O mundo ficou pendurado nas notícias que saíam sobre a
situação dos 12 garotos e do técnico que ficaram presos em uma caverna nas
Filipinas.
Há algumas considerações que quero fazer quanto a esta
situação. Um grupo de amigos, praticantes do futebol, depois da partida,
decidem celebrar o aniversário de um deles (celebração da vida), entrando na
caverna, coisa que já haviam feito antes sem problemas. Era uma celebração.
Entraram pelo túnel de acesso, cheio de umidade e foram surpreendidos por algo
inesperado: chuvas que inundaram e os obrigaram a ficar presos no seio da
terra.
O mundo orou, rezou e torceu pela salvação das crianças.
Todos se empenharam no resgate, muitos voluntários, mergulhadores ou não, se
envolveram no trabalho. O mundo esteve pendente das notícias e do resgate de
todos. À medida que iam sendo retirados, como que por fórceps, o mundo exultava
com a vida salva.
Juntamente com isto, no Brasil, recebíamos notícias que
também convulsionavam a sociedade. Elas davam conta das balar perdidas e das
crianças mortas por elas. Por serem crianças, mais comoção havia. Parece que há
um apelo emocional mais forte quando se trata da morte das crianças. Ontem
recebi a notícia da morte de uma sobrinha de 10 anos, baleada por bala perdida,
e que me foi comunicado pelo tio, inconsolável.
Em meio a estes fatos, assisti, ainda que parcialmente, o
debate público promovido pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a possível
legalização do aborto. Meus dois neurônios, sincronizados (talvez por vez
primeira), me perguntavam: não é este o mesmo pessoal que torcia pelo resgate
dos meninos nas Filipinas, que clamou pela cessação da violência das mortes de
crianças? Como podem estar, agora, defendendo a morte de crianças no útero de
uma mãe?
Os meninos na caverna tiveram uma parafernália para que
fossem salvos. Até um submarino de pequeno porte foi construído, para que a o
resgate fosse levado a contento. Muito dinheiro foi gasto para a infraestrutura
que permitiu a salvação de todo o grupo. Semana de hospital para a recuperação
de todos.
Imagine o escândalo que teria sido se alguém tivesse vindo a
público sugerir que se jogasse veneno no local onde os meninos estavam, para
evitar que não sofressem com a demora no resgate. Imagine que alvoroço teria
sido se alguém sugerisse que se introduzisse um aspirador/triturador, para que
os meninos morressem. Imagine quanta celeuma teria acontecido se alguém, sob
pretexto de que os pais não têm condições econômicas ou afetivas para recebê-los
de volta, sugerisse o “aborto” deles no útero da terra.
Se para os meninos que estavam no útero da terra a salvação
era questão de honra nacional e mesmo internacional, por que a vida de infantes
no útero da mãe pode ser disposta a bel prazer delas, sob o argumento de que devem
ter a autonomia sobre seus corpos? Se o argumento da viabilidade econômica da
mãe e dos pais pesa na defesa do aborto, por que não foi usado na questão dos
meninos?
Meus dois neurônios deram um curto-circuito. A ética da
morte de crianças é circunstancial? A vida de filipinos vale mais que a vida de
infantes brasileiros? Mas eles tinham mais de dez anos de vida, podem
argumentar. Mas qual a diferença na qualidade essencial da vida entre um feto e
uma criança de dez ou onze anos?
Confesso que não consigo entender. Se alguém consegue
explicar que o faça.
Marcos Inhauser