Há uma frase proferida por Jesus que já ouvi várias
explicações e nenhuma delas me convenceu plenamente: “conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará”. O problema é bastante complicado. Primeiro precisamos
entender o que é verdade e isto já deu muito pano para manga, muitas páginas de
livro e muitos seminários filosóficos, sem que se tenha chegado a um
denominador comum.
No trato da questão da verdade há os céticos que afirmam que
nada é verdadeiro ou falso, que tudo é igualmente verdadeiro e falso e que
nunca se pode chegar ao conhecimento da verdade. Do outro lado do espectro
estão os que pensam que, sim, se pode conhecer a verdade. Entre eles, entendo
eu, está Freud, que entendia que nada é absolutamente irrelevante (tal como
afirmam os céticos e os niilistas). Para ele, precisamos crer em verdades
porque, caso contrário, se ela é irrelevante, deveríamos construir pontes com
papelão ao invés de fazê-lo com concreto e pedras. Ele define aos que
consideram a verdade como irrelevante como “anarquistas intelectuais”. Há
coisas que creio como verdadeiros e construo minha vida sobre estas verdades.
Acrescente-se a posição dos relativistas: a verdade é
relativa e o que é verdade para uma pessoa pode ser mentira para outra. Eles não
acreditam no caráter objetivo da verdade, nem em sua natureza absoluta e
imutável, uma vez que dependente do posicionamento subjetivo.
Deve-se ainda acrescentar os pragmáticos: a verdade é o que
funciona. Alguns também a chamam de funcionalismo. A verdade só o é quando o
que se afirma tem uma função prática e funcional.
Diante disto há ainda duas questões: o que é a verdade e o
que é verdadeiro sobre uma situação especifica. Todos conhecemos a distinção
entre a verdade por antagonismo com a mentira. Todos já mentimos e sabemos
quando mentimos, porque faltamos com a verdade. Logo sabemos o que é a verdade.
Então, a mentira é a falta de correspondência entre o que afirmo e o que faço
ou creio. Por dedução lógica, se há esta correspondência, afirmo a verdade. Mas
este falar honesto não me dá a credencial da verdade, porque posso falar o que
penso e dizer a coisa de forma totalmente correspondente com o que faço e ainda
assim não dizer a verdade. Para que a enunciação seja verdadeira, precisa haver
uma correspondência entre o dizer, as palavras, o discurso e o pensamento e
quem ouve, em sintonia com o que é dito, aceita o que lhe foi comunicado como
sendo verdadeiro.
Ainda assim poder-se-á questionar que esta verdade é verdade
para os dois ou mais pessoas envolvidas no processo. Pode-se concordar sobre a
versão ou interpretação de um fato e ainda assim estar errado na interpretação.
Quem afirma que Jesus é a verdade e que ele, sendo a
verdade, liberta tem em si, no bojo desta afirmação, questionamentos sérios. Se
a verdade é ele, conhecer a ele é ser liberto. Mas qual dos Jesus devemos
conhecer? O descrito nos evangelhos sinóticos ou na teologia joanina? Ou o
Jesus das pregações paulinas? Ou o Jesus da tradição eclesiástica? O Jesus da
leitura teológica, instrumentalizada com aparato crítico e exegese nas línguas
originais, ou o Jesus da leitura simplista? Qual deles é a verdade?
Qual a verdade que liberta? A dos teólogos ou a da prática
ingênua do que se crê como verdade?
Marcos Inhauser