Há uma benção no silêncio!
Há sabedoria no silêncio!
Não me refiro ao silêncio do ficar sem falar, sem conversar,
mas no silêncio do escutar.
Vivemos tempos de muitos ruídos, tempos de muita distração,
tempos de foco em tudo e todos. O tempo todo estamos atentando para algo ou
escutando algo. No trânsito, para as placas e os radares mil que os colocam em
lugares traiçoeiros. Ao andar na rua, prestamos atenção a quem nos acompanha,
quem anda atrás de nós, com medo de estarmos sendo seguidos e roubados.
Entramos em casa e a primeira coisa que muitos de nós fazemos é ligar a
televisão. Há quem durma de televisão ligada, porque o silêncio da noite
incomoda. Onde estamos nos fazemos acompanhar do celular e a toda hora o
olhamos para saber se alguém deixou recado, curtiu o que postamos ou se há
alguma bomba no noticiário.
Vamos aos barzinhos e lá, não bastasse o barulho das
conversas, precisa haver alguém tocando algo (muitas vezes de mal gosto e
desafinado) ou há um “som ambiente”, maldita música que atrapalha a conversa,
porque somos obrigados a gritar para sermos ouvidos.
Parece que não gostamos do silêncio. Ele nos incomoda. Ficar
em silêncio e ouvir o silêncio (sim: ouvir o silêncio) é algo aterrador. Será
mesmo?
Lembro-me da infância quando, por muitas vezes ia dormir na
casa da minha tia, no sítio. Desde pequeno tive problemas para dormir sonos
regulares. Muitas vezes, por demorar para dormir, ficava a ouvir o coaxar dos
sapos ou o coral de grilos. Lembro-me que, muitas vezes em que estive a “ouvir
o silêncio”, ficava prestando atenção nos sons, se eram da natureza ou
produzidos. Aprendi a encontrar paz ao ouvir só o que a natureza produz de
sons: vento, farfalhar das folhas, o canto dos pássaros, o piar das corujas,
etc.
Também me assustei com o silêncio absoluto. Por pouco tempo
morei em São Paulo, bem no centro de um quarteirão, cercado de prédios ao
redor. À noite não se escutava nada, absolutamente nada. Foi quando fiquei com
medo de escutar o sangue correndo pelo corpo. Nunca mais quis ter esta
experiência. O silêncio absoluto me assustou.
Só no silêncio temos a oportunidade de olhar para nós, de
prestar atenção em nós mesmos. Só no silêncio temos a oportunidade de olhar
para dentro e descobrir quem somos. No silêncio estabelecemos uma conversa com
o nosso “eu mais interior” e o eu que mostramos à sociedade. No silêncio
estabelecemos um diálogo existencial: o nosso eu (o “eu mesmo”) critica o “eu
social” porque o vê como ator que se ajusta à peça em que deve atuar. O “eu
social” critica o “eu interior” dizendo que é intolerante, inflexível, imoral,
inconsequente, e outra quantidade de palavras começadas com “in...”
No silêncio nos descobrimos, nos damos a conhecer a nós
mesmos. Sem o silêncio, sem o diálogo interior que ele propicia, a identidade
se perde no turbilhão dos modismos, somos o que os outros querem que sejamos.
Não sou médico nem psicólogo, mas acho que a avalanche de
depressões que estamos vendo se deve a esta falta de tempo para ficar em
silêncio. A depressão é o grito do corpo e da alma pedindo tempo para dialogar
consigo mesmo. Lamentavelmente é um diálogo perturbado pelas exigências, pelo
constante ouvir gente dizendo “levante a cabeça”, “você precisa reagir”, etc.
Preciso do meu tempo de silêncio. Eu o tenho com certa regularidade,
ainda que o faça ouvindo música, o que tem o condão de me empurrar para dentro
de mim mesmo. A música a sós é um solavanco que me derruba dentro de mim mesmo.
Marcos Inhauser