Há várias propostas de abordagem ao livro bíblico de Eclesiastes, o livro do Sábio: um cético, um desiludido, um desesperado, um filósofo da mediocridade ou ainda um pregador da alegria. Tenho para comigo que o autor é uma pessoa de idade, experiente nos percalços da vida, que terminava seus dias sem entusiasmo e descontente com o que havia vivido. Um deprimido? Talvez. Um amargurado? Provavelmente. Uma pessoa triste? Com certeza. Um sábio? Sem dúvida. De uma coisa todos concordamos: ele era tão humano quanto nós, porque ao lê-lo nos identificamos com suas experiências, frustrações e conclusões. Isto é ainda mais verdadeiro quando se refere ao binômio alegria/tristeza.
O Sábio afirma que “tudo neste mundo tem o seu tempo; cada coisa tem a sua ocasião....
Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar; tempo de chorar e tempo de
dançar. Ao
colocar alegria e tristeza como não concomitantes no tempo, mostra a
impossibilidade de alguém sentir-se triste e alegre ao mesmo tempo. Quando
passamos por tristezas, ainda que haja algum motivo para alegria, parece que
ela sufoca ou nos cega para as coisas boas. Quando há motivo de alegria e em
seguida surge algo que nos entristece, parece que a tristeza tem mais força que
a alegria e prevalece nos nossos sentimentos.
Por mais que fujamos da tristeza, há um tempo para ela na
vida. Não escolhemos ficar tristes. Alegria e tristeza são sentimentos que surgem
em decorrência das circunstâncias, quase todas fora de nosso controle. Não há
quem não busque a alegria e que não fuja da tristeza e mesmo assim a tristeza
ocorre. E não há quem não queira eternizar a alegria e mesmo assim não
consegue.
Se há
tempo para tristeza e alegria, significa que elas não são eternas. No dizer do
salmista, “o choro pode durar a
noite inteira, mas de manhã vem a alegria” (30:5). A tristeza pode durar
um tempo, mas não é eterna.
Há uma diferença na percepção
humana da alegria e da tristeza: a alegria é sempre passageira e a tristeza
duradoura. A alegria tem a estranha capacidade de nos anestesiar para as demais
coisas da vida. O Sábio diz que “você não sentirá o tempo passar, pois Deus
encherá o seu coração de alegria” (5:20). Ela nos inebria e só pensamos na
causa da nossa alegria.
A tristeza, por sua vez, tem a
capacidade de aguçar nossos sentidos, nos colocar em alerta geral, fazer pensar
na causa da tristeza e em todas as consequências que ela traz.
O salmista diz ainda que a
tristeza se aguça à noite: Estou cansado de chorar. Todas as noites a minha
cama se molha de lágrimas, e o meu choro encharca o travesseiro (6:6). A tristeza tem a
capacidade de ser mais aguda quando queremos dormir. É quando ela dói mais, que
a cama se transforma em espinheiros e o travesseiro em pedra.
A vida é cheia de alegrias e tristeza e nenhuma das duas é
eterna. O Sábio inverte esta lógica chamando a atenção para os perigos da
alegria e para os benefícios da tristeza. Ao fazê-lo redimensiona a percepção
destes sentimentos e nos dá a chance de tirar lições para viver sabiamente.
Marcos Inhauser