Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
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terça-feira, 3 de maio de 2011
UM DIÁCONO ÍMPAR
Ele era membro da igreja que eu pastoreava. Um dia, depois da Escola Dominical (aos domingos pela manhã) ele esperou que todos saíssem e todo desenxabido veio me pedir licença para morar na torre da igreja por alguns dias. Aquilo era um pombal, sujo, cheio de penas e alguns objetos descartados. Perguntei a razão do pedido e ele me disse que quando acordou naquele dia, percebeu que sua esposa e filho tinham ido embora, deixando só a cama para ele.
A situação era tanto mais aguda quando se sabia que ele era portador de hanseníase. Compadeci-me dele e disse que ele não podia morar na torre da igreja, mesmo por uns dias, mas que ele iria morar na minha casa. Eu tinha uma edícula vazia e para lá ele foi. Passou a ser parte da minha família pelo ano ou mais que ali morou. Tinha o dom de consertar pequenas coisas, de eletrônicos a aparelhos elétricos. Com as mãos deformadas pela enfermidade, com muito sacrifício fazia estes pequenos consertos. Mas parece que quanto mais difícil era, mais alegria ele mostrava ao servir às pessoas.
Este seu jeito serviçal e prestativo levou a diretoria a convidá-lo a morar nas dependências da igreja, sendo um diácono de tempo integral. Ali estava para servir aos que buscavam alguma ajuda, e aos membros que precisavam de alguém para pequenos consertos. Ele esteve ali por mais de cinco anos.
Certa feita, um moço japonês esteve na igreja no domingo à noite e o “Seu Pedro” veio me dizer que o conhecia e que ele estava pedindo para dar uma palavra à igreja. Estes pedidos eu os tinha a toda hora e costumava não atender. Mas não sei por que, naquele dia perguntei o que a pessoa queria dizer à igreja e o Seu Pedro disse que ele queria agradecer. Assenti e no meio do culto ele veio à frente e disse que queria agradecer à igreja por ter posto uma pessoa que tinha tempo para ficar sentado na soleira da porta e com disposição para ouvir. Ele contou que estava disposto a suicidar-se, que passou por ali, que recebeu um boa tarde tão caloroso que voltou, sentou e que ficou horas conversando, sem que Seu Pedro desse sinais de cansaço ou aborrecimento. E que voltou muitas outras vezes. Ele queria agradecer por estar vivo e por estar trabalhando e ter constituído família, graças às palavras simples de um homem simples.
Há outras histórias que eu poderia contar dele. Todas de um homem que soube ser amado pelo seu dom de serviço.
Deixei a igreja para atender a outro ministério e ele se casou novamente. A igreja construiu para ele uma casinha. Voltei e o encontrei várias vezes, sempre com seu sorriso e jeito prestativo. Na semana passada Seu Pedro faleceu. Morreu um homem simples com o dom do serviço e uma pessoa que aprendi a amar e admirar pela sinceridade do seu caminhar com Cristo.
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CURTOCIRCUITOS
A presidenta Dilma veio do setor energético para o governo. Já havia feito algo no sul e depois atuou na área como ministra de Minas e Energia. Lá foi ela colocada para fazer algo para que não se repetisse o apagão do governo FHC. Gerenciou a área como mão de ferra (isto é o que diziam) e o petismo alardeava o choque de gestão que a ministra deu ao setor.
Mal saída da área para um degrau acima na hierarquia governamental, a agora presidente colhe os primeiros frutos do seu choque de gestão, que entregou ao sarneysmo a área elétrica do país. O novamente ministro Edison Lobão, entende da área tanto quanto eu entendo de física quântica. A diferença é que não sou apadrinhado pelo coronel-mór da política brasileira.
Quando comecei a ouvir as notícias do apagão fiquei a pensar que o Maranhão, esta maravilha de estado brasileiro com um IDH de fazer inveja à Suécia, tinha também muita sorte, por ser o único estado do Nordeste que não foi premiado com a escuridão. Em seguida me lembrei que o capo da eletricidade comanda este Estado há décadas, que o seu preposto é o ministro e que uma estranha coincidência estava ocorrendo.
No dia seguinte, já nas primeiras horas, o ministro vem a público com números e dados afirmar que o sistema é robusto, que isto acontece em todos os países do mundo e que houve foi uma falha em um equipamento X, na subestação Y.
Tal como da vez anterior, quando uma subestação foi premiada com a culpa por um raio que caiu (e que os meteorologistas dizem que não havia tal evento na região naquela hora), agora um equipamentozinho qualquer promove a escuridão, apagando inclusive a iluminação na cabeça dos cientistas governamentais para serem mais coerentes com a explicação e os fatos.
Bem ao estilo do lulo-petismo, a presidenta nomeia uma comissão para tratar do assunto e sugerir medidas para evitar futuros eventos. Todos sabemos que a melhor coisa para não se fazer nada é nomear uma comissão, ainda mais governamental. Mas todos sabemos também que não há contingenciamento de verbas quando se trata de afagar o apetite de peemedebistas e outros correligionários, mas totalmente inversa é a verdade quando se trata de investir na infraestrutura, seja elétrica, aeroportuária, rodoviária, ferroviárias e etc.
Em meio ao apagão, corre solta a luta nos bastidores para saber quem fica com Furnas (dossiês correndo solto), indicações de gente que já teve o rabo preso com licitações obscuras, apadrinhamento transversal da família do coronel. O ministro Lobão se apressa em afirmar que "Foram decididos pelo ministro com o presidente da República. Não houve nem disputa nem loteamento".
E depois me criticam por acreditar em Papai Noel, Duendes e Santidade Parlamentar.
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MONITORANDO A TRAGÉDIA
Não me refiro à tragédia na região serrana do Rio de Janeiro. Nem à tragédia nas cidades de Minas. Nem mesmo às tragédias mais próximas em Socorro, Atibia, Bragança, Sousas, Hortolândia, Sumaré e outras mais.
Eu me refiro à tragédia da incompetência e incúria dos governos federal, estaduais e municipais em aprender com os fatos. Não é a primeira vez que catástrofes ocorrem, nem será a última. Outras virão, assim como outra existiram. Alguém me disse que são quase 40 delas nos últimos 14 anos. Nada, absolutamente nada foi feito para que haja mais prevenção e menos reparação quando elas ocorrem.
No morro do Bumba, em Niterói, as pessoas começam a voltar e a construir barracos nos locais em que podem e parte disto se deve ao fato de ter gente que esperando até hoje a tal verba do auxílio aluguel que nunca chegou. Em Blumenau, baixadas as águas, as pessoas voltaram para suas antigas casas porque nenhuma providência foi tomada e o que ofereciam para aluguel era insuficiente para alugar um barraco nas mesmas áreas de risco.
A Avenida Aricanduva em São Paulo é useira e vezeira nas manchetes de inundação e o que se tem feito?
Agora vem os políticos apresentar um Sistema Nacional de Prevenção de Catástrofes. Vamos examinar alguns detalhes.
Ele não é novo. Já havia sido apresentado em suas linhas gerais logo depois da catástrofe de Santa Catarina. E o que se fez de concreto? Alguém sabe? Os políticos poderão dizer que se comprou um supercomputador para monitorar com mais precisão as condições meteorológicas. E daí? Se os avisos da meteorologia avisando que cairiam chuvas em grande quantidade na região serrana não chegaram à população como agora se sabe, de que vale fazer a previsão se não produz a prevenção? Três prefeitos das cidades mais atingidas fazem um consórcio e o apresentam à mídia? Onde estava o governador que não participou? Onde o ministro? Onde os senadores do estado do Rio? Cadê o Bispo Crivela? Cadê o Lindemberg?
Há que se montar um Sistema de Prevenção monitorando a implementação do que estes políticos dizem na hora da catástrofe. Prometeram o plano, há que se montar um sistema cidadão de acompanhamento, denúncia, cobrança e fiscalização da execução disto que é do interesse de todos.
Há um sentimento de solidariedade para com os que estão sofrendo e muitos se mobilizam para prover água, comida, colchão, material de limpeza, etc. A mídia ajuda nisto. No entanto, não devemos achar que mandando uns litros de água, uns quilos de mantimento, vamos fazer a nossa parte. Fazemos na reparação temporária.
O que realmente vai contar é se, como cidadãos, adotarmos uma atitude de prevenção, de monitoramento, cobrando das autoridades ações preventivas. Há que se entupir as caixas postais de deputados, senadores, ministros, prefeitos e vereadores, cobrando deles ação preventiva. É ligar para estes políticos e exigir atitude deles. É parar quando são vistos na rua ou em espaços públicos e cobrar. É fazer com que a aparição pública deles seja indigesta pelas cobranças cidadãs. É exigir que se pronunciem sobre as ações que fizeram e estão fazendo e monitorar a veracidade da informação.
Proponho um Sistema Nacional de Prevenção da Incompetência Pública.
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DODINHA
Ela já completou cem anos de vida. Eu a conheci há sessenta anos. A nossa amizade tem a minha idade. Morávamos vizinhos e só uma cerca de bambu separava nossas casas. Ambas tinham quintais enormes. Na minha casa, minha mãe e avó plantavam flores que vendiam no dia de finados. No quintal da casa dela havia goiabeira, mangueira, abacateiro, jabuticabeira, café e até oliveira. Era uma chácara dentro da cidade.
Assim que aprendi a gatinhar, fugia para a casa da Dodinha (eu não conseguia pronunciar seu nome, Rosinha) e lá era recebido como Paquito e tinha liberdade para pesquisar o mundo de maneira que não era possível na minha casa. Foi lá que aprendi a subir em árvores e ver a cidade de cima. Era um dos poucos da minha idade que tinha esta visão “de cima”. Lá aprendi certas regras, como, por exemplo, o que podia tocar e o que não podia tocar, o que era diferente da minha casa, que também tinha suas regras, mas relativas a outras coisas. Foi lá que aprendi que uma coisa é minha casa, outra coisa é a casa do outro e que, por mais que sejamos sempre bem acolhidos, sempre será a casa do outro.
Foi lá, vendo o seu Zezinho e a Dodinha lendo jornais todo o santo dia, que aprendi a tomar gosto pelo jornal, ao ponto de haver iniciado meu trabalho em um jornal da cidade e escrever neste de Campinas por onze anos. Foi sentado na cozinha que contemplava uma coleção de latas de mantimentos que tinha uma moça segurando uma lata igual, que tinha uma moça segurando uma lata igual. Sempre me punha a imaginar quando seria a última. Era um exercício de pensar o infinito.
Na Dodinha eu via a mulher corajosa, que montava em cavalos e ia para a fazenda, sempre de botas e revólver na cintura. Exímia atiradora, nunca a vi atirando, mas me lembro que uma vez a ajudei a encontrar o que estava atacando o galinheiro e ela matou o gambá com dois tiros. Para mim, naquela idade, era um ato de extrema coragem.
Ela sempre foi uma mulher forte, de convicções, adiante do seu tempo. Nunca se curvou às dificuldades. Tanto que está com cem anos de vida e tenho passado horas escutando as histórias que conta, dando detalhes e datas de uma forma que eu, com menos idade, não consigo fazer.
Ela, ao lado de minha mãe e esposa, é uma das pessoas que mais me influenciaram na minha vida. Viver e crescer ao seu lado foi uma das grandes benção que tive na vida. Ter a sua casa como refugio foi algo que me marcou profundamente. À Dodinha, minha gratidão porque, além da amizade mais longeva que com ela tenho, ela faz parte da minha vida e família.
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MAGIA
Sei que o tema não é novo nesta minha coluna, vez que já o abordei outras vezes, ao longo destes onze anos. Trata-se da expectativa generalizada que se cria no final de ano de que, à meia noite do dia 31 e zero hora do dia 1º. as coisas mudam e para melhor.
Nada contra a renovação das esperanças, coisa salutar e necessária para vencer barreiras e obstáculos. O que me angustia e até me irrita e ver a quantidade de atitudes mágicas que se assomam, produzindo comportamentos os mais esdrúxulos. Uma comentarista de renome, filha de família de educadores e pastores, comentava hoje na rádio que ela se veste de branco na passagem de ano porque isto lhe dá sorte. A outra respondia que vestiria verde porque necessita de esperança.
Isto me faz recordar a mãe de amigos que tive na adolescência que, em pleno baile de réveillon, mal dadas as badaladas da meia noite, saía ela com uma marmita de lentilha a nos obrigava a comer, porque isto nos daria prosperidade no ano entrante. Pelo tanto de lentilha que comi deste jeito, deveria estar milionário. Mas qual o quê. O gerente do banco anda querendo saber quanto ganho para escrever esta coluna, porque quer que eu aumente os pagamentos mensais da dívida que tenho com a instituição.
Já estive na praia várias vezes na passagem de ano e não vi nada mais antiecológico que o que se faz nas areias durante o réveillon. Velas, taças quebradas, toneladas de flores lançadas ao mar, rojão de todo o tipo soltando fumaça até não se poder mais ver os fogos de artifício, gente bêbada. Tudo em nome de uma felicidade buscada na virada do ano.
Outra coisa que me irrita é que todo o ano é a mesma coisa: uma sucessão infindável de restrospectivas. Na televisão, na rádio, nas revistas, nos jornais. Parece que o mundo para, que se congelam os acontecimentos e todo mundo fica olhando e revendo o que passou. Mais que isto, a Globo, em um arroubo de criatividade, há mais de duas décadas coloca o mesmo cantor cantando as mesmas músicas que ouço desde a adolescência. Parece videotape.
Ainda tem os numerólogos, tarólogos, horoscopistas, astrólogos e tantos outros que a si mesmos se chamam de “videntes”, predizer o que será. Como ninguém tem como conferir e cobrar deles a veracidade ou chute de suas previsões, ano após ano eles desfilam o rosário de suas predições. No ano passado, elas diziam que o Brasil seria Hexacampeão em futebol. Só que ninguém conseguiu enxergar que nem os astros deram conta da teimosia e insensatez do Dunga.
Creio, ensino e faço a avaliação dos meus atos a cada período e fim de ano é um deles. Creio, ensino e renovo minhas esperanças, mesmo nas passagens de ano. Mas daí achar que as coisas vão acontecer milagrosamente, é uma distância enorme. Quem quiser crer na magia, que o creia. Eu prefiro crer no suor, na transpiração, no comprometimento, e, também, na benção de Deus.
Se isto é ser rabugento, a Ione tem razão.
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INICIATIVA
Uma coisa que não tenho ouvido ou lido com frequência sobre o Natal é que ele se trata essencialmente de uma reconciliação. A inimizade que o pecado trouxe e que separou o ser humano de Deus veio abaixo em um processo que se iniciou com o Natal.
Há que se salientar (e isto também não tenho visto suficientemente enfatizado) que a iniciativa para o Advento não teve nenhum concurso humano.
Ele tomou a iniciativa. E o fez quando quis e da forma como quis. No que pese a espera do povo em que um Messias viria, ninguém podia prever, nem determinar cooperativamente a forma como tal se daria. Deus fez do jeito que quis.
Isto mostra que Deus agiu em função da Sua graça. A Sua ação foi imotivada, não em resposta a isto ou aquilo que porventura alguém tenha feito, mas sim em função exclusiva da Sua vontade e amor.
O seu atuar foi inovador, criativo e, ao mesmo tempo, denunciador. Em uma sociedade machista onde as mulheres nem eram contadas como gente, Deus escolhe alguém para ser mãe sem o concurso de um homem. Ainda que vá contra a interpretação majoritária, especialmente a católica, eu não acredito que Maria tenha sido escolhida por ser merecedora, por ser alguém que estava sendo recompensada por suas atitudes ou comportamento. Acredito que era uma jovem tão comum como tantas outras. A única diferença é que nela a graça se manifestou.
Ela teve uma gravides não copular, não participativa do casal. Uma gravides que usou do vaso fraco (mulher, tal como era considerada na época) e desprezou o sexo forte, que se cria senhor e acontecedor das coisas. Não é para menos que José tenha querido fugir quando soube da gravidez inexplicada de sua esposa.
A anunciação não se deu nos palácios, junto aos poderosos. Antes, a graça se manifestou no impensado: um grupo de pastores em uma noite, a quem anjos cantaram as novas: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra para as pessoas ...”
Assim são as reconciliações e os processos de quebrar inimizades, trazer paz, viver em harmonia: alguém deve tomar a iniciativa! E deve fazê-lo mesmo quando as circunstâncias não favoreçam. Deve ser um ato de graça.
Isto se aplica às relações pessoais, profissionais, de gerência e liderança, a quem trabalha com gente, a quem tem a função de pensar no ser humano como um ser em relação com outros.
Que neste Natal a mensagem de reconciliação possa ser vivida neste dia e em todos os demais da vida e que a paz e harmonia sejam emanadas a partir das iniciativas em promover a paz a partir de onde você está e trabalha.
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LEGALMENTE ...
Dia destes estive em um restaurante e serviram caldeirada. Uma cumbuca de barro com toda sorte de frutos do mar, fervendo. Olhei e fiquei pensando quantas vezes somos iguais: um monte de coisas fervendo dentro da gente, frutos de todas as espécies.
Estou assim. Ontem completei sessenta e confesso que fiquei igual a uma caldeirada, fervendo vários sentimentos que se me afloraram.
De gratidão por ter chegado até aqui, mesmo depois de ter passado por dois sustos que me levaram à experiência de proximidade da morte. Um choque com contraste que me deu uma parada cardíaca e uma cirurgia que complicou e que achei que não sairia dela. De gratidão por ter vivido intensamente cada momento da vida, desfrutando das bênçãos. Por ter tido tão variadas experiências e oportunidades que meus netos não vão dizer que repito histórias. Por ter estado no ministério, de várias formas e maneiras, em um compromisso com o outro.
De ansiedade porque, para mim, a vida até os dezoito anos de idade parecia ser uma subida íngreme, demorada. Quando cheguei ao topo, era descida e a sensação que tenho que sou um caminhão carregado de experiências, morro a baixo, na banguela: cada vez com mais velocidade. Muitas vezes me sinto como um avião que está voando, mas que vou tomando consciência de que a gasolina está acabando e que mais cedo ou tarde, dependendo dos ventos e das condições meteorológicas, terei que aterrissar.
De indignação: por força de lei e imposição cultural, de um dia para o outro passo a ser idoso, ainda que não me sinta assim. É verdade que não me sinto um jovem de dezoito anos, mas idoso... Que raios deu na cabeça dos legisladores e dos categorizadores sociais, de que, por ter sessenta, tenho que ser visto como idoso. Pertenço a uma geração em que idoso era sinônimo de rabugice, de ranhetice. Sou da geração que viveu a mudança do paradigma do ranheta para o da melhoridade (eufemismo?).
Mas acho que o que mais me incomoda é que, por força de lei, agora estou em pé de igualdade com grávidas e deficientes. De um dia para o outro, eu que pegava filas nos bancos, posso ser atendido prioritariamente. Nada mudou em mim. Ainda tenho pernas e disposição para enfrentar as filas. Mas a lei parece que acha que da meia noite de um dia para o outro, me tornei inválido. Já rodei um bocado este mundo de meu Deus e não me lembro de haver visto esta jabuticaba de dar ao idoso os privilégios que aqui nos são dados. Não me lembro de estacionamento para idosos nos EUA, China ou Europa. Não me lembro de filas especiais e caixas dedicados a este segmento. Talvez porque ali se preza e se respeita o idoso. Aqui, nem com vaga demarcada respeitam.
A partir de hoje sou legalmente idoso. Sob protestos, mas desfrutando da idade.
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BANCOS E BANCOS
Na minha recente viagem à República Dominicana por algumas vezes tive que ir a uma agência bancária, acompanhando a pessoa que me hospedava. Confesso que fiquei surpreso e não pude deixar de considerar as diferenças entre o que vi e o que sofro.
A agência, de padrão médio no seu tamanho, tinha 14 caixas, com operadores em todos eles. Não havia ninguém na fila, quatro dos operadores estavam atendendo clientes e os outros 10 estavam esperando clientes. Em uma das vezes fiquei mais de duas horas esperando a solução de um problema de transferência internacional de dinheiro e não vi, em nenhum momento, formar-se fila para o atendimento.
Logo que chegamos à agência, meu amigo, um estadounidense, me informou que eu deveria tomar um café na agência, porque era o melhor que ele já havia tomado. Achei que era uma cafeteria interna que cobrava pelo café servido. Qual nada. Era café servido gratuitamente aos clientes.
O estacionamento amplo era gratuito.
Não havia a maldita porta giratória, mentira de detecção de metais existente na grande maioria das agências, que se trava segundo a vontade de um mal treinado segurança. Na verdade as portas giratórias detectam negros e mulheres, quase sem exceção parados e depenados de seus pertences antes que possam entrar.
Um amigo, não dominicano e não cliente do banco, precisava trocar um cheque em dólares para ter algo para gastar em moeda nacional. O banco girou o cheque sob a garantia do gringo que era cliente. E pagaram a cotização corrente, sem taxas ou outras cobranças subreptícias.
A transferência internacional de recursos para que a Conferência se realizasse se deu em menos de uma hora.
Ontem tive que ir a três agências bancárias brasileiras, de três bancos diferentes, dois estatais e um privado. Em todos eles só haviam três ou quatro caixas. Em um deles os três existentes estavam com operadores, mas que, quando perceberam que a fila diminuiu, passaram a fazer outras coisas e não atenderam mais, como se houvesse um número mínimo de clientes que devem ficar na fila, não importa o motivo. Nos outros dois, no que pese haver quatro caixas, em um não havia operador em um deles e no outro faltavam dois. A razão alegada quando perguntei, era que estavam em horário de almoço, no que pese ser este um dos horários de maior quantidade de clientes. Demorei em um deles 35 minutos para ser atendido. No outro, não havia dinheiro no caixa eletrônico dentro da própria agência!!!
Na minha frente havia um correntista tentando sacar um cheque próprio que era de outra agência e não lhe permitiram. Um título vencido só podia ser pago no banco emissor do bloqueto, no que pese a existência do código de barras, uma câmara de compensação de títulos e as instruções sobre multas e juros.
Não havia café, o banheiro, se existe, só um iluminado é quem sabe onde fica, o estacionamento é pago. E quando recebo o extrato, percebo que fui tungado em taxas e tarifas que só um iniciado em siglas e mutretas consegue entender.
Há bancos e bancos. No Brasil eles colocam bancos para a gente esperar sentado. E nós bancamos os maiores lucros da banca internacional.
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CIDADES DE PAZ
Estou aqui na República Dominicana para a Conferência de Igrejas Históricas da Paz, que reúne as três famílias denominacionais de igreja que historicamente tem trabalhado pela paz: a Irmandade, os Quáqueros e os Menonitas.
Gente vinda de 19 países se reuniu aqui naquilo que foi o berço da mal denominada colonização da América, quando em 1492, os espanhóis aqui chegaram e daqui se esparramaram pelo Continente, levando a cruz e a evangelização, e com ela a violência e a exploração.
Nesta terra das Américas muito se fez que atentou contra a paz, nos níveis individuais, familiares, sociais, religiosos. Ouro foi levado aos montes para a Europa e populações inteiras de indígenas foram dizimadas, como o que ocorreu em Cuba e República Dominicana, e outros poucos sobraram em outros países.
Nesta América se teve a primeira nação livre e negra, o Haiti, formada por escravos que haviam sido trazidos para as plantações de cana. Chama atenção o fato de, no que pese o fato de ser a mais antiga nação livre da América e quase totalmente negra, é até o hoje a mais pobre desta América. Não posso deixar de mencionar que sempre achei que esta situação se deve à discriminação racial que se fez e faz em relação a esta nação.
Uma coisa me chamou a atenção: o nível de violência nas cidades latino americanas, os mais altos do mundo. Em parte isto de deve ao tráfico, em parte à corrupção, em parte a uma cultura de violência em que fomos criados e que se perpetua nos meios de comunicação. Mas não poderia deixar de mencionar e ressaltar que também isto se deve à omissão das igrejas que tem pregado um evangelho alienante e alienado, insistindo na salvação das almas e na prosperidade mágica, mas deixando de lado o cerne de que o evangelho é boa nova de paz.
João Driver, teólogo latino americano que tem se notabilizado por sua contribuição sobre a teologia da paz, afirmou aqui nesta Conferência: “se o que pregamos não é o evangelho da paz, não pregamos evangelho algum”. E esta paz não é só a paz com Deus, mas a paz que se estende ao próximo e estabelece novas relações, elimina barreiras, quebra inimizades, perdoa ofensas e dívidas.
Queremos que nossas cidades tenham paz e para tê-la precisamos pregar a paz que o evangelho traz, perdoar e restabelecer relações. Não é uma questão de prosperidade: é uma questão de acabar com a inimizade.
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POR QUE, VOVÔ?
Dia destes sai com meu neto para ir ao mercadinho e andamos pela rua até lá. Ao caminhar, passamos por um local onde pessoas se sentam debaixo de uma árvore para almoçar. No local havia papel, marmitex e garrafa pet jogados ao léu.
Ele ficou indignado e me perguntou: “por que as pessoas sujam o planeta? Será que eles não sabem que isto faz mal para eles e para os outros? Custa muito colocar as coisas no lixo?”
Mal tinha acabado de me perguntar estas coisas, ele pegou a garrafa pet na mão. Eu perguntei o que iria fazer com ela, ao que me respondeu: ”encontrar um lixo para jogar”.
Devo alertar que se trata de uma criança de cinco anos.
O fato me fez refletir e concluir algumas coisas. A primeira delas é que há escolas que estão seriamente empenhadas em ensinar seus alunos a considerar a questão do lixo, da poluição e da ecologia. Graças a Deus ele participa de uma destas escolas.
A segunda é que estes temas não passavam nem ao longe das temáticas que foram abordadas no meu tempo de escola, em nenhum dos graus que cursei, nem mesmo no mais recente, quando do doutorado.
A terceira é que, graças a Deus, há uma nova mentalidade que vem surgindo e ganhando corpo nas novas gerações. Meu neto não é caso isolado. Em muitas oportunidades vi reportagens sobre escolas que estão trabalhando seriamente a temática, crianças que estão crescendo com consciência ecológica, pais conscientes que estão passando isto aos filhos.
A quarta é que há na nova geração uma crítica ao comportamento de adultos que não tem tal consciência. Ele logo perguntou, em tom acusatório, sobre a irresponsabilidade dos que ali fazem seu tempo de descanso diário. Se até a algum tempo os valores que os pais deviam deixar aos seus filhos e netos era a honradez, honestidade e trabalho, hoje, além destas há o cuidado ecológico. As novas gerações, em um tempo não muito no futuro, vão olhar o estrago que estamos fazendo e vão nos acusar de ter destruído o planeta, inviabilizando a vida saudável dele e deles.
Confesso que me arrepia pensar no mundo em que meus netos vão viver quando adultos. Dois estão morando em Beijing, uma das cidades mais poluídas do mundo. É verdade que o governo está tentando fazer algo para reverter o quadro (eu já escrevi sobre isto aqui nesta coluna). Os outros dois estão vivendo em Valinhos, menos poluído. Mas o que será do mundo deles daqui a 20 anos?
Se nossos filhos e netos nos acusarem de irresponsabilidade, a carapuça estará na medida exata da nossa cabeça, porque muito pouco estamos fazendo para minorar o dano.
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