Para quem não é fundamentalista não é difícil aceitar que os
evangelhos não são diários da vida de Jesus, ao estilo de notícia de jornal, nem
mesmo uma narrativa feita com o correr dos dias. Sabe-se hoje (com muita
probabilidade de acerto) que nem mesmo circulou um relato escrito sobre a vida
e milagres de Jesus enquanto o mesmo viveu. Aceita-se hoje que houve dois
documentos que serviram de base para os evangelhos: a Logia Jesu e o Proto-Marcos, a primeira contendo as frases de
Jesus e o segundo os milagres. Estes dois serviram de consulta e material para
que Marcos escrevesse seu evangelho, que foi o primeiro a ser escrito. Baseado
em Marcos, Logia e Proto-Marcos, Mateus e Lucas escreveram os seus relatos.
No entanto há uma coisa comum a todos os evangelhos e a toda a
teologia neotestamentária: Jesus nasceu e viveu sem pompa, sem alarde, de forma
humilde, filho de família pobre, que trabalhava arduamente para seu sustento,
como era comum em um país dominado pelo império. No dizer de Jesus, ele não tinha onde reclinar sua cabeça. Viveu
das ofertas dadas e guardadas sob a custódia de Judas, que se mostrou um
ladrão. Para a última Ceia teve um local emprestado. Para sua sepultura, teve
um túmulo cedido porque sua família não o tinha.
Comeu com pecadores e foi criticado por isto. Recebeu
prostitutas e coletores de impostos, mas, ao que se saiba, nunca disseram que
os apoiava ou deles recebia algo. Quem lhe prometeu prosperidade foi aquele
que, na tentação, lhe disse: “Tudo isto te darei
se, prostrado, me adorares” (Mt 4:9). Ele mesmo nunca
prometeu riquezas, antes, pelo contrário, disse que “neste mundo teríamos
aflições”. Não prometeu sucesso, mesmo porque o discipulado é custoso.
Nunca se soube que tenha recebido uma oferta de R$ 100.000,00
por uma oração feita, nem que tenha feito ou publicado algo para vender como
forma de arrecadação para seu ministério. Quando foi preso, não teve um ataque
histérico dizendo que era malandragem, molecagem, nem falou pelos cotovelos.
Diante de Pilatos e de sua pergunta, se limitou a dizer; “tu o dizes”, ainda
que a afirmação fosse verdadeira. “Como ovelha muda foi levado ao matadouro”,
para usar as palavras do profeta Isaias.
Não era afeito às multidões, antes buscava o lugar ermo,
solitário. É verdade que teve multidões para ouvi-lo, não porque fizesse
campanhas, cruzadas, novenas ou semana da oração milagrosa. Não frequentou
palácios, nem mesmo para orar pelos governantes. Esteve em um momento político
e econômico delicado para a nação de Israel, mas, com exceção da frase “diga àquela
raposa que eu expulso demônios” dirigida a Herodes, não foi sua pregação eivada
de crítica ou de propostas salvadoras. Sua vida era uma mensagem porque vivida
com o povo, atendendo suas necessidades e não voando em jatos particulares,
frequentando sets de televisão ou debaixo de holofotes. Não foi amigo de
poderosos, nem mesmo do sumo sacerdote ou outros religiosos. Antes denunciou a
prática religiosa deles e dos fariseus, escribas e doutores da lei.
Não aceitou o título de Mestre, Rabi ou seja lá o que for. A
si mesmo se chamou de Filho do homem, um título mais para pejorativo que para
elogioso.
Nasceu na manjedoura e morreu na cruz. Viveu sem ter onde
reclinar a cabeça. Foi acusado injustamente e não se defendeu histrionicamente.
Neste Advento, que esta humildade, singeleza, desprovimento,
nos dê parâmetros para avaliar o que anda acontecendo no universo religioso
brasileiro e para vivermos o seu ensinamento: “amarás ao Senhor teu Deus sobre
todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo”.
Marcos Inhauser
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