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quarta-feira, 23 de março de 2016

ELA FOI RENUNCIADA



Os institutos de pesquisa têm uma fórmula para saber que cada televisor ligado corresponde a X outros televisores ligados. Em Porto Alegre, um ponto no Ibope equivale a 14.375 domicílios. Em São Paulo, esse número cresce para 58.235 lares (dados de abril de 2015). Algo parecido vale para os jornais: cada exemplar vendido corresponde a um certo número de leitores e cada carta enviada ao jornal representa outro tanto.
Trago isto para dizer que os números divulgados para a manifestação do último domingo, ainda que variem segundo a fonte, mostram que foi a maior manifestação política já havida no Brasil. Não importa se foram mais ou menos de 4 milhões, ou se os números questionáveis do DataFolha são tomados como sérios. O que importa é que muita gente saiu às ruas no domingo.
Mas há outro tanto de gente (que é ainda maior que o daqueles que foram para as ruas), que não saíram, mas colocaram suas bandeiras, que ficaram nas janelas a dar apoio aos que para as ruas foram. Conheço vários deles que, por segurança, por não ter com quem deixar os filhos, por razões logísticas de chegar ao local, preferiram manifestar-se pelas redes sociais.
Sendo assim, os números divulgados devem ser multiplicados várias vezes, para se ter uma ideia mais aproximada do fenômeno ocorrido. Se está certa a pesquisa feita no sábado dia 12, que afirmava que 9% dos brasileiros pretendiam sair às ruas, significa que teríamos algo em torno de 20 mi de pessoas nas ruas e isto não se deu. Mas também se pode dizer que os que foram representavam uma parcela muito maior da população.
Se se considera que a democracia é o governo do povo para o povo e que os governantes são os que receberam a maioria dos votos válidos, ter uma manifestação deste porte para retirar da pessoa eleita o apoio de uma parcela da população é algo que não pode ser desmerecido. É verdade que ela foi eleita, mas os que a elegeram e os que não a elegeram, vieram à rua para dizer: retiro meu apoio.
Eles estavam renunciando ao governo que tem. Não querem mais quem foi eleito no governo porque acreditam que perdeu a legitimidade e a capacidade de trazer as mudanças necessárias. Eles a renunciaram porque perceberam que a crise que aí está tem um culpado: a incompetência do atual governo em gerenciar.
Antes desta manifestação, ela já tinha sido renunciada por setores do empresariado, do comércio, do setor de serviços, pelos políticos da oposição. Mais que sito ela tinha sido renunciada por parcela significativa dos políticos que lhe davam apoio. Pior ainda: ela tinha sido renunciada por vários políticos de seu próprio partido.
O governo legítimo não só deve vencer nas urnas, mas deve ter o apoio popular. O Maduro, a Cristina Kirchner, o Evo Morales, foram eleitos, mas perderam legitimidade pela falta de apoio popular. Se 70% ou mais rejeitam o governo, que credibilidade há para que possa continuar a governar? É golpe? Se o é, é um golpe dado pela maioria da população em um sistema democrático que diz: não queremos mais!
Ela foi renunciada ao menos por uma parcela significativa da população. Foi um plebiscito não-formal, de quem, cansado, saiu à rua de disse: ou renuncie ou sofra o impeachment!

quarta-feira, 2 de março de 2016

MAIS MEDO QUE ESPERANÇA



Sabe-se que o medo é a mola propulsora da criatividade e que esta também é fruto da necessidade. Por outro lado, também é paralisante porque, diante dele, muitos paralisam e se deixam vencer pelo medo. O problema é a atitude assumida.
A esperança, por sua vez, é a mola motora para o futuro. Ela é a que provoca o dinamismo. Sem esperança morremos.
Estamos vivendo momentos em que o medo se mostra mais presente que a esperança. Penso na infinidade de pessoas que saem todos os dias para o trabalho com o medo estampado na face de que podem perder o emprego. Ontem, em um banco, um jovem à minha frente comentou que estava entrando em período de férias coletivas, ao que o outro disse: isto é pre-demissão. Foi a instalação do medo no outro.
Ainda agora falava com uma pessoa de RH que ficou um mês em casa, de férias, e deve voltar amanhã. Está sem dormir achando que vai perder o emprego e se o perder, não terá como pagar as contas.
No Brasil de hoje estamos com medo do desemprego, das contas, do zica, da dengue, da chikungunya, da impunidade, da corrupção, etc. Há também o medo dos investigados pela PF e Justiça. Há quem desça da van mascando chiclete, como para dizer que está tranquila, há o que desce dela sorrindo e há os que cobrem a cabeça para não serem vistos. Há os que se negam a fazer qualquer declaração e os que, a cada coisa que dizem, se enrolam ainda mais. É o medo a trapacear a verdade que acaba se manifestando nos atos falhos e nas meias verdades. Esperança de que, ao dizer meias verdades, se livre do que sobre os ombros lhe pesa. É o medo que faz apresentar novas versões a cada depoimento, que muda depoimentos e nega o que disse. Esperança de um habeas corpus que não se concretiza no STF.
A esperança anda meio anêmica. Parece que, se há luz no fim do túnel, o que se tem lá é uma vela e está ventando. A cada dia as novas notícias parecem ser dose de veneno para a esperança. Haja visto a troca do ministro da Justiça, na tentativa de aplacar as investidas da PF. Parece que a esperança tem sucumbido à maciça dose de medo, passada pelos prognósticos pessimistas dos economistas (os reis do chute), pelos desdobramentos da Lava Jato que a cada dia nos mostra que o câncer é maior. Parece uma cirurgia em que o médico abre a pessoa para ver o que tem lá dentro e descobre que o corpo todo foi tomado pelo câncer. Sobra alguém?
Mas se o medo é a mãe da criatividade e a esperança a mola propulsora para o amanhã, devemos ser criativos diante do medo e propor o amanhã da esperança. Não uma luta por causa dos R$ 0,30 na passagem do ônibus e nem pelo passe livre, mas pensar o amanhã, diferente dos ontens que tivemos. Este é o desafio da sociedade brasileira. Um amanhã cheio de justiça, com mecanismos reguladores que funcionam, com políticos que busquem o bem público e não a propina própria, que a diferença entre ricos e pobres seja diminuída, que a comida seja farta, que a mesa seja cheia, que se gaste mais com comida que com farmácia, etc.
No dizer de Isaías, o profeta: que as armas sejam transformadas em arados.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

SOMOS QUANTIDADE OU QUALIDADE?



Há anos venho me interessando e me inquietando com a divinização da quantidade, que recebe nomes variados dependendo do contexto ao qual se aplique. Ora chamam de produtividade, ora de eficiência, ora de maximização. No campo das igrejas chamam de crescimento, megaigrejas ou sucesso.
No início dos anos 80, tendo participado com uma conferência com Peter Wagner (o divulgador do crescimento exponencial das igrejas via aplicação de fórmulas “descobertas” pelo movimento do Church Growth), escrevi um artigo atacando as suas posições e dizendo tratar-se de um pragmatismo maquiavélico: tudo o que funciona é moralmente válido. Se a igreja cresce, não importa o que se faça, está validado pelo resultado. No campo empresarial a mesma regra se tem aplicado. Troca-se o funcionário experiente pelo aprendiz, porque este custa bem menos. Reduz-se o número de empregados e se sobrecarrega os que ficam, para que a produtividade per capita seja incrementada. Tudo vale, até contratar prostitutas para um treinamento de desinibição, como ocorreu com uma cervejaria brasileira, devidamente penalizada por tal prática.
Há, no entanto, um esporte favorito neste universo: acusar os líderes e as corporações de serem desumanas. Ocorre que o operário e o religioso médios não querem pensar. O trabalhador médio quer um trabalho no qual não quer gastar muita energia e, de preferência, que seja repetitivo para que não precise pensar. O religioso médio quer um padre, pastor, bispo ou apóstolo que diga sempre as mesmas coisas, porque o que já se sabe não obriga a pensar.
Pensar dói!
Dói porque obriga a rever o que se sabe, a reformular conceitos, aventurar-se no desconhecido, assumir riscos, acertar e errar. Pensar leva a trocar as antigas certezas por novas suspeitas (copiei o Zé Lima aqui). E porque não pensam, ouvem absurdos e batem palmas. A cada pouco recebo vídeos de “consultores” e “pregadores”, onde, tal como os vídeos de jogadores que só tem jogadas boas, trazem suas “melhores contribuições”. Exceções à parte, é um amontoado de abobrinhas. São “abobrinhas virais” porque se esparramam pelas redes sociais qual praga da zika, embotando cérebros e produzindo microcéfalos.
Há os especialistas em fazer rir. Acham que contar piadas instruem. Há os palestrantes de motivação que são como carreira de cocaína: dão uma animada temporária e depois o down. Se se pergunta alguns dias depois a quem participa destes eventos, eles vão se recordar da piada, mas nada do conceito e sua aplicabilidade.
Nisto, estranha-me que as igrejas, notadamente as evangélicas, insistam em um modelo falido: a centralidade na pregação. Por mais de uma vez já fiz isto e desafio os que me leem a também fazer: pergunte, depois de alguns dias, aos frequentadores de cultos ou missas, aos participantes destes treinamentos pasteurizados, o que foi que se ensinou na oportunidade tal. Receber-se-á afirmações genéricas e muitos dirão que não se lembram. E não se lembram porque não lhes afetou, não houve a participação do ouvinte na elaboração ou na construção do saber. Como diria Paulo Freire, é uma educação bancária: faz-se um depósito de X palavras no cérebro alheio, cuja retirada é raramente feita. O conhecimento recebido sem a participação do receptor é potencialmente menor no seu poder de mudança que o conhecimento produzido em equipe.
Logo, não considero relevante quantos me leem ou me ouvem, mas a qualidade de transformações que provoco.
Marcos Inhauser