Eu o conheci há
mais de 30 anos. Estávamos em um encontro e um dos preletores faltou. Foi
quando ele disse que tinha um texto que poderia ser lido. Nunca me esqueço: O
Primeiro De(s)maio, um trocadilho sobre as condições do trabalho e o dia
primeiro de maio, dia do Trabalhador.
Depois disto nos
encontramos incontáveis vezes, seja em reuniões, conferências, seminários ou
tomando um chopp. Cada vez que eu o ouvia falar e compartilhar suas ideias
minha admiração por ele crescia.
Por duas vezes
eu tive a honra de apresenta-lo como conferencista. Falei o que pensava dele:
uma cabeça brilhante, um poeta, um artista das palavras e dos conceitos, hábil
no uso das metáforas, etc.
Certa feita eu o
convidei para falar sobre a história do pensamento humano (não podia dizer que
era história da filosofia porque o auditório religioso era extremamente
conservador). No caminho para o salão encontramos uma senhora e eu o apresentei
como Doutor José. Ela mal tinha se afastado ele me deu uma bronca: “Marcão, não
quero mais que você me apresente do jeito que você faz. Quando você for me
apresentar, diga que sou o Zé. Nada mais.” “Mas Zé...” tentei retrucar e ele
foi enfático: “Só Zé. Nada mais. Entendido?”
Eu já tinha
preparado o discurso de apresentação. Ia dizer que era autor do livro
Corpoética, Cosquinhas no Umbigo da Filosofia, Papo de Boteco e outras coisas
mais. Fiquei mudo. Fiz o que ele me pediu: “aqui está o Zé”.
O grupo cantou um hino que dizia: “é mui certo que a gente tropeça, por isso Senhor, eu preciso de ti./Bem sei
que nas preces eu posso buscar-te / Jamais
dessa bênção na vida eu descri, / Contudo,
é possível que eu dela me aparte / Por
isso Senhor eu preciso de ti.”
Ele começou
dizendo: “este sou eu. Já tropecei, já me apartei. Peço a vocês para não
acreditarem no que vou dizer, mas que examinem e só aceitem aquilo que entenderem
ser certo.”
Começou com os
pré-socráticos e veio desfilando até o existencialismo. Eu estava abismado
porque o auditório, que eu tinha certeza teria resistências, estava
participando, fazendo perguntas, etc.
No período da
tarde veio o segundo preletor. Começou dizendo que queria fazer algumas
observações sobre o que o Zé havia dito, porque podia dar lugar a
interpretações heréticas. E começou a desfilar um rosário de certezas e
jactância.
Uma hora de
palestra do segundo orador, o presidente do grupo veio até mim e perguntou:
“Não dá para fazer este cara calar e colocar o Zé no lugar dele?”
Perguntei ao Zé,
depois, porque não queria que o apresentasse da forma como queria. Ele me disse
duas coisas que me marcaram: “primeiro que você exagera. E quando você exagera
as pessoas ficam esperando a fala de um gênio. E eu não o sou. Dizendo que sou
o Zé, qualquer coisa que vier depois disto é lucro.”
Não vou dar o
nome completo dele para não levar outra bronca. Mas quem quiser saber quem é,
me escreva que eu conto. Isto o Zé não pode me proibir....... E o faço como
gratidão pelo muito que com ele aprendi e tenho aprendido.
Marcos Inhauser