Há momentos em que
penso que estamos nos tempos da barbárie. Questiono-me se a civilização deu
passos à frente. Poderia citar muitos fatos que me trazem este questionamento,
tanto no Brasil, como em outros países.
Para citar exemplos
deste mês, o caso da menina estuprada pelo tio, que engravida, tem risco de
vida se continuasse com a gravidez e a invasão da casa da avó por parte de
“religiosos” tentando impedir o procedimento legal.
Não bastasse a barbárie da morte de George Floyd, asfixiado
por um policial que ficou ajoelhado em cima do seu pescoço por nove minutos,
temos agora a cena de dois policiais atirando pelas costas em um negro. Tal se
deu com Jacob Blake, na cidade de Kenosha, Wisconsin.
O que mais choca é que ele tinha
parado seu carro para apartar uma briga entre duas mulheres. Saiu em missão de
pacificar e, sabe-se lá por que, a briga virou contra ele, não pelas mulheres,
mas pelos policiais. Deixou os filhos no carro para realizar uma missão de paz
e foi baleado nas costas, por policiais truculentos, imbuídos de um racismo
estrutural. E foi baleado na frente dos três filhos que estavam no carro!
Nestas horas eu me pergunto como o
texto da bem-aventurança pode ser aplicado, entendido, ou pode explicar esta
situação: “Bem-aventurados os pacificadores,
porque eles serão chamados filhos de Deus”. Como o Jacob Blake e seus familiares podem entender,
aceitar e ser consolados com a afirmação de que seu pai, covardemente baleado,
pode ser chamado Filho de Deus?
Eles estão angustiados com a saúde
do pai, levado em estado grave para o hospital. Eles estão chocados com a
brutalidade de quem, se sentindo dono da verdade e da vida alheia, decide, à
queima-roupa e pelas costas, atentar contra a vida daquele que os deixou no
carro (em segurança, diria eu), para ir fazer um ato que é obediência ao
mandamento bíblico: pacificar.
Como já ocorreu em outras
situações semelhantes, o ato gerou uma onda de revolta, com mais violência
gerada. Este paradoxo é intrigante: um ato de pacificar gera a violência
policial que, por sua vez, gera a violência social. A pergunta que fica: é
errado tentar ser pacificador em uma sociedade estruturalmente violenta?
Como ser pacificador no Brasil
onde o discurso de violência vem de cima? Quando os que têm a incumbência
constitucional de gerar a paz social, pregam o armamentismo? Como ser pacifista
em uma nação onde a violência no campo gerou muitas mortes (Padre Jósimo, Chico
Mendes e Dorothy Mae Stang, para citar só três), onde o ministro do Meio Ambiente
é o maior agressor ambiental que se conhece hoje em dia? Como ser pacificador
quando a polícia entra nas favelas em suposto confronto com marginais e mata,
com balas perdidas ou dano lateral, crianças em suas casas?
O
pacificador, além de sua tarefa imediata de gerar paz em situações de conflito,
também tem o dom de desmascarar a violência. A pacificação é um processo com
exigências radicais. Não se pode ser pacificador com medo, com meias palavras.
Em certa medida, trabalhar pela paz é trazer a luta contra a violência estrutural.
Em
nenhum momento Cristo disse que a vida cristã seria fácil. E não é para menos
que, anunciando a paz, foi crucificado!
Marcos
Inhauser