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terça-feira, 3 de maio de 2011

DODINHA

Ela já completou cem anos de vida. Eu a conheci há sessenta anos. A nossa amizade tem a minha idade. Morávamos vizinhos e só uma cerca de bambu separava nossas casas. Ambas tinham quintais enormes. Na minha casa, minha mãe e avó plantavam flores que vendiam no dia de finados. No quintal da casa dela havia goiabeira, mangueira, abacateiro, jabuticabeira, café e até oliveira. Era uma chácara dentro da cidade. Assim que aprendi a gatinhar, fugia para a casa da Dodinha (eu não conseguia pronunciar seu nome, Rosinha) e lá era recebido como Paquito e tinha liberdade para pesquisar o mundo de maneira que não era possível na minha casa. Foi lá que aprendi a subir em árvores e ver a cidade de cima. Era um dos poucos da minha idade que tinha esta visão “de cima”. Lá aprendi certas regras, como, por exemplo, o que podia tocar e o que não podia tocar, o que era diferente da minha casa, que também tinha suas regras, mas relativas a outras coisas. Foi lá que aprendi que uma coisa é minha casa, outra coisa é a casa do outro e que, por mais que sejamos sempre bem acolhidos, sempre será a casa do outro. Foi lá, vendo o seu Zezinho e a Dodinha lendo jornais todo o santo dia, que aprendi a tomar gosto pelo jornal, ao ponto de haver iniciado meu trabalho em um jornal da cidade e escrever neste de Campinas por onze anos. Foi sentado na cozinha que contemplava uma coleção de latas de mantimentos que tinha uma moça segurando uma lata igual, que tinha uma moça segurando uma lata igual. Sempre me punha a imaginar quando seria a última. Era um exercício de pensar o infinito. Na Dodinha eu via a mulher corajosa, que montava em cavalos e ia para a fazenda, sempre de botas e revólver na cintura. Exímia atiradora, nunca a vi atirando, mas me lembro que uma vez a ajudei a encontrar o que estava atacando o galinheiro e ela matou o gambá com dois tiros. Para mim, naquela idade, era um ato de extrema coragem. Ela sempre foi uma mulher forte, de convicções, adiante do seu tempo. Nunca se curvou às dificuldades. Tanto que está com cem anos de vida e tenho passado horas escutando as histórias que conta, dando detalhes e datas de uma forma que eu, com menos idade, não consigo fazer. Ela, ao lado de minha mãe e esposa, é uma das pessoas que mais me influenciaram na minha vida. Viver e crescer ao seu lado foi uma das grandes benção que tive na vida. Ter a sua casa como refugio foi algo que me marcou profundamente. À Dodinha, minha gratidão porque, além da amizade mais longeva que com ela tenho, ela faz parte da minha vida e família.

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