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terça-feira, 23 de agosto de 2011

NO PARAÍSO HÁ DISCIPLINA

O paraíso tem limites. Nem tudo se pode no paraíso. Há coisas possíveis e impossíveis. O paraíso não é o desfrutar de tudo que queremos, mas o desfrutar de tudo que podemos. No Éden havia um limite: até aqui podem comer de tudo; daqui para frente já não mais. Isto requeria uma dose de autocontrole, de disciplina.
Uma das coisas que tem me preocupado na tão propalada pós-modernidade é a ausência de critérios universais pela absoluta relativização e subjetivização dos valores morais. É certo e bom o que julgo como tais. Sou eu e mais ninguém quem deve ditar normas éticas para mim.
Uma vertente disto é a orientação que se tem passado aos pais de que a educação dos filhos não pode ser negativa (é proibido falar “não aos filhos”) antes deve ser de completa liberdade para que a criança descubra por si mesma o que pode e não pode. Ocorre que, a uma criança que não soube ouvir e obedecer “nãos”, será um adulto que não saberá dizer não quando isto for necessário. Uma das grandes consequências disto é que, quando lhe oferecerem drogas, porque na infância não lhe ensinaram a respeitar limites, não terá autocontrole para dizer não. Antes, porque tinha que descobrir por si o certo e o errado, se atirará de corpo e alma, tal como o educaram.
Não há paraíso sem domínio próprio, sem autocontrole, sem disciplina. Já no paraíso edênico, o lugar perfeito criado por Deus, havia um limite que impunha aos seus habitantes uma dose de domínio próprio. Estavam no paraíso, mas nem tudo lhes era permitido. O paraíso não é anarquia, a ausência de regras ou comportamento ético. Muitos são os que buscam o paraíso no comportamento aético ou antiético e se dão mal porque encontram o inferno.
Acabo de ler um livro que trata dos modelos de pais e sua influência sobre as filhas. A autora, depois de muito pesquisar, afirma que um pai que tenha autoridade (o que é diferente de ser autoritário – fabricante de ordens), que coloque de forma clara e precisa os limites dos “podes” e “não podes”, traz benefícios duradouros para seus filhos. A grande maioria deles não terá problemas de comportamento, nem mesmo na adolescência, e a vida sexual deles será qualitativamente melhor que a de filhos e filhas provindas de lares anárquicos.
Há limites no trabalho. Quem o faz além da conta se estressa, se enferma, ganha morte. Há coisas que podem e devem ser feitas no trabalho e há outras que não podem ser feitas. Um comprador de uma firma não pode comprar além de certos limites determinados pelas necessidades da sua empresa. O encarregado dos pagamentos não pode pagar além do devido e das reservas existentes. O atleta tem seus limites e deve conhecê-los e respeitá-los. Se ele treina para correr dez quilômetros e um dia decide correr trinta ou quarenta e cinco, poderá se lesionar gravemente. O cantor tem seus limites ditados pela extensão da sua voz. Poderá alcançar até um determinado limite os agudos e graves. Tentar ir além pode redundar em prejuízo à sua voz. Há limites no comer e no beber. O excesso pode se constituir no pecado da glutonaria e da bebedice, com os consequentes sintomas e enfermidades que isto acarreta.
O limite de não poder tocar na árvore do conhecimento do bem e do mal estabelece uma dimensão ecológica: há limites na capacidade e autoridade do ser humano de explorar a criação do Senhor. Deus criou o mundo e tudo o que nele há e o deu ao ser humano. Ocorre que esta doação não foi completa. Houve restrição. Mesmo no paraíso não se pode tudo e avançar o sinal é alterar o equilíbrio da natureza com a introdução da morte. Quando o ser humano explora a natureza de maneira irracional e sem considerar o equilíbrio ecológico, está trazendo morte à terra, à vegetação, aos animais. Ir além do que lhe é permitido no uso da natureza é repetir o pecado original, é trazer morte.
Em todo lar, família, trabalho, negócio, enfim em tudo que fazemos, há coisas permitidas e não permitidas. Educar os filhos para viver esta realidade é uma prova de amor e de responsabilidade.
O paraíso requer responsabilidade. Se é verdade que há limites a serem postos e obedecidos, também é verdade que o estabelecimento deles tem suas consequências. As decisões no paraíso não são inconsequentes: produzem, sempre, vida ou morte. O fato de haver necessidade de limites não nos dá autoridade de ir colocando-os onde bem entendemos. De cada ato de estabelecer limites ou de transgredi-los há um preço a ser pago. Há limites que produzem morte e há os que produzem vida. O legalismo é uma tentativa de colocar limites além da conta, gerando a morte da consciência crítica. Para o legalista só há uma alternativa: obedecer. O pai autoritário, o líder religioso legalista, o governante totalitário não permitem arguições, só obediência.
Cada limite colocado merece uma reação igual e contrária. Pode ser questionado e até desacreditado. Os limites perdurarão na medida em que produzem vida naqueles que os respeitam. E esta deve ser a chave para analisar os limites que temos nos nossos paraísos: desobedecê-los produz morte? E esta é a eterna alternativa que todos temos diante de nós: ou comemos da árvore da vida ou comemos da árvore da morte.
Marcos Inhauser

terça-feira, 16 de agosto de 2011

DESIGREJADOS

Acabei de receber telefonema de um amigo de longa data que foi pastor e ele se caracterizou como “desigrejado” atualmente. Ele é um dos muitos que aparecem na estatística publicada nesta segunda-feira dando conta que o número de ex-evangélicos tem subido em proporções inquietantes, de 4% para 14%, o que dá um total de quatro milhões de pessoas que frequentaram igrejas evangélicas e hoje não frequentam mais nenhuma. Os dados comparam os anos de 2003 e 2009, o que me leva a crer que este número é ainda maior, por algumas razões.
O fenômeno não é novo. No início dos anos 90, colegas que estavam fazendo mestrado na área da Ciência da Religião já vinham detectando este fenômeno e alguns que pesquisavam na região da baixada fluminense chegavam a dizer que um terço era composto de pessoas ex-membros de alguma igreja.
Como pastor há quase quarenta anos, venho notando e me surpreendendo com alguns sinais. O primeiro deles é que a nova geração não tem o mesmo compromisso de frequência e participação que eu encontrava no início de meu pastorado. Na primeira igreja que pastoreei eu tinha um senhor que saía todos os domingos às 5:30 da manhã para pegar ônibus e atravessar a cidade de São Paulo e participar da igreja. Em São Carlos eu tinha um que quando viajava, fazia questão de voltar aos domingos para não faltar aos cultos. Hoje, qualquer coisa é desculpa para faltar.
Outra coisa que venho notando é que a filiação formal como membro de uma igreja encontra resistência nas gerações mais novas. Antigamente se media uma igreja pelo número de membros ativos que tinha. Isto acabou. Ninguém mais está para isto. Querem participar sem se envolver com as coisas da administração da vida da igreja. Querem os benefícios, sem as responsabilidades.
Neste quesito entra também a questão dos dízimos e ofertas. Antes as pessoas dizimavam e ofertavam na igreja, que aplicava o dinheiro segundo a decisão de uma diretoria eleita. Hoje elas tem dificuldade em ofertar nas igrejas por uma de três razões: medo de que isto vá enriquecer os pastores, pelos muitos escândalos de bispos e apóstolos que se locupletaram; ou pelo entendimento de que eles sabem administrar melhor e preferem fazer caridade com o dízimo. Não são poucos os que conheço que tem administrado e distribuído seus dízimos de acordo com necessidades que veem. Uma terceira razão é a insensatez de se ter templos faraônicos que são usados poucas horas por semana. Há mausoléus que custam uma fortuna em manutenção e que são usados duas ou três horas semanais. Um verdadeiro desperdício.
Outro fenômeno que venho notando é a gradativa transformação da igreja em negócio. Dias destes um colega pastor, destes que tem a alma pastoral, me ligou e me contou que foi avaliado depois de um tempo na igreja e esta decidiu contratar outro que tivesse perfil mais gerencial. Estavam trocando o pastoral pelo gerencial. Quando a igreja faz isto, perde a sua característica de cuidar das pessoas e passa a cuidar dos números, da quantidade, da arrecadação. Deixa de ser igreja e passa a ser negócio. Há muitas igrejas que trocaram o termo discipulado por mentoring (termo técnico do mundo corporativo), nomeiam gerentes de áreas (Educação Cristã, Ação Social, Diaconia, etc.). Há ainda as que não buscam mais pastores com sólida base teológica, mas sim animadores de auditório. Se ele sabe fazer o pessoal cantar, pular, aplaudir, chorar, motivar a contribuir, é um excelente “pastor”, não importando o quanto de abobrinha vá dizer.
Com este cenário, não é para menos que tenha saltado de 4% a 14% o número dos desigrejados.
Marcos Inhauser

terça-feira, 9 de agosto de 2011

SÍNDROME DE COELET

O nome é estranho, porque transliteração (mal feita) da palavra hebraica para “pregador”. Coelet é o termo técnico para se referir ao escritor/pregador/sábio do livro de Eclesiastes, na Bíblia. Precisar quem era é um problema, mas há consenso de que deva ser Salomão, já velho, depressivo e desesperançado. Ele diz: “É ilusão, é ilusão, diz o Coelet. Tudo é ilusão. A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando e afinal que vantagem leva em tudo isso? Pessoas nascem, pessoas morrem, mas o mundo continua sempre o mesmo. O sol continua a nascer, e a se pôr, e volta ao seu lugar para começar tudo outra vez. O vento sopra para o sul, depois para o norte, dá voltas e mais voltas e acaba no mesmo lugar. Todos os rios correm para o mar, porém o mar não fica cheio. A água volta para onde nascem os rios, e tudo começa outra vez. Todas as coisas levam a gente ao cansaço—um cansaço tão grande, que nem dá para contar. Os nossos olhos não se cansam de ver, nem os nossos ouvidos, de ouvir. O que aconteceu antes vai acontecer outra vez. O que foi feito antes será feito novamente. Não há nada de novo neste mundo. Será que existe alguma coisa de que a gente possa dizer: ´Veja! Isto nunca aconteceu no mundo´? Não! Tudo já aconteceu antes, bem antes de nós nascermos.” Lembrei-me dele com esta nova crise nos mercados mundiais. Também lembrei do Friedrich Nietzche, que, até onde entendi o que dele estudei (se é que entendi alguma coisa), tinha uma concepção meio que espiralada do eterno retorno da história, de tal forma que as coisas se repetem, não de forma idêntica, mas semelhante. Confesso que é difícil não ser contaminado pela desesperança e depressão do Coelet, especialmente nestes dias. Escrevi há um mês (“Nem direita, nem esquerda” 13/7) que as diferenças ideológicas, políticas, teológicas, litúrgicas estão se acabando, tudo convergindo para a mesmice. Há uma predominância do senso comum, das platitudes aceitas irrefletidamente, um exorcismo das diferenças, uma demonização do menino que diz que o rei está nu. Um país comunista, a China, é o maior investidor capitalista na economia do império! Não sei se ser diferente, crítico, cético já foi menos penoso que em nossos dias. Mas sei que isto tem um preço alto. Ser profeta e dizer o novo, o diferente, anunciar o castigo e a reconstrução é tarefa fadada à solidão. Que o diga Jeremias! Não dá holofote, mas caverna. À esta nova crise dos mercados não faltarão profeteiros (religiosos e seculares) a denunciar mazelas, pregar tribulação e anunciar salvação. No entanto, temos um problema insolúvel: há que crescer economicamente para dar empregos a milhares que diariamente entram ao mercado de trabalho, sob pena de ter as cidades incendiadas por hordas de jovens desesperançados, tal como acontece hoje em Londres e aconteceu no Egito, Síria, etc. Para que tenham emprego, há que ter gente consumindo o que se produz. Para produzir há que buscar recursos naturais, que arrebenta a natureza e polui as cidades, rios e mares. Há uma população mundial inviável para o tipo de economia que praticamos, que valoriza o lucro e a exploração sem limite. Estamos nos colapsando. Há esperança? Eu creio no Reino de Deus, na irrupção de Deus na história para nos dar um novo céu e nova terra. Mas hoje estou como Abraão (“crendo contra toda esperança”) e como o Coelet (“vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, “será que existe alguma coisa de que a gente possa dizer: ´Veja! Isto nunca aconteceu no mundo?´”). É a síndrome do Coelet. Marcos Inhauser

SÍNDROME DE COELET

O nome é estranho, porque transliteração (mal feita) da palavra hebraica para “pregador”. Coelet é o termo técnico para se referir ao escritor/pregador/sábio do livro de Eclesiastes, na Bíblia. Precisar quem era é um problema, mas há consenso de que deva ser Salomão, já velho, depressivo e desesperançado. Ele diz: “É ilusão, é ilusão, diz o Coelet. Tudo é ilusão. A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando e afinal que vantagem leva em tudo isso? Pessoas nascem, pessoas morrem, mas o mundo continua sempre o mesmo. O sol continua a nascer, e a se pôr, e volta ao seu lugar para começar tudo outra vez. O vento sopra para o sul, depois para o norte, dá voltas e mais voltas e acaba no mesmo lugar. Todos os rios correm para o mar, porém o mar não fica cheio. A água volta para onde nascem os rios, e tudo começa outra vez. Todas as coisas levam a gente ao cansaço—um cansaço tão grande, que nem dá para contar. Os nossos olhos não se cansam de ver, nem os nossos ouvidos, de ouvir. O que aconteceu antes vai acontecer outra vez. O que foi feito antes será feito novamente. Não há nada de novo neste mundo. Será que existe alguma coisa de que a gente possa dizer: ´Veja! Isto nunca aconteceu no mundo´? Não! Tudo já aconteceu antes, bem antes de nós nascermos.” Lembrei-me dele com esta nova crise nos mercados mundiais. Também lembrei do Friedrich Nietzche, que, até onde entendi o que dele estudei (se é que entendi alguma coisa), tinha uma concepção meio que espiralada do eterno retorno da história, de tal forma que as coisas se repetem, não de forma idêntica, mas semelhante. Confesso que é difícil não ser contaminado pela desesperança e depressão do Coelet, especialmente nestes dias. Escrevi há um mês (“Nem direita, nem esquerda” 13/7) que as diferenças ideológicas, políticas, teológicas, litúrgicas estão se acabando, tudo convergindo para a mesmice. Há uma predominância do senso comum, das platitudes aceitas irrefletidamente, um exorcismo das diferenças, uma demonização do menino que diz que o rei está nu. Um país comunista, a China, é o maior investidor capitalista na economia do império! Não sei se ser diferente, crítico, cético já foi menos penoso que em nossos dias. Mas sei que isto tem um preço alto. Ser profeta e dizer o novo, o diferente, anunciar o castigo e a reconstrução é tarefa fadada à solidão. Que o diga Jeremias! Não dá holofote, mas caverna. À esta nova crise dos mercados não faltarão profeteiros (religiosos e seculares) a denunciar mazelas, pregar tribulação e anunciar salvação. No entanto, temos um problema insolúvel: há que crescer economicamente para dar empregos a milhares que diariamente entram ao mercado de trabalho, sob pena de ter as cidades incendiadas por hordas de jovens desesperançados, tal como acontece hoje em Londres e aconteceu no Egito, Síria, etc. Para que tenham emprego, há que ter gente consumindo o que se produz. Para produzir há que buscar recursos naturais, que arrebenta a natureza e polui as cidades, rios e mares. Há uma população mundial inviável para o tipo de economia que praticamos, que valoriza o lucro e a exploração sem limite. Estamos nos colapsando. Há esperança? Eu creio no Reino de Deus, na irrupção de Deus na história para nos dar um novo céu e nova terra. Mas hoje estou como Abraão (“crendo contra toda esperança”) e como o Coelet (“vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, “será que existe alguma coisa de que a gente possa dizer: ´Veja! Isto nunca aconteceu no mundo?´”). É a síndrome do Coelet. Marcos Inhauser

terça-feira, 2 de agosto de 2011

JUIZO TEMERÁRIO

Já contei aqui uma história dele (“Um pastor paradigmático” 22/02/2011), mas conto outra, por ser também paradigmática de um comportamento bastante comum. Estávamos em um Acampamento Menonita em San Juan de la Maguana, na República Dominicana, para um conferencia de igreja. Havia umas 200 pessoas, entre elas uma jovem que tinha certa deficiência mental, mas muito atenciosa e serviçal. Do local de reuniões ao refeitório havia uma distância de uns 500 metros e à noite não havia iluminação para sair do refeitório ao auditório, o que fazia com que as pessoas andassem por um caminho escuro. Certa noite fiquei até mais tarde no refeitório conversando com alguém e quando fiz menção de sair para o auditório, a jovem me perguntou se podia ir comigo porque tinha medo de andar no escuro sozinha. Disse que sim e lá fomos nós conversando. Fiz a elas algumas perguntas e ela me respondia e nas suas respostas ficava ainda mais evidente as dificuldades mentais que tinha. Eu caminhava devagar porque parecia que ela também tinha alguma dificuldade para andar, especialmente naquelas circunstâncias. Quando já estávamos bem próximos do auditório, havia na estreita calçada uma saliência. Ela tropeçou, caiu e começou a gritar e a chorar alto. No escuro eu não conseguia ver se ela havia se machucado ou não. Alguns homens vieram ajudar e a levamos para o salão onde o pessoal cantava. Ela entrou chorando alto, um tanto descontrolada, típico de uma pessoa em suas condições. Chamou a atenção de todos. O pastor convidado (o mesmo que era doutor em Apocalipse e que tinha estudado a Bíblia sozinho, sem ajuda de ninguém, só do Espírito Santo), veio correndo até ela e sem fazer uma única pergunta, começou a expulsar o demônio dela. Eu que tinha saído para buscar um remédio, quando voltei, vi ao redor dela uns dez homens orando, gritando, berrando e expulsando o demônio. Confesso que fiquei atônito, com vontade de fazer um esparramo e dizer que os endemoninhados eram eles que não perceberam a condição da moça, nem sabiam o que tinha acontecido. Assumiram que se uma mulher entra em um local de culto chorando é manifestação do demônio e pronto. Deixei a coisa rolar. Depois que ela se acalmou, os “exorcistas de araque” saíram dando glórias e ao iniciar sua “prédica” (uma arenga, na verdade) ele disse que o poder de Deus havia se manifestado naquele lugar pela expulsão de quem quis tumultuar o culto maravilhoso que teriam. Eu me acerquei a ela para saber se havia se machucado e percebi que havia torcido o tornozelo que já começava a inchar e tinha escoriado o joelho. A menina precisou ser levada embora para ser medicada porque não havia no local condições sequer de fazer uma compressa com gelo. O pregador ficou. Na avaliação dele, o culto foi uma benção! A avaliação dela eu não sei, não perguntei e ela não me falou. Na minha avaliação foi uma encenação, uma farsa, um tempo de arrogância religiosa. Conto isto porque sei, por testemunho de outros e por outras experiências, que tal prática é comum nos meios religiosos. Há uma impressionante tendência em pegar um sinal e fazer com ele um diagnóstico completo. Já ouvi muitas vezes que “fulano teve uma conversão verdadeira”, pelo fato de haver chorado durante um culto com apelo. Se não chorar, “não se converteu genuinamente”. Já vi alguém ser acusado de herege porque estava usando uma versão de Bíblia que não era a que aquela igreja adotava. A lista poderia se estender, mas não o faço porque cada de um de vocês se recordara de uma situação idêntica, na qual, talvez você mesmo tenha sido vítima de um juízo precipitado. O gozado é que até hoje nunca ouvi ninguém pregar sobre o pecado do juízo temerário, precipitado. Biblicamente falando, ele é tão pecado quanto tantos outros tão veementemente combatidos. Marcos Inhauser

quarta-feira, 27 de julho de 2011

DÁ PARA EXPLICAR?

Já confessei aqui, mais de uma vez, que sou analfabeto de pai e mãe no que à economia se refere. Mal sei fazer as contas de entrada e gastos. Já me esforcei, mas cheguei à conclusão que não entrei na fila quando Deus distribuiu a inteligência econômico-financeira. Por causa disto, há coisas que dão nó na minha cabeça. Eu não consigo entender como um deputado investe uma baita grana para se eleger se o que vai receber de salário e aditivos não paga nem metade do que gastou. Fico admirado com o espírito público deles: pagam para representar o povo! Também não entendo como uma pessoa que tem um salário mais ou menos igual ao meu consegue construir em dois anos uma casa de 2,5 milhões! Nem como se consegue multiplicar o patrimônio vinte vezes em dois anos. Nem como sendo tão analfabeto quanto eu (ainda mais, porque come todos os “s”), consegue que lhe paguem duzentos mil para ir falar abobrinha. Agora estou sem dormir tentando entender o rolo da Grécia e Estados Unidos. Nem com dormonid estou conseguindo. Como pode um país gastar com gastos públicos mais do que arrecada, torrar 200 bi da ajuda, receber ainda mais 160 e estar tecnicamente no calote? Como pode ser calote e o pessoal dizer que a coisa foi resolvida? Por que a população tem que pagar a conta sozinha se os grandes investidores fizeram uma jogada de risco? Se ganhassem era bolada só deles. Perderam, socializam o prejuízo. Na outra ponta está os Estados Unidos. Os Republicanos, capitaneados pelo Lula gringo que foi o Bush, sofreram ataque dos radicais do Bin Laden. Coisa de uma dúzia de doidos. Na lógica do império e da família Bush, o Afeganistão devia pagar pelo crime, porque o Bin Laden tinha sua base no território deles. Morreram milhares e nada do indigitado. Gastaram fortunas e nada. Não contentes, inventaram a mentira das armas químicas que o Hussein teria em seu poder, invadiram o Iraque, gastaram outra bilhonada, autorizada pelo congresso republicano. Eles se enterraram até o pescoço em dívidas e agora querem que a conta seja paga pelos Democratas e, indiretamente por todo o mundo, por causa da repercussão sistêmica que tal default causará. Exigem cortes de bilhões na saúde, educação e outros itens importantes, mas não vejo cortes nos gastos militares. Fazem a sujeira e agora querem limpar com as mãos alheias para que, na próxima eleição, possam desfilar de paladinos dos gastos públicos. Fica a sensação de que políticos em todas as partes são iguais. Aqui é o PR se locupletando no DNIT e VALEC, o PMDB nadando de braçadas no setor energético, o PT mamando em todas as tetas que pode. Aparece a eleição e vão todos repetir o mesmo discurso centenário. Leio que o gasto público brasileiro está aumentando a cada mês e que a coisa não está mais feia é porque estão fazendo a receita crescer. Mais impostos arrecadados, mais gente pagando, menos dinheiro na praça, para que as primeiras damas municipais possam tirar um naco de alguns milhões. E eu, e você, e nós, sofrendo para fechar as contas. Cortamos na carne, para que outros engordem suas contas. Reduzimos ao máximo o conforto pessoal, para que o governador vá com a família de jatinho passear nas Bahamas. Alguém pode me explicar como é isto? Marcos Inhauser

terça-feira, 19 de julho de 2011

$OMO$

Há um crescimento do economicismo, noção de que o valor de qualquer coisa é dado em termos econômicos. Esta ideia domina a mentalidade com a qual as pessoas se aproximam de qualquer evento como transação e até mesmo umas das outras. Toda coisa deve ter uma etiqueta de preço. Está presente em praticamente todas as atividades. Ter um bebê, ouvir música, ir à igreja ou cuidar do meio ambiente são vistos em termos de “quanto custa”. Se uma atividade é caracterizada como “não-rentável”, o seu direito à existência é questionado. Se o que fazemos não traz retornos quantificáveis, nossa atividade é secundária e supérflua. Temos deixado esse valor penetrar em muitas áreas da sociedade. De alguma forma nós fomos levados a pensar nisso como algo normal. Medem-se negócios, atividades, assistência social, igrejas em termos de quanto custa e quanto retorno traz. Se o econômico é o aspecto mais importante de qualquer empreendimento ou ação, então, as pessoas mais importantes são os gestores. Mas como isto se aplica aos professores, aos psicólogos que trabalham com deficientes (o autista, por exemplo)? Qual o retorno econômico que se tem ao atender a uma pessoa necessitada por altruísmo e solidariedade? Estamos sendo treinados para ser gerentes que pensam sobre "produtividade", para atender aos orçamentos e metas, para fazer a escola "competitiva", para atrair os melhores alunos, para descobrir como reduzir custos, para gerenciar recursos exíguos. Isto é cada vez mais verdadeiro em toda as profissões, seja no trabalho de medicina, social ou na argumentação sobre investimentos (“isto daria para construir tantas casa populares”). A corrupção é julgada pela quantidade roubada e não tanto pelo fato de ter sido roubado. Ouvi estes dias que o que se desviou em Campinas dava para comprar duas companhias aéreas como a Webjet. Se quantificamos nossos atos, como podemos descobrir o que causa os crimes, ou educação deficiente ou os divórcios? Os crimes acontecem porque há gente pobre querendo um tênis mais sofisticado (quantia X quantia). A educação é deficiente porque os salários dos professores são baixos (quantia) e as escolas estão mal aparelhadas (quantia). Há mais divórcios hoje porque as mulheres tem mais chance de sobreviver do que tinham antigamente. Começamos a nos contentar com explicações superficiais e quantificadoras e passamos a acreditar que mais investimento melhora a educação, mais renda na sociedade diminui o crime, mais oportunidade financeira aumenta a taxa de divórcios. Para tudo precisamos de mais eficiência, melhor relação custo/benefício. Precisamos de mais competição para que os preços caiam. Temos que ser rentáveis e com este parâmetro temos de regular e controlar o comportamento humano. Quando questões importantes sobre as relações humanas são reduzidas a questões de gerenciamento do comportamento. As pessoas não estão mais sendo levadas a sério. O ser humano é mais que uma quantia, uma máquina de produzir ou consumir. Há mistérios humanos não quantificáveis. Como disseram os Beatles, o dinheiro não compra o amor. Uma bela cozinha planejada não faz mais feliz a ninguém. Uma bela casa pode dar conforto, mas não satisfaz o íntimo de uma pessoa carente de afeto. O problema mais profundo com o economicismo é que ele está fora de sintonia com as necessidades mais fundamentais dos seres humanos. O economicismo ensina que devemos amar coisas que as pessoas usam e não as pessoas que usam coisas. Estas considerações me fazem lembrar um amigo que esteve há alguns anos na sala da presidência de uma multinacional e viu um mapa mundi pedurado que não tinha a África. Ele perguntou por que o mapa não tinha o continente, ao que o presidente respondeu: “eles não contam para nós, porque é um continente que não consome o que produzimos; eles não existem para nós”. Marcos Inhauser

terça-feira, 12 de julho de 2011

NEM ESQUERDA, NEM DIREITA

Na minha adolescência a juventude li muito jornal. Era leitura obrigatória para mim o Estadão e o Jornal da Tarde. Li todos os Pasquins que foram publicados. Estudei em meio de gente que era pró e contra o governo da ditadura. Para mim era claro o que era ser de esquerda e direita. Fui estudar teologia. Comecei em uma instituição fundamentalista de ranço gringo, fui para uma totalmente alinhada com a Teologia da Libertação e também percebi as diferenças entre as teologias de esquerda e direita. Trabalhei com Direitos Humanos na América Latina, viajei à beça, andei por bibocas deste continente latino americano e vi o que governos de direita e ditatoriais podem fazer. Estive em Cuba e Nicarágua, esta na época da Revolução Sandinista e depois na Guerra da Contra. Era claro quem era de direita e de esquerda. Andei visitando igrejas por este mundo de meu Deus. Estive nas Américas, na Europa, Ásia e Oriente Médio, Havia uma clara distinção entre as igrejas e suas liturgias, entre as liturgias mais formais e as mais informais. Hoje estou perdido. Já não sei mais o que é ser de direita ou de esquerda. O PT, referência para a esquerda, se locupletou com a economia de mercado e com a corrupção, criando também o sindicalismo pelego. O PSOL e o PCdoB, que deveriam ser esquerda, tem discursos jurássicos. A teologia convergiu para a prosperidade, arrebanhando calvinistas, wesleyanos, luteranos, batistas, em um movimento de sobrevivência. Todos falam a mesma coisa. Os cultos nas mais diversas igrejas são iguais em forma e conteúdo. Os cânticos das igrejas históricas, pentecostais, neopentecostais e livres, são iguais. A estrutura inexiste em todas elas. As missas carismáticas em pouco diferem dos cultos pentecostais. Os pregadores midiáticos católicos copiam os evangélicos. A diferença entre o PSDB e o PT é retórica, o PMDB se junta a quem está no poder, o DEM quer ser oposição, mas se perde nos mensalões, o PDT se esfarela com o governo de Campinas e com o Paulinho FGTS, o PR mama no Dnit. A Dilma tira os dirigentes do Ministério do Transporte e continua tendo a camarilha do PR à frente do balcão de negócios das estradas e ferrovias. Os Estados Unidos estão a ponto de dar um calote, a Grécia quebrou, a Itália está indo para o buraco, Portugal já foi e a Espanha está a caminho. Fala-se da necessidade urgente de uma reforma fiscal, mas não se acha duas pessoas que falem a mesma língua. Só se consegue consenso dos políticos na hora de aumentar impostos. O governo não cumpre com sua função de prover saúde e educação à população que paga planos de saúde e escolas privadas. Agora, o governo quer receber dos planos pela sua ineficiência, cobrando quando um associado usa o sistema público. Paga educação privada com dinheiro que o governo cobra o Imposto de Renda. A coisa está empastelada (termo usado nas antigas tipografias para se referir aos tipos que se misturavam uns aos outros por queda da caixa e que ninguém mais sabia o que era um e outro), complicada, confusa. Resta-nos uma sensação de desorientação, impotência. Há uma convergência da esquerda com a direita, uma massificação das religiões, uma desorientação cidadã, um generalizado sentimento de desesperança. Estamos vivendo a grande depressão (alguns a chamam de tribulação) apocalíptica? Talvez. De uma coisa tenho certeza: necessitamos de novos céus e nova terra. Uma nova ordem, novos valores, nova sociedade. Enquanto isto, as indústrias farmacêuticas se lambusam nos lucros das vendas de antidepressivos, calmantes e estimulantes sexuais, porque ninguém é de ferro. Marcos Inhauser

terça-feira, 5 de julho de 2011

INDIVIDUALISMO

Há vários anos li um livro, que se não me galha a memória, se chamava “O que pensam os Batistas” de um de tal de Crabtree. A tese dele era que o individualismo é o alicerce para toda a formulação teológica dos batistas. Tenho identificado algumas mudanças culturais que afetam a forma como nos relacionamos, mudanças estas que não vem do nada. Elas se relacionam com os avanços da tecnologia, a evolução demográfica e as necessidades dentro da economia, e também com filosofias. E neste conjunto há uma mudança importante: o individualismo que foi parte das culturas britânica e americana, onde, ao final da grande guerra houve uma preocupação com o bem estar social, mas que acabou sucumbindo ao individualismo. O individualismo tem como tese sagrada a supremacia do indivíduo. Fala de escolha individual, direitos individuais, liberdade, propriedade privada, os quais, juntamente a outros conceitos, se tornaram regra na sociedade individualista onde o sucesso individual, a riqueza individual e lucro individual são valores deontológicos. Ofereceu o convite público para que milhões de pessoas se amassem mais do que a seus próximos. Aqui se encontra um dilema fundamental: torna-se cada vez mais evidente que uma perspectiva individualista é centrada em indivíduos fortes, pois são os que dispõem dos recursos e da unidade para buscar os objetivos da sociedade individualista. Indivíduos fracos são penalizados. Eles são passíveis de ser roubados do seu estado de "indivíduo" e agrupados em blocos sem identidade subjetiva. É uma queixa comum dos desempregados, pobres e desfavorecidos que eles são vistos simplesmente como “números”, “portadores de cartões que devem se ajustar ao sistema”, “pesos para o sistema”, sendo ônus para o Estado (vide INSS). É muito pesado produzir para eles. Esta condição parece estar presente mesmo naqueles que operam os serviços. O contato diário com as "falhas" de uma sociedade orientada para o sucesso pode endurecer as pessoas que trabalham com eles, por exemplo, na administração dos benefícios sociais. Suspeita-se que são ladrões em potencial ou parasitas. É fácil tornar-se insensível e indiferente às necessidades das pessoas quando elas podem ser agrupadas em uma classificação impessoal. Isto, inevitavelmente, tem afetado as relações pessoais. Ética sexual, vida familiar e lazer estão sob a influência do individualismo. Passou a ser a maior barreira à intimidade: pessoas que decidem que “primeiro eu, depois eu e se der..... algo para os outros”, podem acabar sós se perguntando porque são solitárias. A ironia do individualismo é que ele começa com uma preocupação declarada para a realização do indivíduo (através da escolha individual, direitos individuais, a soberania individual), e o resultado é quase sempre que o indivíduo é desvalorizado e isolado. Buscamos nossa privacidade e liberdade com paixão, não querendo qualquer dependência forçada sobre nós. Queremos ser livres para escolher as pessoas com quem nos relacionamos. Partimos da nossa própria família para criar a nossa própria vida privada, familiar nuclear, com uma casa particular, um carro particular, um escritório particular, e não contente com isso, nós queremos dentro de nossa casa um banheiro privado, telefone privado, televisão privada e assim por diante. E quando atingimos isso nos perguntamos “por que estamos sós” E aí vem a teologia individualista botar mais fogo nesta lareira, promovendo competições espirituais e minando comunhões, botando os nossos no céu e os outros no inferno. Marcos Inhauser

terça-feira, 28 de junho de 2011

REESCRITORES DA HISTÓRIA

Primeiro li a “Revolução dos Bichos”. Muitos anos depois foi a vez de 1984, ambos do escritor Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo pseudônimo de George Orwell, escritor e jornalista inglês. Adorei seu jeito sarcástico de denunciar regimes totalitários, tão bem descritos no Revolução dos Bichos e 1984. À época em que os li, notei um padrão que se apresenta nos dois livros, sem, contudo, dar muita atenção ao fato: a necessidade dos déspotas em reescrever a história. Na Revolução dos Bichos, ao tomarem de assalto a fazenda, os bichos decretaram uma série de leis, todas em flagrante oposição ao comportamento dos humanos que ali viviam. A relação das leis era: a.) Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo; b.) Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo; c.) Nenhum animal usará roupas; d.) Nenhum animal dormirá em cama; e.) Nenhum animal beberá álcool; f.) Nenhum animal matará outro animal; g.) Todos os animais são iguais. O porco, que se tornou o líder da revolta, aos poucos vai fazendo sutis modificações em algumas das leis, passando a ser: a.) Nenhum animal dormirá em cama com lençóis; b.) Nenhum animal beberá álcool em excesso; c.) Nenhum animal matará outro animal sem motivo; d.) Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros. Em 1984 Orwell mostra como uma sociedade dirigida por uma elite é capaz de reprimir quem se opõe a ela. A história é a de Winston Smith, de vida insignificante, que tem a missão de fazer a propaganda do regime através da modificação de documentos públicos, da história e da literatura para que o governo sempre esteja certo no que faz. Trago estes comentários à tona porque Orwell antecipou algo que ocorre em vários níveis da política nacional e da propaganda oficial. Exemplo disto é o slogan do governo do Dr. Hélio (“primeiro os que mais precisam”) e agora se descobre que primeiros foram os amigos do rei e da rainha. Quando o rei vem a público dar sua versão, reescreve a história (“nunca soube de nada”, “é golpe”, “é antecipação da disputa eleitoral”, etc.). E teve o desplante de dizer que não se devia esquecer que havia sido eleito duas vezes pela população e que tinha um mandato do povo para ficar no governo. Na sua nova versão de mandato, tal qual na Revolução dos bichos, o mandatário da Fazenda Sanasa se esqueceu que mandato era para ser honesto também. No momento em que se envolveu direta ou indiretamente com os desmandos, o seu mandato caiu por terra. E para confirmar a tese orwelliana, o mandatário a Fazenda Sanasa e habitante do Palácio dos Jequitibás, solta uma propaganda ilusionista, uma história cor-de-rosa da sua administração. O mesmo acontece com o PT e seus governos. O seguidor das diretrizes econômicas do anterior se torna o artífice da recuperação econômica. Quebra o sigilo de um cidadão inexpressivo, cai e volta como o articulador político da terceira versão PT no governo. O mensalão foi armação, corrupção passou a ser “recursos de campanha não contabilizados”, articulação política virou “balcão de negócios”, apoio do PMDB virou cargo na administração federal, sindicalista virou pelego. Orwell foi um profeta! No sentido de pré-feta: predisse! Marcos Inhauser