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terça-feira, 3 de maio de 2011

A GRAÇA DA ILUMINAÇÃO

Para mim não é coincidência que o relato bíblico inicie com a descrição de um caos (tohu vabohu, no hebraico). Voltei a pensar nisto nos dias que se sucederam ao tsunami no Japão e a profusão de imagens do caos em que a terra se transformou. Nada no lugar, tudo amontoado, arrebentado, quebrado, inutilizado. Para mim, aquelas cenas foram as que mais me ilustraram o que o tohu vabohu significa. O texto do Gênesis afirma que a terra estava sem forma e vazia (tohu vabohu). O caos predominava. A assolação era inimaginável. Diante dos destroços deixados pelo tsunami, a gente fica perdido sem saber por onde começar e como fazer a limpeza de tamanho estrago. Assim era o início. Diante desta situação vem Deus e, sem que ninguém pedisse, sem que alguém tivesse sentido a necessidade, orado, clamado, exigido dEle uma providência, Ele toma a iniciativa de colocar ordem na bagunça. E o faz de maneira surpreendente porque não é a forma como faríamos. Ele fala e ordena as coisas, no duplo sentido que o verbo tem: dá ordens e coloca ordem. Só que havia um caos agravado pela escuridão. A primeira providência divina foi iluminar a bagunça. Nisto há uma dualidade de efeitos: tem-se mais clareza sobre a natureza do caos e agrava-se a sensação do caos. Um dos problemas que enfrentamos na vida é que o caos é uma experiência humana bastante comum. De tempos em tempos ficamos atolados em meio ao tohu vabohu que a nossa vida se transforma ou é envolvida. E quando estamos neste caos, parece que estamos em uma escuridão feito breu. Nada faz sentido, tudo é tão obscuro, falta clareza, cada coisa que se faz, pensa ou decide é como se fosse trombando com coisas que a gente não vê, não tem consciência. A outra questão é que, ao lançar luz sobre o caos, passamos a ver com clareza o tamanho do estrago, da crise. Ao lançar luz, a coisa fica mais feia do que imaginávamos. Na escuridão imaginamos, sob a luz conscientizamo-nos e este processo é dolorido. Por incrível que pareça, há quem prefira ficar na escuridão a ver a realidade do estrago e da catástrofe em que está metido. Tomar pé da situação é esclarecedor, mas, ao mesmo tempo, aterrador. Mas há aqui uma lição: não se ordena o tohu vabohu sem iluminar os fatos. Outro dado é que o processo de colocar ordem na bagunça não é mágico, algo que ocorre em um segundo. É um processo que toma sete etapas, muito ao contrário de alguns pregadores de poder que prometem consertar a bagunça de uma vida com uma oração. Parece que eles são mais rápidos e poderosos que Deus.

O PODER DO ELOGIO

Uma das necessidades intrínsecas do ser humano é a da realização. Todos precisamos fazer algo para dizer que fomos nós que o fizemos. Em certa medida, somos avaliados pelo que fazemos, mais do que pelo que somos ou temos. A crise da meia-idade no homem fica mais acentuada se, ao olhar para trás, ele não fez nada do que possa orgulhar-se. Esta necessidade é irmã gêmea de outra, a do reconhecimento. Precisamos ser reconhecidos como pessoas atuantes e realizadoras. Se alguém faz algo sem que ninguém note o que ele está fazendo, deixará de fazê-lo depois de um tempo, salvo se for um louco totalmente desligado da realidade. O trabalhado invisível parece um mito. Todos, sem exceção (pelo menos na minha ótica) precisamos de alguém que saiba do que fazemos. Isto leva a uma regra do trabalho: toda pessoa que faz qualquer coisa sem ter que reportar a alguém, ou deixará de fazê-lo ou nunca o fará com excelência. Todos sonhamos em fazer algo que nos perpetue na memória dos outros. Com facilidade incrível dizemos que isto ou aquilo é um “marco histórico”, “algo que vai entrar para a história”, porque necessitamos crer que nossos atos serão lembrados ad eternum. Estas considerações preliminares servem para introduzir minhas reflexões sobre o episódio de Realengo e outros similares ao redor do mundo. Há um corte de similitude nos personagens destes eventos trágicos, assim como de bandidos que se tornaram famosos: foram pessoas não notadas, não reconhecidas, não valorizadas pelos colegas e família. Vítimas de chacota, nunca foram reconhecidas por seus méritos, por suas qualidades ou pelo que faziam. O desejo de “entrar para a história”, de fazer algo que fizesse com que seus nomes fossem conhecidos, suas fotos e nomes publicados, ainda que nas páginas policiais, a necessidade de serem famosos, pode ser uma das motivações para que se decidam pelo caminho enviesado do crime. A entrevista dada pelo menino australiano que jogou o colega ao chão depois de ser agredido mostra um jovem que não era reconhecido nem pelo pai, que afirma que se assustou ao saber que por três anos seu filho estava sendo vítima de chacotas, brincadeiras humilhantes e desprezo. Um pai que não notava a presença e a vida do filho. Nem o pai o reconhecia. O mesmo é válido para o outro apresentado como o agressor, que não vive com a mãe e tem um pai manipulador. Vivemos tempos de extrema competitividade, de vidas centradas em si mesmas e perdemos a cultura do elogio, do reconhecimento do outro como ator e causador de coisas boas. Somos rápidos em criticar, tardios em elogiar. E digo isto especialmente em relação aos pais no processo de educação dos filhos. Se elogiamos, não o fazemos com a mesma carga emocional da crítica, da censura. Reconhecer que o outro existe e é autor e causador de coisas boas é uma das formas de se evitar tragédias, seja ela que magnitude tenha.

SESSENTOU

Não leio os capítulos iniciais do livro do Gênesis no seu sentido literal e muito menos historiográfico. Vejo-o como literatura sapiencial, cheio de máximas de vida e instruções de sabedoria. Assim, há nele alguns dados interessantíssimos. No segundo relato da criação, diferentemente do primeiro, o homem foi criado só e somente depois de tudo o mais ter sido criado, Deus percebe que não é bom ele estar sozinho e decide criar a mulher. Isto me faz pensar na ação da graça de Deus: um agir imotivado, não provocado por qualquer circunstância a não ser sua própria vontade. Adão não tinha consciência de que estava só, que seria interessante ter companhia, que poderia ser uma mulher. Deus criou a mulher antes mesmo que Adão tivesse pedido, imaginado, pedido. E ele se surpreendeu com a ação da graça de Deus. Assim sou eu. Na juventude, meio apressadinho, andei pedindo a Deus uma companheira, uma esposa. Atirei para alguns lados, sem resultado. Um dia a graça de Deus se manifestou na minha vida e ele me deu a Eva da minha vida. E o que Deus me deu foi muito, mas muito melhor do que eu poderia ter imaginado, pensado, pedido. A Eva da minha vida, por causa da graça de Deus, vem colhendo anos na vida junto comigo. Se Deus me tivesse dado uma esposa que não envelhecesse, eu hoje, sessentão, estaria com uma jovenzinha sem muita experiência ao meu lado e eu, provavelmente me cansaria dela, porque seria a mesma nestes trinta e oito anos em que estamos juntos. A graça de Deus me deu uma Eva que vem amadurecendo pari passu comigo. E a cada dia eu tenho uma nova Eva ao meu lado, surpreendendo-me e fazendo-me companhia. Ela completa seus sessenta anos amanhã. Eu os completei em dezembro. Juntos passamos quase dois terços de nossas vidas nos fazendo companhia. E, sem nenhuma presunção, foram trinta e oito anos vivendo no paraíso, mais por mérito da minha Eva que meus. Tivemos filhos e não experimentamos o problema de vê-los brigando, tal como Caim e Abel. Antes, eles ajudaram a transformar a nossa casa em paraíso e se ajudam mutuamente. Nossos netos são como pérolas a adornar este paraíso. E, diferentemente da Eva original, a minha não me deu o fruto proibido para comer e pecar, antes, sempre, foi fiel para alertar-me a mim e aos nossos filhos e netos, a benção da fidelidade a Deus. A minha Eva é a manifestação diária da graça de Deus na minha vida. Agradeço a Deus e a ela a experiência diária da graça, coisa que só mais recentemente vim a entender.

TOMOU A VIDA A SÉRIO

Há uma letra de música nicaraguense que diz que “cometió el atroz delito de tomar la vida en serio”, referindo-se aos que, durante a revolução nicaraguense, haviam dado a vida em favor de outros, para que pudessem ter esperança de melhores dias. Outra vai dizer que o alento da vida é a esperança e creio que os que a infundem nos outros, promovem a vida de muitos. Estas coisas me vieram à mente agora à tarde quando, preso no trânsito por causa da chuva, ouvia notícia da morte do ex-vice-presidente José Alencar, ouvi pessoas falando sobre ele e da convivência que com ele tiveram. Alencar levou a vida a sério, sem cometer delito. Não o conheci pessoalmente. Ouvi muitas das coisas que disse, li sobre sua história de vida e aprendi a admirar nele, entre outras coisas, duas que o transformaram para mim em exemplo. A primeira foi seu exemplo de “fé realista”. Em um contexto religioso brasileiro onde pululam manifestações extremadas, promessas absurdas de cura, crença nos impossíveis, ele a cada vez que se manifestava afirmava e reafirmava sua crença na soberania de Deus. A sua afirmação de que Deus não precisaria de um câncer para tirar sua vida se Ele assim quisesse proceder, e que, se Ele quisesse, viveria mesmo com o câncer, mostram uma pessoa consciente dos limites humanos e divino. Ademais, mostra uma pessoa que entende a religião não como exercício de obrigar Deus a fazer o quero (tão em voga nos modelos pentecostais e neopentecostais), mas como o exercício do reconhecimento da soberania de Deus, no que pese as circunstâncias adversas. A segunda coisa foi sua humildade. Já vi e conheci muitos que se fizeram na vida e, quase sem exceções, eles se caracterizam como arrogantes, nariz empinado, petulantes, porque se creem melhores que a média porque conseguiram sair de uma situação de infortúnio para a de fortuna. Nada mais intragável que o novo rico. José Alencar padeceu sob a crise de 29, viu seu pai perder o pequeno negócio que tinha, sai para trabalhar, venceu, construiu um império, mas nunca deixou de ser o José Alencar simples, humilde, que se lembrava a todo instante dos menos favorecidos. Ao estar sendo tratado em um hospital de referência pelo fato de ser vice-presidente da República, sentia-se como que culpado por estar recebendo tratamento que a maioria não tinha. Ele levou a vida a sério, tanto que lutou por ela até à última gota, o último suspiro. Acima de tudo, infundiu esperança em muitos.

ATÔNITOS

Acho que este é o sentimento da grande maioria com os recentes eventos que atingiram o Japão. Não é possível ficar indiferente com os fatos e as notícias que do Oriente vem. Há, no entanto, algumas coisas que precisam ser explicitadas para que a tragédia não nos pareça maior que muitas outras, mesmo que, diante das tragédias, não se deve estabelecer um campeonato da desgraça. Nenhum outro evento catastrófico que a humanidade tenha sofrido até hoje teve tantas imagens gravadas, tantas câmeras em ação e tão imediata divulgação mundo afora. Há uma regra meio que inerente ao ser humano: quanto mais próximo do fato soubermos dele, mais impacto ele causará em nós. Explico-me: se vejo um acidente na estrada e eu vi o carro se acidentando, ele terá um impacto em mim muito maior do que se eu passar logo depois do acidente e vir o carro acidentado. Menos impacto causará se eu passar algumas horas mais tarde e vir o carro já retirado do leito carroçável. Se alguém me conta uma tragédia, ela produz um impacto em mim dependendo das cores que o narrador dela pintou o quadro. Mas se vejo imagens da tragédia, ela impactará muito mais fortemente. Outro fato é que o impacto em mim depende da quantidade de vítimas e a atrocidade da morte. Uma única morte, de forma natural, impactará menos que uma morte de forma violenta. Assim, muitas mortes de forma violenta trarão impacto muito mais profundo. Dito isto, quero tentar dimensionar algumas coisas. Primeiro, os eventos trágicos do Japão tem causado tal comoção porque transmitidos quase em tempo real e com profusão de detalhes e variedade de imagens como nunca se teve até o dia de hoje. Segundo, porque não houve uma única causa (terremoto), mas uma sucessão de causas (terremoto, seguido de tsunami, mais desastre nuclear). Isto faz lembrar a sabedoria popular que “desgraça pouca é bobagem”. No caso dos reatores nucleares, há que salientar-se a sucessão de problemas que redundaram nas explosões: o terremoto, o tsunami que avariou o sistema de refrigeração. Alternativas lançadas (resfriamento com água do mar), falta de combustível e eletricidade para que o resfriamento pudesse ser efetivo e duradouro, mostram algo que devemos ter sempre em menta: nenhum efeito é causado por uma única causa. Sempre há uma multiplicidade de causas a produzir o efeito. Uma tragédia nunca é provocada por uma única causa. As consequências não são únicas. Todo evento tem consequências múltiplas. São efeitos da tragédia o questionamento mundial sobre a viabilidade do uso nuclear para a geração de energia elétrica, o deslocamento de famílias das áreas contaminadas, a decretação de uma zona morta por décadas, o impacto sobre a economia, etc.

Carta do Abileone

Em homenagem ao meu sogro que faleceu há dias e em agradecimento ao local onde ele esteve nos últimos meses de sua vida. Querida Rita Quero pedir perdão porque fui embora sem me despedir de você. Enfermeiras lindas vieram me chamar e dizer que estava sendo promovido para nova casa de repouso. A minha vida foi trabalhar e isto de repouso pouco tive, mas Deus me abençoou com a o Repouso Bem Viver. Confesso que foi difícil repousar depois de tanto trabalho. Até achei que estavam me descartando. Quando vi você, tão jovem e linda (o Alex que ficar com ciúmes) correndo prá todo lado e eu sentado, sem fazer nada, recebendo tudo de mão beijada, me senti desconfortável. Com o tempo fui gostando de ser paparicado. Nunca fui tantas vezes chamado de “meu lindo”, “meu amor”, nunca tantas moças maravilhosas e dedicadas me pediram em casamento! Uma hora era a Marlene, outra a Cida, depoi a Piloto de Cadeira Formula 1, e a Baixinha, e outra, e outra. Cada uma delas com um jeito especial de cuidar de mim. Até homem andou me dando banho. Agora fui promovido para a Casa do Eterno Repouso. Ela não é muito diferente do que vocês me deram. A Rita que me recebeu aqui disse que na terra ora me chamavam de Leone, ora de Abílio, mas agora tenho um novo nome: Abileone, porque vou ser os dois ao mesmo tempo! Sabe, Rita, tô estranhando aqui: ainda não me deram nenhum remédio. E também não vi ninguém tomando remédio algum. É meio esquisito. Acho que esta Casa de Repouso é meio diferente e fora do eixo. E o mais estranho é que estou me sentindo melhor. Parece que a cada hora que passa tô melhorando mais. As pernas já estão mais fortes e esta noite levantei sozinho prá ir mijar. Ninguém reclamou de mim como vocês faziam, muito pelo contrário, me aplaudiram! Me contaram que vão celebrar meu aniversário e vão fazer festa e que vem um conjunto de musica caipira prá cantar. Eu disse que já tinham feito. Insistiram e avisaram que aqui a gente conta a idade de trás para frente. Agora vou fazer 95 anos, depois 94, 93 e assim por diante. Eu perguntei: e quando chegar no zero? Eles me responderam que vou virar criança eternamente. Estranho isto né? Sabe Rita, se eu não tivesse passado pela sua casa, se eu não tivesse conhecido o Alex, a Marlene, a Cida, a Bingueira, eu ia estranhar isto daqui e não sei se seria uma promoção. Talvez até pedisse para voltar. Ficar aí com vocês foi um estágio para me acostumar com o Céu. Aí é a porta de entrada a Casa de Repouso do Eterno Viver. Beijos e lembranças a todos que trabalham com você. Eles são iguaizinhos aos de branco que tem aqui. Como você conseguiu arrumar tanto anjo para trabalhar com você? Preciso ir para a festa de aniversário. Tão me chamando. Vou ter que acostumar com ter 95 anos outra vez. Quando chegar nos 18, aí sim que vai ser “bão demais da conta”. Se alguém me pedir em casamento eu topo na hora!!!! Abileone

ATO FALHO?

Há poucos dias o presidente dos Estados Unidos veio a público fazer sua crítica ao Mouammar Kadhaf e, entre outras coisas, saiu-se com esta: “ele perdeu a legitimidade”. A frase me levou a algumas considerações, todas devidamente alicerçadas em antigas afirmativas de presidentes estadunidenses. Lembrei-me do Jimmy Carter e sua cruzada pelos Direitos Humanos, quando dizia que os EUA não podiam tolerar governos que violassem os direitos essenciais. Lembrei-me das muitas vezes em que afirmavam que não podiam apoiar ditadores, mas derrubaram o Allende legitimamente eleito e colocaram/permitiram o Pinochet. Ajudaram a derrubar o Goulart e apoiaram as Forças Armadas nos seus anos de ditadura. Investiram contra o Noriega e mataram mais de três mil no bairro dos Chorrillos, na cidade do Panamá. Há décadas submetem o povo cubano a um massacre econômico porque não podem apoiar uma ditadura. Criaram o Hussein, que trabalhou para eles e para a família Bush, e depois fizeram uma guerra para derrubá-lo e “levar a democracia a todo o mundo”. Apoiaram por mais de trinta anos o Mubarack e na hora agá, quando a coisa ficou feia, vieram com o discurso da democracia. Agora vem o Obama dizer que o Kadhaf perdeu legitimidade. Isto quer dizer que antes ele tinha a tal da legitimidade? Que legitimidade é esta? Um governo, fruto de um golpe militar em setembro de 1969, que encastela a família nos palácios e vive da grana desviada? Que legitimidade tem se só nos EUA a família teve mais de 50 bilhões de dólares bloqueados? Quem legitimava este ditador? Quem retirou dele a legitimidade, se é que a tinha? Para mim, a fala do Obama revela como os Estados Unidos tem um discurso hipócrita, camaleônico, interesseiro. Levanta a bandeira dos Direitos Humanos na China, mas tolera a corrupção e a violação nos países árabes. Recebe e se beneficia dos bilhões de dólares investidos por ditadores árabes (seja lá que título tenham) e africanos, e quando a coisa aperta, faz a “revolução antes que os outros a façam”. Para mim sempre foi claro e agora o é ainda mais: que a legitimidade é uma questão de posicionamento do império. Do alto de sua arrogância e prepotência eles dizem que é legítimo o que lhes interessa. Quando as coisas já não mais interessam, eles retiram o apoio e a pessoa perde legitimidade. Este tipo de legitimidade imperial, dada pelos que se julgam polícia do mundo, é uma farsa. Ainda bem que na história da humanidade não houve e nem haverá impérios eternos. E este já está caindo pelas tabelas.

UM PASTOR PARADIGMÁTICO

Nestes dias tive experiências com um “pastor” que me mostraram como elas são paradigmáticas de um tipo bastante comum de “pastores” que a gente encontra por toda a parte. Estávamos em um carro em cinco pessoas e eu o conheci já dentro do carro. Foi-me apresentado com um pastor de um país latino-americano. Havia quatro. A viagem que era longa, teve um tempo inicial de apresentações e perguntas básicas, seguido de silêncio. O que estava dirigindo, amigo do “pastor”, foi à casa de câmbio trocar uns dólares, voltou e entregou a parte que correspondia a cada um, quando o “pastor” disse que lhe parecia que naquela cidade não se usava muito o dinheiro, porque lhe haviam dado algumas notas novas em folha. Houve alguns comentários e eu, para entrar na conversa, disse que no Brasil também estavam fazendo novas cédulas para evitar a falsificação, e que estavam pensando em colocar um chip nas notas como forma de garantir a autenticidade. Foi o estopim! O indigitado disse que isto era o sinal da besta apocalítica, pq no Apocalipse está escrito que o 666 é um sinal que não vai permitir que se compre ou venda sem que se tenha tal sinal, que estão implanto microchips nas mãos de pessoas e só falta começarem a implantar na testa para que a profecia se cumpra. Conhecendo este tipo de conversa “escatológica”, me arrependi de haver dito algo. O indigitado fez mais um monte de afirmações estapafúrdias e se virou para mim e me perguntou: e você? O que pensa do 666? Eu, querendo acabar com o assunto, disse que a única certeza que tinha era que já havia ouvido mais de 666 interpretações sobre o assunto. E para dar um ar meio irônico, afirmei que a que a que mais gostei foi a que o Bush era o 666. O indigitado se enfureceu. Prevendo o andar da carruagem, arrematei: uma coisa me chama a atenção neste assunto e é que os grandes teólogos da igreja, reconhecido como tais, como Agostinho, Aquino, Lutero, Calvino não se meteram a fazer afirmações peremptórias sobre predições apocalíticas. Ainda mais enfurecido, o indigitado me disse: sabe por que eles não falaram? Porque eles não se dedicaram a um estudo profundo de Daniel e Apocalipse. Para se entender estas coisas a gente precisa ir estudar com jejum e oração. Eu já imaginava o que viria pela frente. Não me enganei. Começou um festival de asneiras e presunção. Ele disse que estudava há anos os livros de Daniel e Apocalipse, que se dedicou a isto, que o Senhor lhe revelou que isto e que aquilo, disse que o 666 para Bush era adivinhação, que o espírito do anticristo já está no mundo, que o anticristo vai nascer no mercado comum europeu, que estamos perto da grande tribulação. Desfilou um rosário de barbaridades de forma compulsiva como se ele fosse o único que sabia destas coisas. Eu estava mudo e orando a Deus a Ele que me desse um jeito de mudar o assunto porque a coisa estava horrorosa. O gringo me perguntou, ironicamente, porque eu estava calado. Como falou inglês e os demais não entendiam, eu disse que estava pensando. Ele me perguntou se eram bons ou maus pensamentos e eu respondi: Deus que os julgue. Nunca ouvi tanta besteira com tanta arrogância e presunção. Orando para que se mudasse o assunto, o carro quebra. O assunto acabou e agora era como consertar o carro. Mas o indigitado, do alto de sua arro(t)ância, disse que o diabo é quem havia quebrado o carro porque ele não gosta de saber que será derrotado e que a gente não chegaria ao local a tempo para que ele pudesse pregar suas “verdades”. Não fiquei para ouvir o sermão....

UM DIÁCONO ÍMPAR

Ele era membro da igreja que eu pastoreava. Um dia, depois da Escola Dominical (aos domingos pela manhã) ele esperou que todos saíssem e todo desenxabido veio me pedir licença para morar na torre da igreja por alguns dias. Aquilo era um pombal, sujo, cheio de penas e alguns objetos descartados. Perguntei a razão do pedido e ele me disse que quando acordou naquele dia, percebeu que sua esposa e filho tinham ido embora, deixando só a cama para ele. A situação era tanto mais aguda quando se sabia que ele era portador de hanseníase. Compadeci-me dele e disse que ele não podia morar na torre da igreja, mesmo por uns dias, mas que ele iria morar na minha casa. Eu tinha uma edícula vazia e para lá ele foi. Passou a ser parte da minha família pelo ano ou mais que ali morou. Tinha o dom de consertar pequenas coisas, de eletrônicos a aparelhos elétricos. Com as mãos deformadas pela enfermidade, com muito sacrifício fazia estes pequenos consertos. Mas parece que quanto mais difícil era, mais alegria ele mostrava ao servir às pessoas. Este seu jeito serviçal e prestativo levou a diretoria a convidá-lo a morar nas dependências da igreja, sendo um diácono de tempo integral. Ali estava para servir aos que buscavam alguma ajuda, e aos membros que precisavam de alguém para pequenos consertos. Ele esteve ali por mais de cinco anos. Certa feita, um moço japonês esteve na igreja no domingo à noite e o “Seu Pedro” veio me dizer que o conhecia e que ele estava pedindo para dar uma palavra à igreja. Estes pedidos eu os tinha a toda hora e costumava não atender. Mas não sei por que, naquele dia perguntei o que a pessoa queria dizer à igreja e o Seu Pedro disse que ele queria agradecer. Assenti e no meio do culto ele veio à frente e disse que queria agradecer à igreja por ter posto uma pessoa que tinha tempo para ficar sentado na soleira da porta e com disposição para ouvir. Ele contou que estava disposto a suicidar-se, que passou por ali, que recebeu um boa tarde tão caloroso que voltou, sentou e que ficou horas conversando, sem que Seu Pedro desse sinais de cansaço ou aborrecimento. E que voltou muitas outras vezes. Ele queria agradecer por estar vivo e por estar trabalhando e ter constituído família, graças às palavras simples de um homem simples. Há outras histórias que eu poderia contar dele. Todas de um homem que soube ser amado pelo seu dom de serviço. Deixei a igreja para atender a outro ministério e ele se casou novamente. A igreja construiu para ele uma casinha. Voltei e o encontrei várias vezes, sempre com seu sorriso e jeito prestativo. Na semana passada Seu Pedro faleceu. Morreu um homem simples com o dom do serviço e uma pessoa que aprendi a amar e admirar pela sinceridade do seu caminhar com Cristo.

CURTOCIRCUITOS

A presidenta Dilma veio do setor energético para o governo. Já havia feito algo no sul e depois atuou na área como ministra de Minas e Energia. Lá foi ela colocada para fazer algo para que não se repetisse o apagão do governo FHC. Gerenciou a área como mão de ferra (isto é o que diziam) e o petismo alardeava o choque de gestão que a ministra deu ao setor. Mal saída da área para um degrau acima na hierarquia governamental, a agora presidente colhe os primeiros frutos do seu choque de gestão, que entregou ao sarneysmo a área elétrica do país. O novamente ministro Edison Lobão, entende da área tanto quanto eu entendo de física quântica. A diferença é que não sou apadrinhado pelo coronel-mór da política brasileira. Quando comecei a ouvir as notícias do apagão fiquei a pensar que o Maranhão, esta maravilha de estado brasileiro com um IDH de fazer inveja à Suécia, tinha também muita sorte, por ser o único estado do Nordeste que não foi premiado com a escuridão. Em seguida me lembrei que o capo da eletricidade comanda este Estado há décadas, que o seu preposto é o ministro e que uma estranha coincidência estava ocorrendo. No dia seguinte, já nas primeiras horas, o ministro vem a público com números e dados afirmar que o sistema é robusto, que isto acontece em todos os países do mundo e que houve foi uma falha em um equipamento X, na subestação Y. Tal como da vez anterior, quando uma subestação foi premiada com a culpa por um raio que caiu (e que os meteorologistas dizem que não havia tal evento na região naquela hora), agora um equipamentozinho qualquer promove a escuridão, apagando inclusive a iluminação na cabeça dos cientistas governamentais para serem mais coerentes com a explicação e os fatos. Bem ao estilo do lulo-petismo, a presidenta nomeia uma comissão para tratar do assunto e sugerir medidas para evitar futuros eventos. Todos sabemos que a melhor coisa para não se fazer nada é nomear uma comissão, ainda mais governamental. Mas todos sabemos também que não há contingenciamento de verbas quando se trata de afagar o apetite de peemedebistas e outros correligionários, mas totalmente inversa é a verdade quando se trata de investir na infraestrutura, seja elétrica, aeroportuária, rodoviária, ferroviárias e etc. Em meio ao apagão, corre solta a luta nos bastidores para saber quem fica com Furnas (dossiês correndo solto), indicações de gente que já teve o rabo preso com licitações obscuras, apadrinhamento transversal da família do coronel. O ministro Lobão se apressa em afirmar que "Foram decididos pelo ministro com o presidente da República. Não houve nem disputa nem loteamento". E depois me criticam por acreditar em Papai Noel, Duendes e Santidade Parlamentar.