No livro "A
terceira onda" Alvin Tofler defende a ideia de que a humanidade passou por
uma primeira representada pela civilização agrária; a segunda que foi a
civilização industrial; e a terceira, que é a cibernética. Se Tofler está certo
ou não, não é o meu desejo discutir aqui.
No entanto, esta
colocação levou-me a pensar na história da Igreja. Também nela pude perceber
"ondas".
A primeira está
ligada à fase inicial da história da Igreja, desde o Pentecoste até o
reconhecimento do cristianismo pelo império romano. Nesta fase, os cristãos,
perseguidos que eram, quando se reuniam, o faziam com o risco da própria vida.
Não podiam, por razões óbvias, promover grandes concentrações, nem podiam
promover barulho, quer através dos cânticos ou da pregação. O ponto alto das
reuniões era o "ágape", refeição que constituía o fator de unidade e
comunhão na Igreja primitiva. Durante o ágape, havia o compartilhar das
experiências, o doutrinamento, a oração, os salmos, o louvor. Mas o ponto alto,
o ponto básico, o principal era a refeição.
A segunda onda
está relacionada com o período da legalidade da Igreja. As comunidades até
então subterrâneas, vieram à luz. As reuniões que eram familiares, feitas nas
casas, passam a ter mais de frequentadores. Surgem os templos. Edifícios
majestosos foram construídos. Grandes catedrais, templos suntuosos, requinte
arquitetônico, obras de artes valiosíssimas pintadas nos seus tetos e vitrôs.
Foi a época áurea da arquitetura e da arte.
Os prédios e as
artes passaram a ocupar o lugar do "ágape". Ia-se ao templo, lugar
agradável e bonito, que convidava á meditação. Foi o apogeu da arte sacra,
enquanto a teologia se perdia nos labirintos das especulações que a escolástica
produziu. As construções, a arte, as esculturas passaram a funcionar como
elemento catalisador da cristandade. Um afresco, um vitrô pintado, uma
escultura, comunicavam uma mensagem. Atraíam os fiéis.
Veio a Reforma,
que trouxe a terceira onda. Se até então as cerimônias religiosas estavam muito
mais voltadas para o visual, o plástico, os reformadores, por sua volta às
Escrituras, passaram a colocar a exposição delas como o ponto alto do culto
cristão. Ainda que tenham inovado com a introdução do canto congregacional, a
liturgia reformada elevou o púlpito ao cume.
Assim, na
tradição reformada, não se concebe um culto sem a leitura e exposição da
Palavra. Isto levou a Igreja a produzir grandes oradores, filólogos e
gramáticos, mas quase nenhum artista plástico. Para os reformados, a única via
de edificação espiritual é a da razão, pela compreensão lógica e sistemática
das Escrituras Sagradas.
Esta terceira
onda começou a ser abalada pela entrada da civilização televisiva. Os grandes
oradores começaram a sofrer a concorrência da televisão, com seus personagens,
sempre bonitos, bem vestidos, voz empostada, nunca falando alto ou gritando,
nunca errando, com fundo musical, velocidade de ação e temas atraentes.
Acresce-se a isto o fato que, para ouví-los, não havia a necessidade de sair de
casa, nem colocar o sapato apertado, nem a indumentária alienígena do terno e
gravata. Tampouco precisava ficar sentado imóvel durante hora e meia, ou mais.
Poderia conversar durante a programação, levantar-se, comer ou outra coisa
qualquer.
A geração criada
pela babá-eletrônica, aprendeu a prestar atenção durante um tempo superior a
8-10 minutos, que é o período de programação entre um comercial e outro. Esta
geração "videologizada" tem dificuldade de adaptar-se ao esquema
litúrgico das igrejas. Tampouco está acostumada a prestar atenção durante 30-35
minutos, num amontoado de palavras que não fazem parte do seu universo
vocabular: redenção, propiciação, reconciliação, justificação, infalibilidade,
imutabilidade, onipresença, ubiquidade, certamente não foram ouvidos por ele, e
soam estranhas, esotéricas, acadêmicas e estéreis.
Há um
abismo entre a tradição litúrgica e a vida do jovem.
Marcos Inhauser