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quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

DO CRISTO NASCIDO AO PREGADO

Para quem não é fundamentalista não é difícil aceitar que os evangelhos não são diários da vida de Jesus, ao estilo de notícia de jornal, nem mesmo uma narrativa feita com o correr dos dias. Sabe-se hoje (com muita probabilidade de acerto) que nem mesmo circulou um relato escrito sobre a vida e milagres de Jesus enquanto o mesmo viveu. Aceita-se hoje que houve dois documentos que serviram de base para os evangelhos: a Logia Jesu e o Proto-Marcos, a primeira contendo as frases de Jesus e o segundo os milagres. Estes dois serviram de consulta e material para que Marcos escrevesse seu evangelho, que foi o primeiro a ser escrito. Baseado em Marcos, Logia e Proto-Marcos, Mateus e Lucas escreveram os seus relatos.
No entanto há uma coisa comum a todos os evangelhos e a toda a teologia neotestamentária: Jesus nasceu e viveu sem pompa, sem alarde, de forma humilde, filho de família pobre, que trabalhava arduamente para seu sustento, como era comum em um país dominado pelo império. No dizer de Jesus, ele não tinha onde reclinar sua cabeça. Viveu das ofertas dadas e guardadas sob a custódia de Judas, que se mostrou um ladrão. Para a última Ceia teve um local emprestado. Para sua sepultura, teve um túmulo cedido porque sua família não o tinha.
Comeu com pecadores e foi criticado por isto. Recebeu prostitutas e coletores de impostos, mas, ao que se saiba, nunca disseram que os apoiava ou deles recebia algo. Quem lhe prometeu prosperidade foi aquele que, na tentação, lhe disse: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4:9). Ele mesmo nunca prometeu riquezas, antes, pelo contrário, disse que “neste mundo teríamos aflições”. Não prometeu sucesso, mesmo porque o discipulado é custoso.
Nunca se soube que tenha recebido uma oferta de R$ 100.000,00 por uma oração feita, nem que tenha feito ou publicado algo para vender como forma de arrecadação para seu ministério. Quando foi preso, não teve um ataque histérico dizendo que era malandragem, molecagem, nem falou pelos cotovelos. Diante de Pilatos e de sua pergunta, se limitou a dizer; “tu o dizes”, ainda que a afirmação fosse verdadeira. “Como ovelha muda foi levado ao matadouro”, para usar as palavras do profeta Isaias.
Não era afeito às multidões, antes buscava o lugar ermo, solitário. É verdade que teve multidões para ouvi-lo, não porque fizesse campanhas, cruzadas, novenas ou semana da oração milagrosa. Não frequentou palácios, nem mesmo para orar pelos governantes. Esteve em um momento político e econômico delicado para a nação de Israel, mas, com exceção da frase “diga àquela raposa que eu expulso demônios” dirigida a Herodes, não foi sua pregação eivada de crítica ou de propostas salvadoras. Sua vida era uma mensagem porque vivida com o povo, atendendo suas necessidades e não voando em jatos particulares, frequentando sets de televisão ou debaixo de holofotes. Não foi amigo de poderosos, nem mesmo do sumo sacerdote ou outros religiosos. Antes denunciou a prática religiosa deles e dos fariseus, escribas e doutores da lei.
Não aceitou o título de Mestre, Rabi ou seja lá o que for. A si mesmo se chamou de Filho do homem, um título mais para pejorativo que para elogioso.
Nasceu na manjedoura e morreu na cruz. Viveu sem ter onde reclinar a cabeça. Foi acusado injustamente e não se defendeu histrionicamente.
Neste Advento, que esta humildade, singeleza, desprovimento, nos dê parâmetros para avaliar o que anda acontecendo no universo religioso brasileiro e para vivermos o seu ensinamento: “amarás ao Senhor teu Deus sobre todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo”.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de maio de 2013

NÃO UM ZÉ: O ZÉ


Eu o conheci há mais de 30 anos. Estávamos em um encontro e um dos preletores faltou. Foi quando ele disse que tinha um texto que poderia ser lido. Nunca me esqueço: O Primeiro De(s)maio, um trocadilho sobre as condições do trabalho e o dia primeiro de maio, dia do Trabalhador.
Depois disto nos encontramos incontáveis vezes, seja em reuniões, conferências, seminários ou tomando um chopp. Cada vez que eu o ouvia falar e compartilhar suas ideias minha admiração por ele crescia.
Por duas vezes eu tive a honra de apresenta-lo como conferencista. Falei o que pensava dele: uma cabeça brilhante, um poeta, um artista das palavras e dos conceitos, hábil no uso das metáforas, etc.
Certa feita eu o convidei para falar sobre a história do pensamento humano (não podia dizer que era história da filosofia porque o auditório religioso era extremamente conservador). No caminho para o salão encontramos uma senhora e eu o apresentei como Doutor José. Ela mal tinha se afastado ele me deu uma bronca: “Marcão, não quero mais que você me apresente do jeito que você faz. Quando você for me apresentar, diga que sou o Zé. Nada mais.” “Mas Zé...” tentei retrucar e ele foi enfático: “Só Zé. Nada mais. Entendido?”
Eu já tinha preparado o discurso de apresentação. Ia dizer que era autor do livro Corpoética, Cosquinhas no Umbigo da Filosofia, Papo de Boteco e outras coisas mais. Fiquei mudo. Fiz o que ele me pediu: “aqui está o Zé”.
O grupo cantou um hino que dizia: “é mui certo que a gente tropeça, por isso Senhor, eu preciso de ti./Bem sei que nas preces eu posso buscar-te / Jamais dessa bênção na vida eu descri, / Contudo, é possível que eu dela me aparte / Por isso Senhor eu preciso de ti.”
Ele começou dizendo: “este sou eu. Já tropecei, já me apartei. Peço a vocês para não acreditarem no que vou dizer, mas que examinem e só aceitem aquilo que entenderem ser certo.”
Começou com os pré-socráticos e veio desfilando até o existencialismo. Eu estava abismado porque o auditório, que eu tinha certeza teria resistências, estava participando, fazendo perguntas, etc.
No período da tarde veio o segundo preletor. Começou dizendo que queria fazer algumas observações sobre o que o Zé havia dito, porque podia dar lugar a interpretações heréticas. E começou a desfilar um rosário de certezas e jactância.
Uma hora de palestra do segundo orador, o presidente do grupo veio até mim e perguntou: “Não dá para fazer este cara calar e colocar o Zé no lugar dele?”
Perguntei ao Zé, depois, porque não queria que o apresentasse da forma como queria. Ele me disse duas coisas que me marcaram: “primeiro que você exagera. E quando você exagera as pessoas ficam esperando a fala de um gênio. E eu não o sou. Dizendo que sou o Zé, qualquer coisa que vier depois disto é lucro.”
Não vou dar o nome completo dele para não levar outra bronca. Mas quem quiser saber quem é, me escreva que eu conto. Isto o Zé não pode me proibir....... E o faço como gratidão pelo muito que com ele aprendi e tenho aprendido. 
Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

MARIA AVELAR

Minha esposa diz que ela assim se chamava, ainda que eu creia que era Alvear. Ela era membro da primeira igreja que pastoreei, a da Vila Espanhola. Magra, doente, Maria Avelar era uma destas raras pessoas que é impossível estar junto sem se sentir ao lado de uma pessoa especial. Não sei quantas enfermidades ela tinha, mas era bem doente. Muitas vezes fui à sua casa e a vi debruçada sobre a máquina de costura, meio desfalecida. Por causa das enfermidades decidi que todos os domingos iria levá-la de carro para a igreja e trazê-la de volta à sua casa. No que pese sua condição de saúde, ela “costurava para fora”, não porque fosse necessário, mas “para ajudar os outros com uns trocados”. Ela tinha uma genuína alegria em ajudar quem precisasse. Além disto, tinha sabedoria e discernimento na alocação destes parcos recursos e eles sempre chegavam em momento mais que oportuno, do que eu e minha família somos testemunhas. Um dia ela me contou uma história impressionante e o fez na ingenuidade e simplicidade que lhe eram características. Vivia ela no estado de Goiás, em uma cidadezinha “destas que só tem uma rua e a cidade mais perece uma lingüiça. Eu morava em uma ponta da cidade e a igreja era na outra, de modo que eu tinha que atravessar a cidade todos os domingos para ir à igreja.” Maria Avelar tinha uma vizinha que ela muitas vezes convidou para ir junto à Igreja. Certo dia “ao convidar a vizinha, ela me disse: eu vou se você me prometer uma coisa. Que coisa?, perguntei. Prometa e eu te digo. Eu aceitei o desafio. Ela então me disse que iria à igreja no domingo comigo se eu fosse com ela tendo um pé calçado com salto alto e o outro descalço. Eu disse: tá bom, eu faço isto por você”. No domingo à tarde lá estava Maria na frente da casa da vizinha, tal como ela lhe havia pedido. A cidade o sabia do que ia acontecer e todos estavam para ver a mulher atravessando a cidade mancando, em um espetáculo ridículo. “Pastor, eu pensei: tô levando uma pessoa para conhecer o amor de Deus. Nada pode ser ridículo. Levantei a cabeça e, como se nada estivesse errado, fui andando e cumprimentando as pessoas que vieram para ver-me. E lá fomos nós atravessando a cidade. Não deu tempo de chegar à igreja, a vizinha estava chorando. Ela me abraçou e disse: se este Deus me ama a ponto de te dar amor para você fazer isto por mim, eu quero saber mais do amor deste Deus”. Até hoje me emociono quando relembro esta história. Nunca mais ouvi falar da Maria Avelar. E lá se vão mais de trinta anos. Ela nunca foi à rádio ou à televisão se exibir por este ato. Cristão como ela é o que a sociedade precisa. A mão direita não soube o que fez a esquerda e conto isto hoje para que seu exemplo seia imitado. Marcos Inhauser