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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

ABALADO POR UM BIGODE



Mais que isto! Estou emocionalmente abalado por um bigode!
Não me lembro de ter alguma vez achado o bigode de alguém bonito. Antes, ainda que tenha o meu há mais de 44 anos, acho que há muitos que são filtro de comida. Quando li sobre a quantidade de ácaros e bactérias que vivem nos bigodes, tive vontade de raspar o meu. Fui proibido pela esposa. A partir daí passei a higienizar o meu com muito mais cuidado.
Já vi fotos de concurso de bigodes, eleitos por tamanho, estilo, corte, etc. Acho ridículo. E na política brasileira sempre detestei o “bigode do Piauí”.
Mas o bigode que mexeu comigo não teria condições de entrar em um concurso. Alguns até teriam dificuldade em chamar de bigode, uma vez que é ralo, mais parecendo penugem (deveria dizer “pelugem”), projeto de algo que um dia será um bigode. Por agora é um “quase-bigode”, mas mesmo assim mexeu profundamente com minhas emoções.
No final da semana passada recebi a foto de meu neto mais velho, que mora na China. Hoje ele está com 14 anos e lá estava ele com seu “quase-bigode”. Demorei para reagir, paralisado que fiquei com o que via. Depois de um tempo para me recuperar do knockout, olhei com mais atenção e ampliei a foto. De início pensei se tratar de brincadeira dele, uma vez que gosta de editar fotos e vídeos. Mas quem me mandava a foto era minha filha e em seguida dizia: estou ficando velha! Foi o golpe de misericórdia. Eu já tenho um neto com bigode!
Os sociólogos falam dos ritos de passagem, cerimônias religiosas (no mais das vezes) que vão marcando as etapas da vida. Eu prefiro falar de “eventos de passagem” ou “fatos de passagem”. Um deles foi o dia em que minha filha veio nos visitar. Ela morava em Taiwan e estava grávida. Lembro-me com a clareza de algo que acaba de acontecer. Assim que ela entrou na nossa casa, fui ao seu encontro e, ao invés de abraçá-la, me ajoelhei diante dela, coloquei minha cabeça na sua barriga e orei agradecendo a Deus pelo filho que estava gerando e pelo neto que estávamos esperando. Lembro-me de ter orado para que ela fosse uma mãe abençoada e abençoadora e eu o meu neto fosse uma benção na nossa vida!
Estávamos em Beijing quando ele nasceu. Quando o tomei pela primeira vez no colo, não consegui segurar as lágrimas. No meu coração orei: faça desta criança uma benção e permita que eu seja uma benção na vida dele.
Cada vez que nos encontrávamos aqui ou na China, era uma celebração. Juntos inventamos coisas, brincamos de trem com cadeiras deitadas no chão, imaginamos pesca de tubarão, eu o vi deslumbrados com os barcos, navios e ônibus. Juntos fizemos um robô, berramos feito loucos em um show de acrobacia em Shangai, corremos e quase morri de canseira na Grande Muralha, fui ao campo de golfe vê-lo treinar e jogar. Qual moleque travesso, gargalhei aos montes quando arrumei para ele uma partida de golfe com a revelação brasileira. Quando o menino da mesma idade dele apareceu e tinha o dobro do tamanho do meu neto, ele olhou para mim pasmo e me perguntou: “vô, o senhor tem certeza de que ele só tem 13 anos?” Vibrei quando, depois de estar perdendo nos nove primeiros buracos ele ganhou a partida nos buracos seguintes.
Obrigado Deus! Eu já tenho um neto com bigode. Nos meus botões acho que tenho sido uma benção para ele. Ele, sim, tem sido uma benção na minha vida! 
Marcos Inhauser

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

ARROGÂNCIA DO FUNDAMENTALISTA



O fundamentalismo cristão tem dois fundamentos (daí o nome) sobre as quais constrói seu universo cognitivo: a inerrância e a infalibilidade das Escrituras. Para que isto se consolide, ele afirma outros dois fundamentos derivados: inspiração verbal e plenária das Escrituras. Com isto, as Escrituras não trazem nenhum erro e, portanto, tudo quanto diz é infalível. E é infalível porque cada e toda palavra das Escrituras foi “soprada” por Deus a homens que escreveram o que ouviram ou viram. Os mais radicais chegam a afirmar uma ação mecânica do escritor que seria mero transcritor do que Deus ia lhe ditando.
Na esteira destes fundamentos há afirmações consequenciais. Uma delas é que as Escrituras comportam uma única interpretação que é a que interpreta fielmente a mensagem (também única) que o texto traz. Se duas pessoas interpretam um mesmo texto de duas maneiras diferentes, uma delas, certamente, estará errada. Como é quase impossível alguém reconhecer que a sua interpretação é a errada, fica fácil perceber a anatematização do dissidente. O herege sempre é o outro! Se a minha interpretação é a correta e, por consequência, a que apreende a palavra de Deus infalível, a minha interpretação também é infalível, confundindo-se com a própria Escritura. Agora as Escrituras e minha interpretação são infalíveis.
Outra afirmação consequencial: a Bíblia tem resposta para tudo. Ainda que ela não diga nem uma linha sobre férias de trinta dias, direito ao décimo terceiro salário e à aposentadoria, licença maternidade, seguro desemprego (isto para ficar no campo dos direitos trabalhistas), por inferências, deduções enviesadas e conclusões questionáveis, estes fundamentalistas insistem em encontrar na Bíblia resposta para tudo. Já ouvi que a Transamazônica estava prevista na Bíblia, que não se deve comprar imóvel na praia porque o mar vai virar sangue, que seria impossível ao homem pisar na lua, que o Kissinger, Hitler, Busch, Reagan, Saddan Hussein, Mao Tse Tung, Lenin e o Papa são a besta do apocalipse. Já ouvi mais de seiscentas e sessenta e seis explicações sobre o significado do número, todas as vezes com a chancela de interpretação infalível.
Como decorrência dos fundamentos, há a maniqueização da humanidade: nós e eles. Nós somos os bons, os salvos, os santos. Eles são os ímpios, condenados, devassos, promíscuos, corruptos, etc. E porque vão mesmo para o inferno e têm a capacidade de infernizar as nossas vidas, podemos dar uma ajuda a Deus mandando-os para inferno antes da hora. Declara-se a “guerra justa” versão antiga e cristã da moderna “guerra santa” dos jihadistas. Foi o que fizeram nas Cruzadas, na Inquisição, na Guerra dos Camponeses, entre tantas outras. Este também é substrato que alimenta grupos armados fundamentalistas que existem ao redor do mundo, e especialmente nos Estados Unidos, quase todos de tendência apocalíptica. Exemplo disto são David Koresh e seu compound e Jim Jones com o suicídio coletivo nas Guianas. Mais recentemente tem havido um incremento de novos grupos armados de inspiração cristã para combater os muçulmanos fanáticos, notadamente o Boko Haran e o Estado Islâmico.
Por assim crer e agir, o fundamentalista tem uma característica comum: são arrogantes! Não conseguem manter um diálogo, antes insistem em falar compulsivamente, como para impedir que uma visão diferente possa prevalecer. Diante de uma pergunta para a qual não têm resposta, ao invés de dizer “não sei” preferem estigmatizar o perguntador como herege. A ignorância deles é heresia em quem pergunta.
Quase sempre terminam uma tentativa de diálogo afirmando: ou você aceita o que lhe digo ou você vai arder no fogo do inferno.
Para lá já fui mandado muitas vezes.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A AUTODIVINIZAÇÃO



Se Deus é infinito e incognoscível, conhecê-lo se coloca no campo das possibilidades e das tentativas. É uma ação enquadrada no campo do não-poder, da impossibilidade, que, longe de impedir a busca, se faz no limite da consciência da incapacidade de conhecê-lo em sua plenitude. Quando se tem esta consciência, o conhecimento que se tem passa pelo filtro da lógica e aflora sob o manto da humildade, uma vez que, nunca será o conhecimento absoluto e definitivo. Mais ainda: será o conhecimento aberto às novas buscas e saberes, sabendo que é uma caminhada sem fim, mas que pode estar no rumo certo.
O problema do fundamentalismo de qualquer naipe e religião é que o portador de um “saber” (ainda que não necessariamente errado) entende que o seu conhecimento é absoluto, definitivo, normativo. Confunde o que pode saber sobre Deus com o próprio Deus e a enunciação da verdade que diz possuir tem a aura de ser a vox Dei. Ainda que possa ter passado pelo filtro da lógica, o fundamentalista se caracteriza pela enunciação arrogante de “suas verdades” porque entende que fala o que Deus falaria.
Ao assim proceder tem outra característica no discurso: a ênfase na condenação dos que pensam ou agem diferente do que pensam e agem. Eles não toleram a diferença! Na sua visão, dicotomizam o mundo entre fieis e infiéis, santos e pecadores, justos e injustos. Esta visão maniqueísta, onde tudo é preto ou branco, os cinzas do questionamento, da busca incessante da verdade, a crítica, a pergunta inteligente, a explicitação das incoerências são vistos como obra demoníaca e passível de condenação.
Parece que se alegram com os que são condenados e não com os que são salvos. Cada um que é “condenado” pelas suas ortodoxias é mais um ponto de mérito para os iguais que repetem a mesmice ad eternum.
Aqui se tem outro dado deste comportamento: a novidade é proibida. Os fundamentalistas não podem pensar, só repetir o que há tempos vem sendo dito. Quais papagaios religiosos, sabem umas tantas coisas de memória que as repetem à exaustão e, em um círculo de louvação mútua, se parabenizam pela fidelidade em “re-dizer” as coisas. Assim se tem um comportamento bipolar: louvam-se mutuamente e execram os dissidentes ou diferentes. Haja espírito de corpo (ou de porco?) para que se retroalimentem infinitamente.
Um amigo que não é liberal, mas que pensa, ao fazer uma análise do filme Perdido em Marte em paralelo com a parábola do Bom Samaritano, foi execrado por xiitas cristãos que declararam guerra santa e prometeram detonar tudo quanto viesse a escrever.
Há uma semana recebi artigo de um pastor indignado com a falta de sensibilidade artística. Uma imagem (bastante decente e sóbria) da Eva comendo uma maçã com uma serpente envolta em seus pés, tinha à sua frente a Maria grávida e ela pisava com seus pés a cabeça da serpente. A celeuma criada foi porque o texto bíblico não fala de maçã como o fruto proibido e porque a promessa bíblica é que Jesus pisaria a serpente e não Maria. Isto era endeusar a Maria! Haja literalismo e burrice artística!
Os que acreditam que o que conhecem sobre Deus é a palavra final, tem, por consequência, a autoridade para julgar e condenar. Conseguem ver nas vírgulas heresia, nas exclamações hedonismo, na valorização do ser humano humanismo. Sem saber o que isto quer dizer, acusam de existencialista, marxista, evolucionista, darwiniano, esquerdista, apóstata, adepto da teologia relacional, etc. Eles assim o fazem porque creem com profunda convicção de falam como se deuses fossem. É a autodivinização só reconhecida por eles e seus pares de louvação mútua!
 Marcos Inhauser