Não me lembro onde foi que li. Sei que era uma publicação em inglês e, provavelmente, de um grupo anabatista dos Estados Unidos. Historicamente os anabatistas têm tido posições e proposto movimentos semelhantes, trabalhando causas relacionadas à justiça e à paz.
A partir dos problemas de violências contra negros nos
Estados Unidos, coisa que já ocorre há muito tempo em função do racismo
estrutural, alavancado pelas violências contra o George Floyd e Jacob Blaker, a
proposta era de que se privilegiasse a compra em negócios cujos donos fossem
negros. Achei interessante e pensei: vou fazer isto.
Comecei a percorrer mentalmente os negócios onde tenho
comprado as coisas: alimentos, remédios, pães, bolos, material de construção,
papelaria, restaurantes, lanchonetes, serviços de conserto de eletrônicos,
oficina mecânica, feira, etc.
Fiquei assustado! Não encontrei um só negócio que tenha um
proprietário negro. Rodei as lembranças e não me lembrei de ter visto algo assim
há muito tempo. Rodei a memória mais ampla: locais onde houvesse negros
trabalhando. Nada! Ampliei o espectro para as cidades onde já morei e os
negócios que costumava frequentar e usar. Nada!
Ao final de muitas lembranças e recorridos mentais, lembrei-me
de duas farmácias que têm atendentes e caixa que são negras. Em uma delas, elas
trabalham no período da madrugada! Não consegui me lembrar de um restaurante
onde houvesse um garçom negro, uma lanchonete onde houvesse um atendente negro,
uma padaria onde o padeiro fosse negro.
A coisa me intrigou e comecei a pensar se sou eu que não sei
escolher os negócios que uso, ou é um problema estrutural. Perguntei a algumas
pessoas conhecidas e a constatação foi a mesma: os negócios são brancos.
Já tive pedreiros e serventes negros trabalhando em minha
casa. Já tive pintor, encanador, eletricista, e alguns deles eram negros. Serviços
braçais. Rodei a memória e só me lembro de um professor negro que tive, nos
Estados Unidos.
Há algo de errado. Quando morei nos Estados Unidos, tinha
por costume ir com a família para as igrejas negras, por causa da música e dos
corais. Sempre achei que os Estados Unidos é a nação mais racista do mundo e
que o dia mais racista é o domingo de manhã quando as igrejas se reúnem:
brancos e negros em igrejas separadas. Fui, certa vez, a convite de um colega
de curso, pastor de uma igreja negra, assistir a Cantata da Páscoa. Depois da
Cantata ele me convidou para ir ao púlpito com ele e dar uma saudação à igreja.
Ele fez questão de dizer que, nos 35 anos daquela igreja, era a primeira vez
que um branco subia ao púlpito e falava à igreja!
É verdade que não temos isto no Brasil, mas também é verdade
que, nas igrejas protestantes e as chamadas históricas, os negros são raridade.
Certa feita fui assistir uma Cantata de Natal em um templo que tinha umas duas
mil pessoas. Nenhum negro ou negra no coral e não consegui achar um só no meio
dos assistentes. Podia ter, mas não vi. É raridade.
Já escrevi aqui uma coluna “O Shopping é Branco”. Tenho que
dizer: os negócios são brancos. As igrejas de classe média são brancas. O
acesso ao pastorado nas igrejas protestantes e históricas tem degraus altos
para que os negros possam subir. Os negros na Câmara Municipal, Assembleia
Legislativa, Câmara e Senado, são poucos (há raríssimas exceções). Os ministros
são brancos.
Falta cor nos espaços públicos do Brasil!
Marcos Inhauser