Lembro-me com a
clareza de algo que acabou de acontecer. Era a primeira vez na minha vida que
me colocava à frente de uma classe e lia algo. Tinha eu sete anos de idade, em
processo de alfabetização e fui chamado para ler para a classe a história de um
oftalmologista que, passando todos os dias pela praça pública, via um senhor
cego a pedir esmolas. Um dia o convidou ao seu consultório e o examinou,
decidiu operá-lo, a vista foi recuperada e o homem passou a ver.
Algum tempo depois o
médico passou pela mesma praça e, para seu espanto, lá estava o homem a pedir
esmolas, como se cego fosse. A história terminava com a máxima; o pior cego é o
que não quer ver.
Alguns anos depois, na
casa de um amigo de meu pai, fui chamado a um microscópio e convidado a olhar
pelas lentes. Era uma outra visão: a visão ampliada de um ácaro. Fiquei
estarrecido com a riqueza de detalhes que via e que nunca havia imaginado que o
nada (porque nunca havia visto) pudesse ter tanta riqueza de detalhes. Fiquei
com a máxima: nem tudo consigo ver com meus próprios olhos.
Meu tio Nicolau, que
morava conosco, comprou um telescópio amador, mas potente o suficiente para ver
o que não conseguia ver na superfície lunar, em Vênus e outros planetas. Toda a
noite saíamos para fora de casa e nos deslumbrávamos com as visões que
tínhamos. Fiquei com a máxima: há coisas tão distantes que só vejo os detalhes
com a ajuda de lentes.
Muito mais tempo
depois li a história de Manuelzão e Miguelim, nos contos de Guimarães Rosa.
Emocionei-me quando o médico oftalmologista que visitava a fazenda onde vivia
Miguelim, ao perceber sua miopia, trouxe-lhe óculos e o colocou na criança, que
passou a ver muito mais e melhor do que até então via. Fiquei com a máxima:
para ver melhor o mundo onde estou preciso de ajuda.
Quando fui fazer a pós
em Educação, fui levado a ler alguns filósofos clássicos. Eles me abriram os
olhos para ver que eles já tinham visto coisas que eu nunca imaginei e sonhei.
Fiquei com a máxima: o que hoje vejo e acho que é novidade, alguém já pode ter
visto alguns séculos antes mim.
Fui fazer teologia e
passei a ler a Bíblia com outros óculos. Inicialmente com lentes mais
conservadoras, à medida que fui ganhando confiança fui trocando as lentes e
vendo no texto bíblico coisas que antes não via. Houve vezes que achei que
estava olhando pelo microscópio, outras pelo telescópio, outras que um médico
botou óculos novos em mim. Nesta caminhada percebi que a cada dia a fé tem a
capacidade de mudar as lentes da minha visão.
Mais recentemente
percebi que um tipo de cegueira que a refuto como a pior de todas. Há pessoas
que não se enxergam. Fui alertado para este tipo de gente quando, via um
programa de calouros e um candidato, desafinado e sem noção de ritmo, foi
gongado e ele vituperou dizendo que o júri não entendia de música e que ele ia
ser um grande cantor e voltaria para mostrar seu talento. Depois foi uma mulher
que se vestia ridiculamente, que foi feito um treinamento na empresa para ver
se percebia que era exagerada e ela disse que ninguém se vestia tão bem quanto
ela.
Atualmente temos
vários exemplos na política de gente que não se enxerga. E porque são cegos da
pior espécie, fazem sofrer aos que são obrigados a conviver com eles.
Marcos Inhauser