Fico estarrecido com a facilidade de certos “intindidos de Deus” em fazer ousadas asseverações acerca dEle, como se o conhecessem tão bem quanto a si mesmos. São comuns as frases como: “a vontade de Deus é ...”; ‘o que Deus quer te ensinar é ...”; “Deus vai pesar sua mão sobre você”; “isto é castigo de Deus”; “o que Deus quer é ...”; “Deus vai fazer isto ou aquilo”; “Deus quer te dar uma lição”; “é a mão de Deus que está pesando sobre você”; “Deus vai operar maravilhas hoje”; “o centro da vontade de Deus é ...”; “a família é o projeto do coração de Deus”; “este Deus mandou para o inferno”; etc.
Nos últimos tempos tenho visto ousadia ainda maior. Gente que afirma que “o que Jesus tinha em mente quando falou isto é ...”” Desafio a estes “intindidos” a dizer o que estou pensando enquanto escrevo estas linhas. Se não conseguem precisar isto, como podem se arvorar em detentores do conhecimento da mente de Jesus?
Não só o conteúdo destas frases mostra a arrogância de quem as fala pela pretensão de conhecerem a mente de Deus, mas, e muito mais grave, é a petulância arrogante com que as pronunciam. Usam deste pretenso conhecimento para manipular e se colocar como seres mais próximos de Deus que os simples mortais.
Se, por definição, Deus é o Ser Absoluto, Infinito, Incompreensível, o conhecimento sobre Ele só pode ser tentativo, especulativo e deve ser feito em humildade de quem só sabe que dois mais dois são quatro diante da complexidade de toda a matemática.
Aliado a esta pretensão do conhecimento do que não é possível conhecer na sua integridade, alia-se a preguiça mental dos ouvintes. É mais fácil dar crédito a um imbecil do que avaliar e criticar a mensagem de um pretenso iluminado. Isto me faz lembrar da frase de um amigo de longa data que dizia que “todo palhaço tem sua plateia”. Mas o que mais me assusta é que são estas mentes brilhantes que conseguem entender a totalidade do ser de Deus os que mais plateia tem, sinal inequívoco do que as Escrituras afirmam sobre os últimos tempos: cercar-se-ão de mestres segundo suas cobiças. Mudo a frase: cercar-se-ão de mestres segundo suas preguiças mentais.
Há alguns anos escrevi aqui quatro colunas. Teologia com ponto final, com exclamação, com interrogação e com reticências. Nelas eu já colocava estas minhas preocupações e dizia que a teologia com ponto final é problemática. Diante de Deus posso ficar maravilhado (!), intrigado (?) ou reticente (...), mas nunca posso ser taxativo (.). A palavra chave no pensar teologia é talvez, pode ser, há possibilidade ...
Se o teologizar é o caminho da possibilidade com a necessidade constante de revisão das crenças, a certeza absoluta perde terreno. Instala-se o reino da possibilidade e isto foge ao conceito da religião como coleção das certezas endeusadas como absolutas, tão ao gosto das massas preguiçosas em pensar e consumidoras fáceis e contumazes de ideias alheias com tempero de absoluto.
Por outro lado, o pregador das possibilidades tem seus suores na tarefa de fazer pensar. Se hoje o sucesso de uma igreja se mede pela quantidade de gente, o pregador das possibilidades tem mais dificuldades com arrebanhar multidões. Assim, para mim, templos cheios é evidência de local das certezas absolutas e, portanto, da negação do teologizar sério.
Marcos Inhauser
Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
A CERTEZA DEIFICADA
Temos
horror à incertezas! A dúvida nos corroe e nos mata. A pergunta sem resposta
atemoriza e nos traz desconforto. O silêncio do outro nos deixa intranquilos.
Precisamos de certezas, de diagnósticos, de verdades, de respostas de soluções. Quanto mais inseguros somos, quanto menos resolvidos formos, mais medo teremos da dúvida, mais nos agarraremos a qualquer certeza que se nos apresente, fazendo-o a acriticamente. Uma pergunta que possa trazer alguma dúvida é vista como arma do inimigo para roubar a paz que a certeza dá.
Os mais imaturos se apegam a "verdades" proferidas por alguém e se apegam a elas com fervor proporcional ao brilho que o "iluminado" tem.
Com estas considerações tenho pensado na religião como o esforço coletivo para a preservação de certas verdades que dão resposta e segurança aos imaturos. Toda religião que se preze tem uma confissão de fé ou um credo, conjunto das certezas adotadas e defendidas com as armas da rotulagem de herege, apóstata a quem ousa pensar diferente. Estes, no mais das vezes, são expulsos e anatematizados. Estes recursos garantem a preservação da "sã doutrina" e das certezas adotadas.
Percebe-se assim porque pregadores, pastores sacerdotes são como papagaios que repetem frases conhecidas. A função deles não pode ser a do propor o novo, mas repetir ad nauseam o velho, o sabido, o que dá a paz das certezas. Por isto eles não são treinados na arte de perguntar, mas adestrados na tolice de ter respostas para tudo. Como animais pavlovianos são agraciados a cada resposta que dão, sejam elas fundamentadas ou não. As questões mais cruciais recebem rótulos pomposos de "obra de Satanás", possessão, vontade de Deus, castigo de Deus, está colhendo o que plantou, etc.
Sob está perspectiva a religião é a divinização das respostas, a deificação das certezas, a glorificação do não-pensar, a imbecilização do eterno repetir, a demonização do perguntar, a heresia do questionar, o descarte da incoerência, o assassinato da lógica.
Pensar e perguntar não fazem parte destas espiritualidades. Ouvir, dia após dia, as mesmas argumentações, o mesmo raciocínio, as mesmas coisas é ser espiritual. Perguntar e questionar são sinais de " carnalidade". Repetir abobrinhas é santidade. Odiar quem pergunta é ação louvável. Matar infieis é jihad, guerra santa. Ser xiita, sunita, fundamentalista, conservador, ortodoxo é garantia de salvação e galardão no paraíso.
Assim, as religiões nunca foram e não podem ser democráticas. Elas não podem abrir a discussão sob pena de perder o controle. Elas exigem um "sábio que tudo sabe" e uma horda de concordantes. Transformam na congregação da violência simbólica, onde a ignorância é elogiada, a verdade monocromática estabelecida, a participação comunitária na construção do conhecimento e das certezas evitada e condenada.
Tem-se um universo de formigueiro: uma rainha desfrutando de um exército de fiéis operários.
Marcos Inhauser
Precisamos de certezas, de diagnósticos, de verdades, de respostas de soluções. Quanto mais inseguros somos, quanto menos resolvidos formos, mais medo teremos da dúvida, mais nos agarraremos a qualquer certeza que se nos apresente, fazendo-o a acriticamente. Uma pergunta que possa trazer alguma dúvida é vista como arma do inimigo para roubar a paz que a certeza dá.
Os mais imaturos se apegam a "verdades" proferidas por alguém e se apegam a elas com fervor proporcional ao brilho que o "iluminado" tem.
Com estas considerações tenho pensado na religião como o esforço coletivo para a preservação de certas verdades que dão resposta e segurança aos imaturos. Toda religião que se preze tem uma confissão de fé ou um credo, conjunto das certezas adotadas e defendidas com as armas da rotulagem de herege, apóstata a quem ousa pensar diferente. Estes, no mais das vezes, são expulsos e anatematizados. Estes recursos garantem a preservação da "sã doutrina" e das certezas adotadas.
Percebe-se assim porque pregadores, pastores sacerdotes são como papagaios que repetem frases conhecidas. A função deles não pode ser a do propor o novo, mas repetir ad nauseam o velho, o sabido, o que dá a paz das certezas. Por isto eles não são treinados na arte de perguntar, mas adestrados na tolice de ter respostas para tudo. Como animais pavlovianos são agraciados a cada resposta que dão, sejam elas fundamentadas ou não. As questões mais cruciais recebem rótulos pomposos de "obra de Satanás", possessão, vontade de Deus, castigo de Deus, está colhendo o que plantou, etc.
Sob está perspectiva a religião é a divinização das respostas, a deificação das certezas, a glorificação do não-pensar, a imbecilização do eterno repetir, a demonização do perguntar, a heresia do questionar, o descarte da incoerência, o assassinato da lógica.
Pensar e perguntar não fazem parte destas espiritualidades. Ouvir, dia após dia, as mesmas argumentações, o mesmo raciocínio, as mesmas coisas é ser espiritual. Perguntar e questionar são sinais de " carnalidade". Repetir abobrinhas é santidade. Odiar quem pergunta é ação louvável. Matar infieis é jihad, guerra santa. Ser xiita, sunita, fundamentalista, conservador, ortodoxo é garantia de salvação e galardão no paraíso.
Assim, as religiões nunca foram e não podem ser democráticas. Elas não podem abrir a discussão sob pena de perder o controle. Elas exigem um "sábio que tudo sabe" e uma horda de concordantes. Transformam na congregação da violência simbólica, onde a ignorância é elogiada, a verdade monocromática estabelecida, a participação comunitária na construção do conhecimento e das certezas evitada e condenada.
Tem-se um universo de formigueiro: uma rainha desfrutando de um exército de fiéis operários.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
O NOVO ANÊMICO
Dizem que os ditados traduzem a sabedoria popular. Eu acho que
também servem para consolidar o senso comum. Um deles tem para mim mais cheiro
de senso comum que de sabedoria: “ano novo, tudo novo”. Uma variação dele é
“ano novo, vida nova”.
No Brasil de hoje e deste final de ano, tenho minhas
restrições em pensar que a magia de cruzar a meia noite de um dia para outro
seja suficiente para que coisas novas aconteçam. Bem que eu gostaria que isto
acontecesse, mas a meu espírito mais cético que esperançoso me faz a advertência:
“devagar com o andor porque o santo é de barro”.
Como esperar vida nova e tudo novo diante do cenário político
e econômico que estamos encerrando o ano? Há mágica que dê conta de transformar
tudo com a passagem do ano? É ato de fé esperar um milagre neste cenário?
Vamos lá. Não fosse um profeta Jeremias, talvez eu me
encorajasse a pensar que um milagre poderia acontecer. No que pese a
misericórdia de Deus, ele castigou o seu povo por causa das perversidades,
mentiras, corrupção de sacerdotes e reis (e seus asseclas). A idolatria
grassava solta em Israel e ele deixou que o curso da história seguisse e o povo
colhesse os frutos de suas loucuras. Foram castigados pelo seus próprios atos
desvairados.
É verdade que está ruim com o PT, mas será muito pior com o
PMDB! Olhe para as lideranças destes dois partidos e se verá uma penca de gente
acusada e sendo investigada por mal feitos na administração da res pública que eles insistem em tratar
como se fosse “res própria”. Quem os
colocou lá? O povo através do voto. Se eles agem indevidamente o fazem porque
tiveram seus mandatos renovados, no que pese as acusações que sobre eles
pesavam. Exemplos? Collor, Jader, Renan, Cunha, Lobão, Jucá, Maluf, para citar
só os mais notórios. Se o povo insiste em escolher raposas para cuidar do
galinheiro público, que moral tem para agora criticar e pedir a intervenção
divina? Se não foram fieis no pouco, com certeza se locupletarão no muito. E é
o que fizeram.
Confesso que chego às portas do novo ano com uma esperança prá
lá de anêmica. Sempre brinquei com uma frase que parece que se aplica a este
momento: “dias piores virão”. Não acredito que algo espetaculoso ou milagroso possa
acontecer, haja visto as manobras do Temer se associando ao Cunha contra o
Renan, a troca do ruim pelo péssimo na economia, a judicialização do
legislativo, a legisferante atividade do STF, as infelizes declarações do
Falcão no exercício da presidência do PT, as intervenções inadequadas e
impróprias do ex-presidente que ainda acha que é, a demora em se tomar
providências mais robustas contra o Collor, o Renan, o Lobão, o Jader, etc.
Lembro-me de uma frase de Paulo na sua carta aos Romanos,
referindo-se a Abraão: “em esperança, creu
contra a esperança”. Outra na mesma carta: “se espero o que vejo, isto já não é
esperança”.
O que vejo, entendo e prognostico como
inevitável me coloca na categoria do cético absoluto. Tenho fé em um Deus que,
no que pese as nossas barbaridades, pode vir e intervir na nossa história. Como
Gideão, estou em uma prova de fé. Não vejo saída, mas a fé me coloca uma nesga
de esperança. Anêmica é verdade, mas é fé.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
E SE FOR MENTIRA?
E tem todos os
ingredientes para ser.
Não há uma só prova
material de que ele tenha existido. Desde o ponto de vista da história e dos
comprovantes não há nada, absolutamente nada!
Não se sabe ao certo a
data do seu nascimento, o local exato em que isto se deu, onde viveu na
infância, se tinha irmãos ou primos, a linhagem da mãe e do pai, não há um só
documento que fale dele e que tenha sido escrito nos tempos em que supostamente
viveu, ele mesmo nunca escreveu nada e quando o fez foi na areia da praia, não
se tem uma relíquia dele, não se sabe exatamente onde foi crucificado e onde o
sepultaram. O que dizem ser provas são facilmente refutadas pelos meios
científicos.
Tem tudo para ser uma
estória.
Mas se é uma estória
como explicar algumas coisas? Como uma estória tão fantástica e ingênua pôde
durar tanto tempo? Como a estória de um filho gerado só da mulher, nascido em
condições insalubres, em local incerto, pôde ser contada durante tanto tempo?
Como uma estória de uma criança de pais desconhecidos, sem vínculos com os
partidos políticos e religiosos da época, com atuação na periferia de Israel,
pôde ser a estória mais contada e repetida na história da humanidade?
Como uma estória
destas, a partir da insignificância dos pais e do nascimento, marcado pela
ausência de maiores informações sobre sua infância e adolescência, tendo
surgido publicamente só aos trinta anos de idade (e até nisto há
controvérsias), com um fim tão trágico como foi a crucificação, pôde ser a mais
significativa estória da humanidade, ao ponto de ser divisor da história entre
o antes e o depois?
Como uma estória tão
simples pôde inspirar tantos compositores que escreveram mais belas músicas da
humanidade, haja visto o Aleluia de Haendel e tantos outros clássicos de natal?
Qual outra história foi mais encenada em palcos ao redor de todo o mundo que a
do natal? Qual outra estória mudou a vida de tanta gente como a do natal? Qual
outra estória produziu mais “conversões” que a do nascimento, vida e morte
dele? Qual outra estória tem mobilizado tanta gente para a solidariedade, a
fraternidade e ao perdão que esta estória?
Que me perdoem os que discordam
de mim e de milhões que assim acreditam: para mim não é estória e sim história!
Não preciso de provas
materiais e históricas para crer na realidade do natal (sem nem mesmo saber
exatamente a data e local). Não preciso ver um suposto pedaço do manto, da cruz
ou lágrimas colhidas por uma tal Verônica. Não preciso de um manuscrito escrito
por ele ou sobre ele, redigido nos dias em que ele viveu para acreditar que ele
é real. Para mim não se trata de estória, mas de fato da fé que historiciza a
sua presença em mim e através de mim.
Não preciso provar a
historicidade dele. Preciso viver a realidade da vida dele em mim e nos que,
como eu, acreditam nele. Não tenho a obrigação de “convencer” ninguém que ele
real, porque ele se encarrega disto pelo exercício da sua graça. Isto é tão
forte que Agostinho disse que a graça é irresistível! Quando ele quis mostrar
sua realidade a Paulo, este até do cavalo caiu!
Só afirma que o natal
é estória quem nunca “caiu do cavalo” pela graça de Deus. A queda faz com que a
estória vire história!
Marcos Inhauser
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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
A ARTE DO CINISMO
Tirei alguns dias
(talvez semanas) para ler dois livros do Michel Foucault que são as últimas
aulas que ele deu. Trata-se de “O governo de si e dos outros” e “A coragem da
verdade” onde ela faz análise do conceito de verdade e do falar a verdade (parresia) no exercício da política na
antiga Grécia, especialmente Atenas.
São leituras difíceis,
seja pela complexidade do tema, pela exegese que faz dos textos citando em
abundância o original grego ou pela quantidade de coisas que ele vê e extrai de
onde eu, no meu quase analfabetismo, não vejo nada. Ao ler o que ele vê onde
não vejo me dá um sentimento de imbecilidade.
Mas, acho que, nesta
minha experiência, foi a tristeza e a dor o que mais me afetaram ao confrontar
o exercício da verdade na vida pública com o exercício do cinismo e da mentira
que presenciamos nas lides congressuais do Brasil.
Causou-me espécie
recordar e reforçar algo que já tinha vago conhecimento de como Sócrates e os
socráticos pregavam o despojamento como forma de se conhecer a verdade. Também
ao ser relembrado da postura dos cínicos (os antigos e primitivos) em seu total
desprendimento de qualquer título, reconhecimento social ou bens.
A certa altura ele
afirma que a verdade tem quatro dimensões: a verdade minha que tenho coragem de
falar para mim mesmo, porque há gente que não tem coragem, de confessar a si
mesmo certas coisas que faz ou pensa. A segunda dimensão é a verdade minha que
tenho coragem de contar a alguém, amigo, confidente ou terapeuta. Mais
antigamente este papel de “escutador das nossas verdades” era do sacerdote e da
amante. A terceira dimensão é a verdade que tenho coragem de dizer em público. A
quarta é a verdade que ouço vindo dos outros e que dizem respeito a mim.
Ao ver a cara-de-pau
do Cunha, Renan, Lula, Jader, Edinho, Mercadante, Dilma, e tantos outros,
enredados até o pescoço com as investigações, lembro-me destas quatro facetas
da verdade. Fico a pensar se eles têm a coragem de se olhar no espelho e dizer
a sí mesmos o que fizeram. Duvido que contaram a seus amigos, confidentes ou
advogados todas as peripécias cometidas. Duas coisas eu tenho certeza: não
estão dizendo a verdade em público e nem estão aceitando a verdade que as ruas
estão a gritar. Ouvir o Cunha dizer que não tem interferido em nada no processo
de protelação em que se envolveu a Comissão de Ética da Câmara é vergonhoso.
Vergonhoso é vê-lo apoiado por parlamentares que se intitulam como evangélicos,
que o apoiam, como é o caso do campineiro, pastor da Assembleia de Deus, Paulo
Freire, do Marco Feliciano e outros.
Se política na antiga
Atenas tinha a parresia como alvo e
prática, na brasileira é a mentira, a enganação, a fraude, a jactância (vide a
gravação do Delcídio), a carteirada, a bravata. Prova cabal disto é a
judicialização do processo parlamentar, uma vez que ninguém mais acredita em
ninguém e se pede a arbitragem externa para que o diálogo próprio do parlamento
seja realizado. Quando isto se dá, não é a negociação, mas a imposição da
interpretação judicial, onde um grupo perde e outro ganha. Quando isto acontece
o povo, que deveria ser o beneficiário maior do processo, acaba pagando alto
custo, como são as demissões, a falta de investimento, a inflação, os pesados
impostos e a possibilidade de ressurreição de um morto que devia ter sido
cremado para nunca mais voltar: a CPMF.
O cinismo tem um preço
é o povo é quem tem pagado.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
PÁTRIA EDUCADORA
Já mencionei aqui, mais de uma vez, a minha admiração por
dois irmãos nicaraguenses, poetas e cantores, os Mejía Godoy. Dia destes estava
ouvindo pela enésima vez suas músicas. Deparei-me, outra vez, com a de Terencio
Acahualinca, onde ele conta a estória desta pessoa que, sendo perguntado por um
burocrata sobre sua formação educacional, se saiu com este verso, aqui
livremente traduzido:
Não sou leigo, nem estudado em alguma ciência,
Mas já estou pós graduado pela experiência.
Um curso de alta miséria me fez doutor.
Sou graduado em pobreza,
Mestre em desnutrição.
Que me perdoem todos os amigos
Que estão na rançosa burocracia
Com seus diplomas conseguidos em Bretanha ou gringolândia,
Ninguém pode ostentar este recorde
E esta é a pura verdade
Porque assim canta Terencio com tremenda realidade:
Não sou leigo, nem estudado em alguma ciência,
Mas já estou pós graduado pela experiência.
Um curso de alta miséria me fez doutor.
Sou graduado em pobreza,
Mestre em desnutrição.
Fosse Terencio Acahualinca brasileiro, pouca ou nenhuma
mudança precisaria fazer na letra para adequá-la à sua realidade. Muito ao
contrário talvez pudesse acrescentar algo como
Fiz um elementar básico,
Secundário meia boca
Sonhei com a riqueza,
Adotei a esperteza,
tomei o caminho mais
curto:
Virei político!
Graduei-me em ética pelo noticiário
Mestrado em mentira vendo declarações de senadores e
deputados,
Doutorado em cinismo acompanhando CPIs.
Aluno de Calheiros, Cunha, Sarney, Delcídio e do PT
Fiz especializações no PMDB, PSDB e antigo Pefelê.
Nas artimanhas do submundo sou touro,
mas ando morrendo de medo do Moro.
Acertei a mão e ganhei uma bolada,
Mas, pelo visto, lá se vai ela com a delação premiada.
Queria entrar para história como notícia,
mas acabei nas páginas da polícia.
A cela me deu rugas
E no medo do que pudesse contar, me ofereceram fugas.
Bendito gravador:
lá se foi um senador!
Por causa do cartel:
Está se implodindo o bordel!
Marcos
Inhauser
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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
A VERDADE ANTI-ESCRAVIDÃO
Já gastei algumas linhas trabalhando a expressão jesuânica do quarto evangelho de que “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Na última vez, disse que a expressão precisa ser analisada e entendida no seu contexto (o próprio evangelho), onde o tema da vida plena é central. Assim a libertação de que se fala é a libertação para a vida plena.
Quero trabalhar outro aspecto, agora pela via negativa: a mentira escraviza, manipula, trata o outro como incapaz de conhecer e suportar a verdade. Seja qual for o motivo para a sua existência, há da parte do mentiroso motivações manipuladora e escamoteadora. Por causa disto, tanto o mentiroso como o que é vítima dela são escravizados. O primeiro pela própria mentira que deve manter a qualquer custo, o último porque não tem acesso à verdade que liberta, mas se vê enredado nas tramas da manipulação de quem mente.
Tenho pensado nisto diante da avalanche de mentiras contadas e descobertas com a operação Lava Jato.
Ainda que a mentira possa ter dado um certo alívio a quem a contou no início e até certo prazer, o custo de mantê-la e, por fim, vê-la desmascarada, é cruel. Lembro-me de uma frase do Barusco na CPI (um dos poucos que falou neste festival de “reservo-me no direito de permanecer calado”) quando disse mais ou menos isto: num determinado perdi a tranquilidade e o sono por não saber como explicar a montanha de dinheiro que tinha”. A confissão foi alívio porque libertadora.
O imbróglio de mentiras do Cunha e as suas “explicações”, são novas mentiras para sustentar as anteriores. É um escravo das mentiras contadas. A mesma coisa se pode dizer do Delcídio e sua súbita demonstração de espírito solidário com o Cerveró. A versão contada no seu depoimento é tão esfarrapada que acabou se enredando ainda mais no cipoal da escravidão da mentira.
Com isto, quero esclarecer o seguinte paradigma: a mentira escraviza, a verdade liberta. Acrescento: toda verdade é libertadora, ainda que ela tenha seu custo e dor inicial.
Nestes dias, em uma viagem de ônibus, sentou-se ao meu lado uma jovem mãe com sua filha de ano e meio. Depois de mais de uma hora de conversa, ela me contou que, quando tinha 11 anos de idade, surpreendeu sua mãe com um homem na cama. Aquilo para ela foi terrível. Porque sabia que seu pai também não era santo, nunca falou para a mãe o que tinha visto, mas isto a matava por dentro. Há dois anos teve uma conversa com a mãe e contou o ocorrido. No dizer dela: “senti que um peso saiu de mim. Nasceu um riso nos meus lábios, voltei a viver. Eu vivia uma farsa com minha mãe simulando que tudo estava bem e não era verdade. Quando contei a ela o que eu sabia, a relação nossa melhorou e muito”. Uma verdade que a libertou!
Na sucessão de verdades que estão vindo à tona, há um processo de libertação. Creio que estamos sendo libertos de corruptos contumazes, de políticos desonestos, de governantes inescrupulosos, de gurus enfatuados, de marqueteiros manipuladores, de ex-presidentes que mentiram e continuam mentindo.
A verdade nos está libertando!!!
Marcos Inhauser
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quarta-feira, 18 de novembro de 2015
MORTE À DIVERSÃO
Há uma coisa em comum nos recentes ataques terroristas: todos eles atentaram contra pessoas que estavam se divertindo. Explico-me.
O avião russo que foi derrubado por uma bomba colocada no seu interior, transportava pessoas russas que haviam passado alguns dias no balneário de Sharm el-Sheik, que é um dos mais bonitos do Oriente Médio e para onde milhares de pessoas vão para descansar e se divertir.
Nos ataques recentes na cidade de Paris, três homens-bomba tentaram entrar com explosivos no estádio. A finalidade era um massacre daqueles que haviam tirado algumas horas de suas vidas para se divertir vendo uma partida de futebol. A outra investida foi contra os que estavam vendo a apresentação de rock em uma casa de espetáculos e ali tinham ido para se divertir.
O mesmo se pode dizer dos que estavam nos vários restaurantes que foram alvo dos terroristas. Há que se acrescentar que alguns deles estavam em área conhecida como boêmia, uma forma peculiar de vida voltada para o prazer.
Há nisto uma consonância com todos os fundamentalismos religiosos de todas as eras. Se há algo que é comum a todos eles é a radical condenação de todos e quaisquer tipos de diversão. Há quem condene assistir a um jogo de futebol e quem condene jogar futebol. Há os que condenam a prática de qualquer esporte. Pregadores há que dizem (e talvez ainda digam) que a televisão é o satanás dentro de casa com os chifres no telhado. Há os que condenam os que assistem a um filme no cinema, a uma peça de teatro ou coisa assemelhada, afirmando tratar-se de promiscuidade. Quando vão à praia, só podem entrar na água de roupa e nunca de maiô ou biquíni, porque são roupas do demônio.
Uma das alegadas razões dos terroristas para atacar a casa de espetáculos Bataclan é que ele era um antro de idolatria e promiscuidade. E qual a justificativa para atacar uma pizzaria ou um restaurante étnico, como foi o Petit Cambodge? Seria o prazer de uma boa comida pecado? Seria o capricho do chef no preparo dos pratos um atentado à verdadeira religião? Um pizzaiolo é funcionário de satanás?
Obcecados pela sua mente anti-hedonista, cobrem as mulheres dos pés à cabeça e até os olhos, porque ver uma mulher bonita, com um belo corpo é prazeroso e isto é obra de satanás. A verdadeira religião é a negação completa e radical de qualquer coisa que traga prazer. Li isto certa vez em um pretenso livro de ética cristã: “se você quer saber se algo é santificado ou pecaminoso, tenha a seguinte máxima: tudo o que dá prazer é pecado!” Tomar um copo de água em dia de calor dá prazer. Escovar os dentes dá prazer. Tomar um banho quando o corpo está suado, dá prazer. Ouvir o canto de um pássaro, dá prazer. São, porventura, pecados?
Fundamentalismos, seja de que origem provenham, são um risco à vida, alegria e felicidade. Roubam o prazer de viver de quem os obedece e criam mecanismos para roubar a alegria da vida dos que não se alinham com suas barbaridades teológicas. Se há fundamentalistas que matam os “infiéis”, há também os que assassinam reputações de pessoas que eles consideram ser liberais e apóstatas.
Que Deus nos livre dos fundamentalistas do lado de lá e dos que estão em nosso meio.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
A VIDA E A VERDADE
Já escrevi duas colunas sobre a questão da verdade que está no quarto evangelho que é centrado na vida. Outros dois temas estão presentes: amor e verdade. O radical da palavra vida ocorre cinquenta e uma vezes no evangelho, o que nos mostra a qualidade da ocorrência da palavra.
Para os escritos joaninos a vida é a concepção central para a religião e a teologia, não somente pela intensidade da ideia, mas pelo uso de outros símbolos relacionados a ela: luz da vida, água da vida, pão da vida, vinho verdadeiro, o bom pastor, a porta, etc. A vida foi concebida pelo cristianismo como dom de Deus através de Jesus e passou a expressar-se por salvação, libertação, redenção, justificação e perdão.
É mais que uma apresentação religiosa da ideia da vida concebida religiosamente, mas a tese de que Jesus era a vida, que era a luz dos homens, que se dá na doação dela como propósito da encarnação e conclui com a identificação da transmissão da vida como propósito do evangelho. Diferentes palavras são empregadas por João para se referir à vida.
A dimensão física da vida é expressa pela palavra psychê que denota o ser humano completo, que ocorre como objeto de entrega. De acordo com a teologia joanina, aquele que não tem a disposição de dar a própria vida não está apto para receber a vida definitiva. Somente através da entrega alguém pode alcançar a vida real. Essa entrega é um processo onde o amor é a base. Há em João um paradoxo entre vida e morte: a vida real é entrega e a morte é um meio de receber uma dimensão mais ampla da vida. Isto é particularmente verdadeiro na imagem do grão de trigo que deve morrer para produzir o fruto.
Outra palavra empregada nos escritos joaninos é zoê e as suas variações. Com ela se introduz a ideia da vida eterna, que é central na sua teologia. Ela nunca denota a vida física, mas a qualidade da vida definitiva, a vida eterna, onde a morte não está presente. Várias vezes elas são seguidas por aiônios ("vida definitiva", a "vida eterna"). Para João a vida eterna é consequência da fé em Cristo, dom de Deus. A vida eterna é o conhecimento do Deus verdadeiro e de Jesus a quem Ele enviou. A condição para receber a vida eterna é a adesão a Jesus na condição de Filho de Deus porque é o modelo daquele que deu sua vida para salvar. Receber a vida é reconhecer o amor de Deus expresso na morte de Jesus.
A vida eterna é o poder de ser ressurreto no último dia, a segurança de nunca perecer. A vida eterna é a vitória sobre a morte. Jesus pode dar vida porque Ele é vida e venceu a morte através da ressurreição e disse: "Eu vim para dar vida e dar vida em abundância". Mas, o que a vida abundante significa? No contexto Jesus estava falando acerca do bom pastor, aquele que dá sua vida pelas suas ovelhas. Em contraste a isto, os bandidos vêm para roubar, matar e destruir. A vida está colocada em oposição ao roubo, morte e destruição, sinais de violência e morte.
Logo, a verdade que liberta tem a ver com a vida plena e eterna.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
NÃO SOU FORMIGA
A formiga tem uma vida
previsível, obediente e metódica. Nasce sob a égide de uma rainha que comanda o
formigueiro, tem suas atribuições determinadas pela hierarquia da colônia, pois,
no
ninho, as tarefas são divididas entre as castas, sendo que a divisão maior é
entre as fêmeas reprodutoras (rainhas) e as operárias. Estas fazem o
trabalho pesado: constroem o ninho, coletam comida e água, limpam, alimentam
machos, larvas e protegem o formigueiro. Em certas espécies, as formigas
soldados diferem-se das operárias comuns por terem partes do corpo maiores,
principalmente cabeça e mandíbulas. Há ainda as cortadeiras (coletoras de
folhas).
A previsibilidade da vida na
colônia se dá até nos trilhos a serem seguidos pelas formigas ao saírem da
colônia e buscarem o alimento e voltarem ao ninho. As formigas não têm ideia,
nem pensam, nem refletem, nem planejam, nem sonham o futuro. Não precisam
decidir, nem optar por isto ou aquilo, não precisam votar e nem responder a
questões difíceis. Tem abundância sem preocupações. Nascem, crescem e morrem.
Não precisam estudar filosofia ou teologia!
Eu, como ser humano que sou,
tenho minha vida regida pelas minhas ideias, decisões e opções, cada qual com
seu custo e benefício. Penso, examino, reflito, discuto, decido, me arrependo,
sonho, planejo, construo, arrebento, reconstruo. Minha vida é diferente daquela
monotonia da vida no formigueiro.
Formiga não se assusta. Eu sim.
Formiga não se maravilha. Eu fico maravilhado. Para as formigas pouco importa
se é o PT ou a Dilma que está no governo. Elas não sentem a crise e nem tem
problemas financeiros. Eu sim os tenho. Eu voto, elas não.
Graças a Deus não sou formiga,
porque se o fosse ou se tivesse que levar uma vida sem sobressaltos e novidades
entraria em fastídio imediatamente. Gosto dos desafios, das questões difíceis,
da novidade, do sobressalto. Nunca seria contabilista ou funcionário de
cartório.
Nesta caminhada de aventuras, as
questões do que é verdade, do que é certo, do que é justo, sempre alimentam e
fomentam ideias e conclusões. Nisto, me lembro do Locke que li há alguns anos:
“Apesar de nossas palavras significarem nada mais que ideias, porém, tendo sido
projetadas para significar coisas, a verdade que elas contém será apenas verbal
quando representarem ideias na mente que não estão em conformidade com a
realidade das coisas”. Minhas ideias serão simples ideias se não estiverem em
harmonia com a realidade das coisas.
Por não ser formiga, a cada dia
devo rever minhas ideias, meus planos, meus sonhos para que entrem em sintonia
com a realidade das coisas. Mudar é sinal de maturidade. Formigas nascem e
morrem sempre do mesmo jeito. Eu não sou formiga. Eu tenho que mudar,
redefinir-me, repensar-me, reposicionar-me neste mundo. A mudança é o sinal de
que houve reflexão, avaliação, análise, redefinição de convicções.
O sucesso de uma ideia não se
mede pelo tempo que a mesma é válida, mas pelo nível de harmonia que tem entre
o pensado e a realidade das coisas. Se a própria realidade é mutável, uma ideia
imutável é sinal evidente de falta de sintonia.
Por isto detesto os
conservadores. Eles estão mais para formigas que para seres humanos.
Marcos Inhauser
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