Li o
romance “1984” em 1976. Ele é a visão-pesadelo de George Orwell sobre o
totalitarismo. Publicado após a Segunda Guerra Mundial, permanece atual. Nele Orwell
trata do abuso do poder, a negação do eu e a erradicação do passado e do futuro.
Lembro-me de alguns pensamentos e sentimentos que me afloraram com a leitura.
Um
deles, a sensação de que 1984, que àquela altura estava tão próximo, não me
parecia que se concretizaria na data prevista pelo autor, mas que poderia
ocorrer em futuro mais longínquo. O outro foi a repulsa sentida com os
“reescritores da história”, encarregados que eram de reescrever os dados e
discursos do regime totalitário, para que ninguém pudesse acusá-lo de ter
mudado de opinião. Estes reescritores também se encarregavam de maquiar os
números de safras e produtividade, para mostrar um regime mais bonito do que na
realidade era.
Na
sequência li “Revolução dos Bichos”, e impressionou-me a facilidade com que se
mudavam as leis revolucionárias para criar uma casta e justificar os desmandos
do Porco Ditador. Incentivado pelas leituras anteriores li “Admirável Mundo Novo”,
de Aldous Huxley, onde o autor apresenta uma sociedade organizada
cientificamente. As pessoas são programadas em laboratório e domesticadas
segundo os interesses da sociedade. Elas não têm consciência crítica e aceitam
as notícias tal como lhes são passadas. A cultura (literatura, a música e o
cinema) só solidifica o conformismo. Há avanço da técnica, a linha de montagem,
a produção em série, a uniformidade, a obediência cega.
Estes
três livros me vêm à mente nestes dias, com as investigações sobre as fake
news, a polarização política, os desmandos governamentais, a manipulação de dados,
a negação da ditadura, a exaltação de torturadores, o armamentismo da
população, a imprecisão das informações presidenciais, as mentiras ditas com a
firmeza de quem acredita nelas como sendo expressão da verdade. O site www.aosfatos.org
fez recenseamento das frases ditas e concluiu que, em “Em 524 dias como presidente,
Bolsonaro deu 1151 declarações falsas ou distorcidas”.
Não bastasse isto, a recente
interferência no Ministério da Saúde transformando-o em quartel pela quantidade
de militares ali alocados, sem expertise na área da saúde, causa espanto. Mais
espantoso ainda é que, em plena pandemia, não se tenha um ministro médico, nem
se lidere as ações de combate, jogando no colo dos governadores e prefeitos.
Como desgraça pouca é bobagem, a manipulação dos dados estatísticos, a mudança
nos critérios e a omissão de informação relevante para o combate ao Covid-19,
vem me dar a certeza de “1984” e “Admirável Mundo Novo” não são utopias impossíveis.
O número de mortos diários precisa ser reduzido pela engenharia estatística e
pela reconceituação dos óbitos. Chame-se os reescritores da história!
A imprensa está noticiando o que
não agrada? Fabrique-se notícias e espalhe-se pelas redes sociais! O povo vai
engolir porque não tem massa crítica! Os ministros do STF estão interferindo
nas decisões do mandatário? Coloque os produtores em série de manifestações e
peça o fechamento do STF e Congresso! Precisa dizer algo? Crie um “curral de
vaquinhas de presépio” e todos os dias faça as lives sem a mediação da
grande mídia!
Marcos Inhauser