conversa, ela me contou que, quando tinha 11 anos de idade, surpreendeu sua mãe com um homem na cama. Aquilo para ela foi terrível. Porque sabia que seu pai também não era santo, nunca falou para a mãe o que tinha visto, mas isto a matava por dentro. Há dois anos teve uma conversa com a mãe e contou o ocorrido. No dizer dela: “senti que um peso saiu de mim. Nasceu um riso nos meus lábios, voltei a viver. Eu vivia uma farsa com minha mãe simulando que tudo estava bem e não era verdade. Quando contei a ela o que eu sabia, a relação nossa melhorou e muito”. Uma verdade que a libertou!
Na sucessão de verdades que estão vindo à tona, há um processo de libertação. Creio que estamos sendo libertos de corruptos contumazes, de políticos desonestos, de governantes inescrupulosos, de gurus enfatuados, de marqueteiros manipuladores, de ex-presidentes que mentiram e continuam mentindo.
A verdade nos está libertando!!!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

MORTE À DIVERSÃO

Há uma coisa em comum nos recentes ataques terroristas: todos eles atentaram contra pessoas que estavam se divertindo. Explico-me.
O avião russo que foi derrubado por uma bomba colocada no seu interior, transportava pessoas russas que haviam passado alguns dias no balneário de Sharm el-Sheik, que é um dos mais bonitos do Oriente Médio e para onde milhares de pessoas vão para descansar e se divertir.
Nos ataques recentes na cidade de Paris, três homens-bomba tentaram entrar com explosivos no estádio. A finalidade era um massacre daqueles que haviam tirado algumas horas de suas vidas para se divertir vendo uma partida de futebol. A outra investida foi contra os que estavam vendo a apresentação de rock em uma casa de espetáculos e ali tinham ido para se divertir.
O mesmo se pode dizer dos que estavam nos vários restaurantes que foram alvo dos terroristas. Há que se acrescentar que alguns deles estavam em área conhecida como boêmia, uma forma peculiar de vida voltada para o prazer.
Há nisto uma consonância com todos os fundamentalismos religiosos de todas as eras. Se há algo que é comum a todos eles é a radical condenação de todos e quaisquer tipos de diversão. Há quem condene assistir a um jogo de futebol e quem condene jogar futebol. Há os que condenam a prática de qualquer esporte. Pregadores há que dizem (e talvez ainda digam) que a televisão é o satanás dentro de casa com os chifres no telhado. Há os que condenam os que assistem a um filme no cinema, a uma peça de teatro ou coisa assemelhada, afirmando tratar-se de promiscuidade. Quando vão à praia, só podem entrar na água de roupa e nunca de maiô ou biquíni, porque são roupas do demônio.
Uma das alegadas razões dos terroristas para atacar a casa de espetáculos Bataclan é que ele era um antro de idolatria e promiscuidade. E qual a justificativa para atacar uma pizzaria ou um restaurante étnico, como foi o Petit Cambodge? Seria o prazer de uma boa comida pecado? Seria o capricho do chef no preparo dos pratos um atentado à verdadeira religião? Um pizzaiolo é funcionário de satanás?
Obcecados pela sua mente anti-hedonista, cobrem as mulheres dos pés à cabeça e até os olhos, porque ver uma mulher bonita, com um belo corpo é prazeroso e isto é obra de satanás. A verdadeira religião é a negação completa e radical de qualquer coisa que traga prazer. Li isto certa vez em um pretenso livro de ética cristã: “se você quer saber se algo é santificado ou pecaminoso, tenha a seguinte máxima: tudo o que dá prazer é pecado!” Tomar um copo de água em dia de calor dá prazer. Escovar os dentes dá prazer. Tomar um banho quando o corpo está suado, dá prazer. Ouvir o canto de um pássaro, dá prazer. São, porventura, pecados?
Fundamentalismos, seja de que origem provenham, são um risco à vida, alegria e felicidade. Roubam o prazer de viver de quem os obedece e criam mecanismos para roubar a alegria da vida dos que não se alinham com suas barbaridades teológicas. Se há fundamentalistas que matam os “infiéis”, há também os que assassinam reputações de pessoas que eles consideram ser liberais e apóstatas.
Que Deus nos livre dos fundamentalistas do lado de lá e dos que estão em nosso meio.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A VIDA E A VERDADE

Já escrevi duas colunas sobre a questão da verdade que está no quarto evangelho que é centrado na vida. Outros dois temas estão presentes: amor e verdade. O radical da palavra vida ocorre cinquenta e uma vezes no evangelho, o que nos mostra a qualidade da ocorrência da palavra.
Para os escritos joaninos a vida é a concepção central para a religião e a teologia, não somente pela intensidade da ideia, mas pelo uso de outros símbolos relacionados a ela: luz da vida, água da vida, pão da vida, vinho verdadeiro, o bom pastor, a porta, etc. A vida foi concebida pelo cristianismo como dom de Deus através de Jesus e passou a expressar-se por salvação, libertação, redenção, justificação e perdão. 
É mais que uma apresentação religiosa da ideia da vida concebida religiosamente, mas a tese de que Jesus era a vida, que era a luz dos homens, que se dá na doação dela como propósito da encarnação e conclui com a identificação da transmissão da vida como propósito do evangelho. Diferentes palavras são empregadas por João para se referir à vida.
A dimensão física da vida é expressa pela palavra psychê que denota o ser humano completo, que ocorre como objeto de entrega. De acordo com a teologia joanina, aquele que não tem a disposição de dar a própria vida não está apto para receber a vida definitiva. Somente através da entrega alguém pode alcançar a vida real. Essa entrega é um processo onde o amor é a base. Há em João um paradoxo entre vida e morte: a vida real é entrega e a morte é um meio de receber uma dimensão mais ampla da vida. Isto é particularmente verdadeiro na imagem do grão de trigo que deve morrer para produzir o fruto.
Outra palavra empregada nos escritos joaninos é zoê e as suas variações. Com ela se introduz a ideia da vida eterna, que é central na sua teologia. Ela nunca denota a vida física, mas a qualidade da vida definitiva, a vida eterna, onde a morte não está presente. Várias vezes elas são seguidas por aiônios ("vida definitiva", a "vida eterna"). Para João a vida eterna é consequência da fé em Cristo, dom de Deus. A vida eterna é o conhecimento do Deus verdadeiro e de Jesus a quem Ele enviou. A condição para receber a vida eterna é a adesão a Jesus na condição de Filho de Deus porque é o modelo daquele que deu sua vida para salvar. Receber a vida é reconhecer o amor de Deus expresso na morte de Jesus.
A vida eterna é o poder de ser ressurreto no último dia, a segurança de nunca perecer. A vida eterna é a vitória sobre a morte. Jesus pode dar vida porque Ele é vida e venceu a morte através da ressurreição e disse: "Eu vim para dar vida e dar vida em abundância". Mas, o que a vida abundante significa? No contexto Jesus estava falando acerca do bom pastor, aquele que dá sua vida pelas suas ovelhas. Em contraste a isto, os bandidos vêm para roubar, matar e destruir. A vida está colocada em oposição ao roubo, morte e destruição, sinais de violência e morte.
Logo, a verdade que liberta tem a ver com a vida plena e eterna.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

NÃO SOU FORMIGA

A formiga tem uma vida previsível, obediente e metódica. Nasce sob a égide de uma rainha que comanda o formigueiro, tem suas atribuições determinadas pela hierarquia da colônia, pois, no ninho, as tarefas são divididas entre as castas, sendo que a divisão maior é entre as fêmeas reprodutoras (rainhas) e as operárias. Estas fazem o trabalho pesado: constroem o ninho, coletam comida e água, limpam, alimentam machos, larvas e protegem o formigueiro. Em certas espécies, as formigas soldados diferem-se das operárias comuns por terem partes do corpo maiores, principalmente cabeça e mandíbulas. Há ainda as cortadeiras (coletoras de folhas).
A previsibilidade da vida na colônia se dá até nos trilhos a serem seguidos pelas formigas ao saírem da colônia e buscarem o alimento e voltarem ao ninho. As formigas não têm ideia, nem pensam, nem refletem, nem planejam, nem sonham o futuro. Não precisam decidir, nem optar por isto ou aquilo, não precisam votar e nem responder a questões difíceis. Tem abundância sem preocupações. Nascem, crescem e morrem. Não precisam estudar filosofia ou teologia!
Eu, como ser humano que sou, tenho minha vida regida pelas minhas ideias, decisões e opções, cada qual com seu custo e benefício. Penso, examino, reflito, discuto, decido, me arrependo, sonho, planejo, construo, arrebento, reconstruo. Minha vida é diferente daquela monotonia da vida no formigueiro.
Formiga não se assusta. Eu sim. Formiga não se maravilha. Eu fico maravilhado. Para as formigas pouco importa se é o PT ou a Dilma que está no governo. Elas não sentem a crise e nem tem problemas financeiros. Eu sim os tenho. Eu voto, elas não.
Graças a Deus não sou formiga, porque se o fosse ou se tivesse que levar uma vida sem sobressaltos e novidades entraria em fastídio imediatamente. Gosto dos desafios, das questões difíceis, da novidade, do sobressalto. Nunca seria contabilista ou funcionário de cartório.
Nesta caminhada de aventuras, as questões do que é verdade, do que é certo, do que é justo, sempre alimentam e fomentam ideias e conclusões. Nisto, me lembro do Locke que li há alguns anos: “Apesar de nossas palavras significarem nada mais que ideias, porém, tendo sido projetadas para significar coisas, a verdade que elas contém será apenas verbal quando representarem ideias na mente que não estão em conformidade com a realidade das coisas”. Minhas ideias serão simples ideias se não estiverem em harmonia com a realidade das coisas.
Por não ser formiga, a cada dia devo rever minhas ideias, meus planos, meus sonhos para que entrem em sintonia com a realidade das coisas. Mudar é sinal de maturidade. Formigas nascem e morrem sempre do mesmo jeito. Eu não sou formiga. Eu tenho que mudar, redefinir-me, repensar-me, reposicionar-me neste mundo. A mudança é o sinal de que houve reflexão, avaliação, análise, redefinição de convicções.
O sucesso de uma ideia não se mede pelo tempo que a mesma é válida, mas pelo nível de harmonia que tem entre o pensado e a realidade das coisas. Se a própria realidade é mutável, uma ideia imutável é sinal evidente de falta de sintonia.
Por isto detesto os conservadores. Eles estão mais para formigas que para seres humanos.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O ROTO FALANDO DO RASGADO

O noticiário político/policial brasileiro tem revelado pérolas, babaquices e uma forte dose de cinismo. O “homem de Deus” ungido que foi para ser autoridade sobre a nação na qualidade de presidente da Câmara, também foi saudado como homem de fé e mão de Deus para operar transformações neste momento delicado. O deputado Marco Feliciano se referiu ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha com uma pergunta a Deus: até quando vais proteger Saul, proteger o que rejeitastes? (fazendo uma alusão a presidenta Dilma). Marco Feliciano se referiu ainda ao deputado Cunha como amigo, “eu fiz campanha para você e te defendo onde eu vou, porque você é um grande homem de Deus”.
Este mesmo senhor que se antecipou indo à CPI onde negou que tivesse contas não declaradas no exterior, pego na mentira, acusa, vê conspiração, faz manobras, manipula e acoberta provas. O leitor de Bíblia e participante das orações no bloco dos deputados evangélicos, saudado pela igreja, a envergonha com suas mentiras e desfaçatez e a usa para lavar seu dinheiro emporcalhado.
O jornal o Globo publicou em seu editorial que o legislativo precisa atuar porque a situação de Cunha o inviabiliza para continuar à frente da Câmara.
A mesma verdade deve ser aplicada ao Renan Calheiros, porque, mesmo não tendo sido flagrado em uma mentira, tem contra si várias acusações de se beneficiar do dinheiro da Petrobrás e de ter contas pessoais pagas por um lobista, referentes ao seu envolvimento extraconjugal. A máxima também se aplica à presidente, quem, por obra e graça da sua competência econômica, fabricou as pedaladas fiscais e as replicou durante 2015.
Neste contexto se entende que as averiguações feitas pelo MP e PF nos limites mais próximos ao Lula (especificamente ao seu filho, prodígio na área de marketing esportivo), não deve ser visto e diagnosticado pelos indigitados como trama para acabar com o PT e com a herança (sic) que o chefe do clã deixou.
Há consenso nacional de que os denunciados devem ser investigados e, comprovadas as falcatruas, devem pagar pelos seus erros. Todos concordamos quando se trata de figurões.
Quando a coisa desce a escada, os mesmos que usam o editorial do Globo para disseminar a ideia de cassação do Cunha, não explicam, fingem não entender, se fazem de mudos, dão explicações cantiflinianas aos pedidos de explicações de dinheiro que lhes foi confiado. Foram ávidos ao receber e lentos (diria lesmáticos) para se explicar. Há quem, como certos deputados e ministros que, em sendo inquiridos e tendo que prestar contas dos seus atos, acham que a verborragia e a acusação dos requerentes os salvarão.
A ética reivindicada do andar superior, precisa ser vivida no âmbito pessoal. As mentiras do Cunha são tão mentiras quanto as que se conta à esposa, filhos, ovelhas ou bispos, as que coloca em relatórios ministeriais ou em contabilidades fraudadas. O certo, o verdadeiro não pode ser sinônimo de útil.

Quem pede a saída do Cunha, Renan e Dilma, deve também sair se está mentindo ou enrolando para se manter em postos ou posições que lhe tragam vantagens e benefícios. É uma questão de coerência! Caso contrário será o roto acusando o rasgado, o mentiroso exigindo a verdade.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

CONHECEREIS A VERDADE

Minha coluna sobre a “Controvérsia sobre a verdade”, escrita há três semanas, me rendeu vários e-mails de crítica e pedidos de melhor posicionamento sobre o assunto. Minha impressão é que houve eleitores que confundiram a provocação à reflexão com uma posição teológica pessoal. Terminava minha coluna com este parágrafo: “Quem afirma que Jesus é a verdade e que ele, sendo a verdade, liberta, tem em si, no bojo desta afirmação, questionamentos sérios. Se a verdade é ele, conhecer a ele é ser liberto. Mas qual dos Jesus devemos conhecer? O descrito nos evangelhos sinóticos ou na teologia joanina? Ou o Jesus das pregações paulinas? Ou o Jesus da tradição eclesiástica? O Jesus da leitura teológica, instrumentalizada com aparato crítico e exegese nas línguas originais, ou o Jesus da leitura simplista? Qual deles é a verdade?”
Afirmar que Jesus é a verdade traz questionamentos. Ei-los: se Jesus é a verdade, ele é a verdade sobre qual assunto, evento, afirmação ou relação? Dizer que ele é a verdade no sentido de que é a verdade sobre tudo é negar a essência do ser verdade. Não existe uma verdade única que sirva para todos os assuntos. Toda verdade é relativa a um tema em particular e se Jesus é a verdade, devemos definir sobre qual assunto ele é a verdade. Há uma área específica sobre a qual ele é a verdade e isto não está definido pelos que afirmam dogmaticamente ser ele a verdade. Quando ele fala que é “o caminho, a verdade e a vida” estava afirmando a especificidade deste ser verdade: “ninguém vem ao Pai senão por mim”. No entanto, ao afirmar “conhecereis a verdade e ela vos libertará”, sobre qual tema estava se referindo?
Perceba-se que ele afirma “verdade” e não “verdades”. A singularidade é fundamental. Sobre qualquer assunto há uma verdade. Em tese, não pode haver mais de uma verdade sobre um mesmo assunto. Ocorre que, um mesmo assunto comporta mais de uma verdade, cada qual se referindo a um aspecto específico do assunto, a uma fatia do salame. Exemplifico: a afirmação de que “o Brasil vive uma crise” é uma verdade. “A crise brasileira é política”: também é verdade, mas não é toda a verdade, porque ela também é fiscal, moral, ética, social, etc. Assim, há uma verdade para cada área que se considere.
Se conhecer a verdade liberta, conhecer a Jesus liberta do quê? Muitos afirmarão que ele liberta do pecado, mas concordarão que quem o conhece, continua pecando. Outros dirão que ele liberta da escravidão do pecado, mas a vida diária mostra que ainda somos escravos do pecado, porque há áreas da vida nas quais pecamos e que, por mais esforço que se faça, não conseguimos deixar de pecar. Outros afirmam que ele é a verdade sobre Deus, uma coisa impossível visto ser Deus incognoscível na sua plenitude, sendo, portanto, impossível conhece-lo por uma única afirmação verdadeira. Nós o conhecemos parcialmente por uma somatória de verdades.

Para se ter melhor compreensão deste conceito de verdade que o evangelho de João traz, temos que nos aprofundar na teologia joanina e esquecer textos fora deste universo de pensamento. Buscar respaldo em teologias outras, mesmo que bíblicas (paulina, petrina, jesuânica, apolina, sinótica, etc.) é buscar nas afirmações da Dilma toda a verdade sobre Eduardo Cunha.
Marcos Inhauser 

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

COBRANÇA E TERRORISMO

Toda vez que se repassa a alguém algum valor para que ele faça algo, ou se delega poder para fazer algo ou se investe alguém de alguma autoridade com um determinado cargo, esta pessoa deve prestar contas do que faz com o valor repassado, com o poder conferido ou com a posição atribuída, mesmo que tenha sido feita por eleição.
Eu não tenho o direito de pedir relatórios financeiros ao meu vizinho se não lhe passei qualquer recurso. Agora, caso eu tenha feito a ele uma doação, em função da sua necessidade financeira, para que reformasse o telhado da casa e, passado um mês do repasse, não vejo nenhum trabalho no telhado, tenho todo o direito de pedir a ele explicações sobre o fato e até de exigir que devolva o que lhe foi passado.
Este raciocínio se aplica à esfera federal, estadual, municipal, institucional e individual. Ao pagar impostos eu o faço na esperança da contrapartida dos serviços próprios do estado. Se estes serviços não são prestados ou se se tem evidências de uso indevido dos valores repassados, o cidadão tem o direito e o dever de exigir explicações e relatórios sobre tais repasses. Aí está a Lei da Transparência a exigir dos governantes relatórios claros e disponibilizados na internet.
É verdade que no âmbito federal, estadual e municipal há alguns requisitos para que isto se dê. Exemplo disto é o Tribunal de Contas da União, do Estado ou do Município, que devem fazer a análise se tais recursos estão ou foram devidamente aplicados. Posso provocar para que se manifestem e expliquem, mas devo obedecer certos ritos.
No caso de eu repassar uma verba para uma instituição de interesse público, tenho o direito e o dever de acompanhar a aplicação de tais recursos e cobrar a responsabilidade na pessoa de quem, estatutariamente, é a responsável.
Assim está acontecendo com o caso das “pedaladas fiscais”, do dinheiro em contas secretas do Cunha, da lisura nas campanhas políticas, é o que aconteceu com a ONG Refúgio de Amparo e Promoção Urbana, de Uberlândia e com o capelão Osvaldo Palópito, que é acusado de desviar dinheiro da igreja e de uma ONG. Isto se deu também com o Instituto Atlân­­­tico. Os sócios tiveram os bens indisponibilizados por decisão da Justiça, em ação em que a prefeitura de Londrina pede a devolução de R$ 6 milhões.
Nestes casos e em outros assemelhados, pedir relatório, chamar à responsabilidade quem tem este dever, não é terror psicológico, nem ato de terrorismo, mas ação condizente com os direitos e deveres da cidadania.
O que chama a atenção nos casos citados é que, no Plano Federal se acusa o TCU de fazer julgamento político e se denigre o presidente do Tribunal; o Cunha denigre o Procurador Geral da República; o capelão denigre o contador, o vizinho diz o pedreiro pediu dinheiro adiantado e sumiu e o que sobrou não dá para fazer nada. É a conhecida tática de acusar quem pede explicações, como se isto que produzisse algum efeito. Ainda que o ministro Nardes possa ter algum rabo preso em outras operações, isto não valida o erro de quem é chamado à responsabilidade por ele. Ele, por sua vez, deve explicações naquilo que é instado a esclarecer e se não o fizer, arcará com as consequências.
Por isto, não me venham dizer que pedir investigação na CBF, BNDES, Petrobrás, Câmara, Senado, Congresso, TSE, STJ, STF e chamar para depor quem deve explicações é ato terrorista, golpe ou terceiro turno. É, sim, exercício da cidadania plena.