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quarta-feira, 16 de setembro de 2020

ALEGRIA E TRISTEZA

Há várias propostas de abordagem ao livro bíblico de Eclesiastes, o livro do Sábio: um cético, um desiludido, um desesperado, um filósofo da mediocridade ou ainda um pregador da alegria. Tenho para comigo que o autor é uma pessoa de idade, experiente nos percalços da vida, que terminava seus dias sem entusiasmo e descontente com o que havia vivido. Um deprimido? Talvez. Um amargurado? Provavelmente. Uma pessoa triste? Com certeza. Um sábio? Sem dúvida. De uma coisa todos concordamos: ele era tão humano quanto nós, porque ao lê-lo nos identificamos com suas experiências, frustrações e conclusões. Isto é ainda mais verdadeiro quando se refere ao binômio alegria/tristeza.

O Sábio afirma que “tudo neste mundo tem o seu tempo; cada coisa tem a sua ocasião.... Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar; tempo de chorar e tempo de dançar. Ao colocar alegria e tristeza como não concomitantes no tempo, mostra a impossibilidade de alguém sentir-se triste e alegre ao mesmo tempo. Quando passamos por tristezas, ainda que haja algum motivo para alegria, parece que ela sufoca ou nos cega para as coisas boas. Quando há motivo de alegria e em seguida surge algo que nos entristece, parece que a tristeza tem mais força que a alegria e prevalece nos nossos sentimentos.

Por mais que fujamos da tristeza, há um tempo para ela na vida. Não escolhemos ficar tristes. Alegria e tristeza são sentimentos que surgem em decorrência das circunstâncias, quase todas fora de nosso controle. Não há quem não busque a alegria e que não fuja da tristeza e mesmo assim a tristeza ocorre. E não há quem não queira eternizar a alegria e mesmo assim não consegue.

Se há tempo para tristeza e alegria, significa que elas não são eternas. No dizer do salmista,o choro pode durar a noite inteira, mas de manhã vem a alegria” (30:5). A tristeza pode durar um tempo, mas não é eterna.

Há uma diferença na percepção humana da alegria e da tristeza: a alegria é sempre passageira e a tristeza duradoura. A alegria tem a estranha capacidade de nos anestesiar para as demais coisas da vida. O Sábio diz que “você não sentirá o tempo passar, pois Deus encherá o seu coração de alegria” (5:20). Ela nos inebria e só pensamos na causa da nossa alegria.

A tristeza, por sua vez, tem a capacidade de aguçar nossos sentidos, nos colocar em alerta geral, fazer pensar na causa da tristeza e em todas as consequências que ela traz.

O salmista diz ainda que a tristeza se aguça à noite: Estou cansado de chorar. Todas as noites a minha cama se molha de lágrimas, e o meu choro encharca o travesseiro (6:6). A tristeza tem a capacidade de ser mais aguda quando queremos dormir. É quando ela dói mais, que a cama se transforma em espinheiros e o travesseiro em pedra.

A vida é cheia de alegrias e tristeza e nenhuma das duas é eterna. O Sábio inverte esta lógica chamando a atenção para os perigos da alegria e para os benefícios da tristeza. Ao fazê-lo redimensiona a percepção destes sentimentos e nos dá a chance de tirar lições para viver sabiamente.
Marcos Inhauser

 

quarta-feira, 25 de julho de 2018

A BENÇÃO DO SILÊNCIO


Há uma benção no silêncio!
Há sabedoria no silêncio!
Não me refiro ao silêncio do ficar sem falar, sem conversar, mas no silêncio do escutar.
Vivemos tempos de muitos ruídos, tempos de muita distração, tempos de foco em tudo e todos. O tempo todo estamos atentando para algo ou escutando algo. No trânsito, para as placas e os radares mil que os colocam em lugares traiçoeiros. Ao andar na rua, prestamos atenção a quem nos acompanha, quem anda atrás de nós, com medo de estarmos sendo seguidos e roubados. Entramos em casa e a primeira coisa que muitos de nós fazemos é ligar a televisão. Há quem durma de televisão ligada, porque o silêncio da noite incomoda. Onde estamos nos fazemos acompanhar do celular e a toda hora o olhamos para saber se alguém deixou recado, curtiu o que postamos ou se há alguma bomba no noticiário.
Vamos aos barzinhos e lá, não bastasse o barulho das conversas, precisa haver alguém tocando algo (muitas vezes de mal gosto e desafinado) ou há um “som ambiente”, maldita música que atrapalha a conversa, porque somos obrigados a gritar para sermos ouvidos.
Parece que não gostamos do silêncio. Ele nos incomoda. Ficar em silêncio e ouvir o silêncio (sim: ouvir o silêncio) é algo aterrador. Será mesmo?
Lembro-me da infância quando, por muitas vezes ia dormir na casa da minha tia, no sítio. Desde pequeno tive problemas para dormir sonos regulares. Muitas vezes, por demorar para dormir, ficava a ouvir o coaxar dos sapos ou o coral de grilos. Lembro-me que, muitas vezes em que estive a “ouvir o silêncio”, ficava prestando atenção nos sons, se eram da natureza ou produzidos. Aprendi a encontrar paz ao ouvir só o que a natureza produz de sons: vento, farfalhar das folhas, o canto dos pássaros, o piar das corujas, etc.
Também me assustei com o silêncio absoluto. Por pouco tempo morei em São Paulo, bem no centro de um quarteirão, cercado de prédios ao redor. À noite não se escutava nada, absolutamente nada. Foi quando fiquei com medo de escutar o sangue correndo pelo corpo. Nunca mais quis ter esta experiência. O silêncio absoluto me assustou.
Só no silêncio temos a oportunidade de olhar para nós, de prestar atenção em nós mesmos. Só no silêncio temos a oportunidade de olhar para dentro e descobrir quem somos. No silêncio estabelecemos uma conversa com o nosso “eu mais interior” e o eu que mostramos à sociedade. No silêncio estabelecemos um diálogo existencial: o nosso eu (o “eu mesmo”) critica o “eu social” porque o vê como ator que se ajusta à peça em que deve atuar. O “eu social” critica o “eu interior” dizendo que é intolerante, inflexível, imoral, inconsequente, e outra quantidade de palavras começadas com “in...”
No silêncio nos descobrimos, nos damos a conhecer a nós mesmos. Sem o silêncio, sem o diálogo interior que ele propicia, a identidade se perde no turbilhão dos modismos, somos o que os outros querem que sejamos.
Não sou médico nem psicólogo, mas acho que a avalanche de depressões que estamos vendo se deve a esta falta de tempo para ficar em silêncio. A depressão é o grito do corpo e da alma pedindo tempo para dialogar consigo mesmo. Lamentavelmente é um diálogo perturbado pelas exigências, pelo constante ouvir gente dizendo “levante a cabeça”, “você precisa reagir”, etc.
Preciso do meu tempo de silêncio. Eu o tenho com certa regularidade, ainda que o faça ouvindo música, o que tem o condão de me empurrar para dentro de mim mesmo. A música a sós é um solavanco que me derruba dentro de mim mesmo.
Marcos Inhauser